Acórdão nº 01496/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução07 de Março de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório O A..., interpõe recurso contencioso de anulação do despacho do Ex.mo Senhor SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA, que lhe aplicou a sanção disciplinar de 15 salários mínimos nacionais e ordenou a reposição da quantia de € 115.461,28.

Em síntese considerou prescrito o processo disciplinar; a inconstitucionalidade do referido procedimento disciplinar; exclusão da responsabilidade disciplinar por a recorrente ter agido no cumprimento do princípio da boa fé; a existência de erros no processo disciplinar; não está demonstrado o incumprimento do contrato.

Respondeu a entidade recorrida, defendendo a legalidade do acto.

Deu-se cumprimento ao disposto no art. 67º do Reg. do STA tendo a recorrente formulado as seguintes conclusões: 1ª - Por força do art. 4º n.º 1 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro " o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida.".

Considerando que: - o despacho de instauração do processo disciplinar é de 20 de Agosto de 2001, os factos constantes do art. 1º da acusação têm de considerar-se prescritos; - a data do início efectivo do processo, 6 de Maio de 2002, também os factos constantes do art.º 4º da acusação são abrangidos pela prescrição.

  1. - Mesmo que se invoque, como o faz a entidade recorrida, que a inspecção ocorrida em 2000 suspendia o prazo prescricional, da aplicação do n.º 2 do citado art. 4º resulta que, conhecido pelo dirigente máximo os factos indiciários do ilícito disciplinar o processo disciplinar deveria ser instaurado no prazo de três meses. Logo, prescreveu o direito de instaurar o processo disciplinar.

  2. - Acresce que, o acto recorrido é manifestamente ilegal, nulo e inexistente por violação da Constituição e de Lei. A ratio das normas constitucionais contidas nos arts. 43º, nº 4, e 75º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa e das Leis nº 9/79, de 19 de Março, Lei nº 65/79, de 4 de Outubro e Lei nº 46/86, de 14 de Outubro (arts. 54º a 58º), aponta para o incentivo ao pluralismo educativo, através da autorização de criação de escolas particulares baseadas em projectos educacionais diferentes do modelo público. E delas retira-se que a liberdade de criação de estabelecimentos particulares e a autonomia destes é uma concretização do direito fundamental de aprender e ensinar.

  3. - Sendo certo que a R. desempenha uma missão de natureza pública, a sua acção terá que ser tutelada pelo Estado/Ministério da Educação; porém, tal tutela não pode afectar o grau de autonomia da escola privada, constitucional e legalmente garantida. Tal autonomia não se compagina com a existência de um poder disciplinar, próprio do universo das relações de subordinação e hierarquia, tanto mais que o processo disciplinar e o seu resultado sancionatório foram aplicados em sede contratual, pois não se esqueça que, como pano de fundo, temos a execução de um contrato administrativo de associação entre um ente público e um ente privado, com o intuito de prossecução de um interesse público.

  4. - Pelo exposto, a instauração de um processo disciplinar por inexecução pontual do contrato é de rejeitar liminarmente. Constituir como arguido disciplinar uma pessoa colectiva privada instituidora de uma escola particular por alegado incumprimento contratual, remete para o campo do juridicamente impossível pelo que o processo disciplinar e a sua decisão final são nulos por ser impossível o seu objecto (cfr.: art. 133º, n.º 2 alínea c) do CPA).

  5. - O objecto é impossível, porque, em sede contratual, mesmo num contrato administrativo, não existe a relação de subordinação hierárquica que confira a uma das partes, no caso o Estado, poder disciplinar, parte integrante do poder atribuído legalmente a quem é superior hierárquico. A autonomia constitucionalmente garantida a uma escola particular não pode ser afectada por uma restrição tão violenta como a que decorreria da possibilidade da entidade titular ser confrontada com a qualidade de arguida num processo disciplinar. Aceitar tal possibilidade iria muito para além dos poderes de tutela que cabem ao Estado no âmbito do poder de inspeccionar e fiscalizar da boa prossecução do interesse público a que o particular está legal ou contratualmente vinculado.

  6. - Nos termos da alínea d) do artigo 133º, n.º 2 do CPA, são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. Assim, devem se considerados, este processo disciplinar e a sua decisão final, feridos de nulidade, porquanto, ao qualificar a entidade privada instituidora de uma escola particular como arguida disciplinar estão a atentar grosseiramente contra o direito /garantia fundamental de autonomia (que se traduz na criação de uma escola com autonomia de projecto educativo, com a correspondente autonomia de organização e direcção), restringindo-o ilegitimamente, em clara violação do disposto no art. 18º da CRP.

  7. - Por outro lado, em todo o conteúdo da acusação e da notificação da decisão disciplinar apenas se encontra referência à violação de uma norma - art. 3º da Portaria n.º 207/98, de 28 de Março.

  8. - A portaria, de natureza regulamentar, invoca como norma habilitante o n.º 4 do art. 99.º do Decreto-lei n.º 553/80, de 21 de Novembro, o qual determina, tão-somente, o elenco das sanções a aplicar às entidades titulares das escolas particulares e aos directores pedagógicos. Ao contrário do que alega a entidade recorrida (cfr.: art. 48.º da resposta, in fine), este diploma não define a natureza dos ilícitos susceptíveis de serem sancionados disciplinarmente; parece-nos insuficiente a norma genérica constante do n.º 1 do art. 99º, pois permite, em sede regulamentar, a verdadeira criação dos ilícitos e a determinação da sua natureza e gravidade.

  9. - Não há dúvidas, e a própria entidade recorrida o admite, que a definição dos ilícitos (natureza e gravidade), cabe no "regime geral" do direito disciplinar que é a componente que está coberta pela exigência constitucional da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. O Decreto-lei n.º 553/80, de 21 de Novembro, é um decreto de desenvolvimento da Lei de Bases do Ensino Particular (Lei n.º 9/79, de 16 de Março). Em nenhum momento a Lei de Bases autoriza que no quadro regulamentador a criar pelo decreto de desenvolvimento conste matéria de carácter disciplinar, conforme se extrai da leitura do art. 17º dessa lei. Consequentemente, o art. 99.º viola o princípio constitucional da subordinação dos Decretos de desenvolvimento às bases gerais do respectivo regime jurídico, conforme o previsto no art. 112, nº 2 da CRP.

  10. - Pelo que a referida Portaria deve ser considerada inexistente na ordem jurídica vigente, porquanto a sua norma habilitante é inconstitucional. Donde resulta, também, que não há suporte normativo para a instauração do processo disciplinar e subsequente decisão, de acordo com o princípio "nulla poena sine lege".

    Sem prescindir, 12ª - admitindo por mera cautela que outro fosse o entendimento deste Tribunal, sempre se colocaria a questão de aferir se é legítima e exigível a reposição de verbas nos cofres do Estado imposta pelo despacho da entidade recorrida.

    O Contrato de associação é um contrato administrativo / acordo de vontades pelo qual é constituída uma relação jurídica administrativa (art. 178º, 1 do CPA), da espécie dos contratos administrativos de colaboração, pelo qual a escola particular se compromete contratualmente a cumprir a gratuitidade de ensino nas mesmas condições do ensino público (art 16º a) do DL nº 553/80, por força do nº 4 do art. 8º da Lei nº 9/79) pelo que a obrigação resultante do contrato de associação para a entidade privada é uma obrigação de resultado e esta característica é condicionante do poder de direcção do modo de execução, do poder de fiscalização do contrato e do poder sancionatório por inexecução pontual do contrato.

  11. - O art. 15º do DL n.º 553/80, de 21 de Novembro, estabelece o critério do apoio financeiro: um subsídio por aluno igual ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalentes (nº1); o subsídio será fixado anualmente pelo Ministro da Educação (n.º2). Ao longo do tempo e de forma que bem se explica nas presentes alegações, o Estado veio a administratizar o processo de gestão das escolas particulares, tentando interferir na sua gestão e, em concreto, alterou o espírito do artigo 15.º do DL n.º 553/ 80, proliferando normas regulamentares e administrativas em que se introduzem novos e múltiplos critérios para a ajuda financeira a conceder no âmbito do contrato de associação. O Despacho 256-A/ME/96, ou a interpretação de que tem sido alvo pela Administração, é um desses exemplos. Tendo a decisão do processo disciplinar sido proferida ao abrigo do referido Despacho 256-A/ME/96, está ferida do vício de violação de lei por desrespeito do artigo 8.º da Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo e artigos 15.º e 16.º do DL n.º 553/ 80, de 21 de Novembro.

  12. - No próprio clausulado do Contrato de associação celebrado, é referido que "ao abrigo dos artigos décimo quarto, décimo quinto e décimo sexto do Decreto-lei número quinhentos e cinquenta e três, de vinte e um de Novembro de mil novecentos e oitenta celebram entre si contrato de associação" pelo que, também por força do contrato, nenhuma violação poderá ser assacada à R. no que concerne aos pontos da acusação porquanto não tem qualquer respaldo legal a exigência do mapa de docentes e dos seus encargos, mesmo que só para critério de cálculo de apoio financeiro, quanto mais para critério de gestão da escola passível de direcção/tutela substitutiva que implique poder disciplinar.

  13. - Quando foi assinado o contrato de associação, já a DREL tinha na sua posse os elementos fornecidos pelo A... para quantificar os vencimentos e respectivos encargos sociais. Após recepção...

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