Acórdão nº 0269/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução06 de Abril de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1.1. A… interpôs, neste Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação "do acto administrativo de prorrogação do contrato de concessão da Zona de Jogo do Estoril, publicado sob a forma de Decreto-Lei nº 275/2001, de 17 de Outubro, praticado pelo Governo".

Imputou ao acto recorrido vício de forma, por falta de fundamentação, e violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

Indicou como interessada a quem o provimento do recurso poderia afectar - a …, com sede na Rua …, nº … - 2765 Estoril.

1.2. O Primeiro-Ministro respondeu nos termos constantes de fls. 23 e seguintes, sustentando o improvimento do recurso.

1.3. A …, notificada na qualidade de contra-interessada para contestar o recurso contencioso, apresentou a contestação de fls. 43 e seguintes, na qual, em síntese, deduz a sua ilegitimidade passiva no presente processo, porquanto cedeu a sua posição contratual no contrato de concessão em questão à …, após a autorização de tal transferência por Resolução do Conselho de Ministros, publicada no Diário da República, II Série de 9 de Agosto de 1999.

Suscita ainda como questões prévias, obstativas do conhecimento do mérito do recurso, a ilegitimidade activa do Recorrente, e a discricionariedade do acto impugnado e, defende a improcedência dos vícios assacados ao acto recorrido.

1.4. Ouvida a Requerente, veio, em síntese, sustentar que a …, sendo detentora da totalidade do capital social da …, e respondendo solidariamente pelo cumprimento das obrigações assumidas por esta no âmbito do contrato de concessão, terá também interesse processual em intervir nos presentes autos.

Requereu a regularização da petição, ao abrigo do artigo 40º da L.P.T.A., requerendo também a citação da interessada … .

1.5. Admitida a regularização da petição (despacho de fls. 141), foi a …. notificada para contestar, vindo a fazê-lo pela forma constante de fls. 155 e seguintes, em termos inteiramente coincidentes (excepto quanto à ilegitimidade passiva) com os da … .

1.6. A Recorrente pronunciou-se sobre as excepções aduzidas pela … pela forma constante de fls. 201 e seguintes, que se dá por reproduzida, defendendo a improcedência das questões prévias suscitadas.

1.7. Por acórdão de fls. 211 e segs foi julgado procedente a excepção de ilegitimidade activa da Recorrente, por carência de um interesse pessoal e directo no provimento do recurso, e rejeitado o mesmo, nos termos das disposições conjugadas dos artos 46.º, n.º 1 e 57.º § 4.º do Reg. do S.T.A, com prejuízo do conhecimento das demais questões.

1.8. Interposto recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do acórdão referido em 1.7, foi reconhecida legitimidade à Recorrente contenciosa para impugnar o acto recorrido, revogando-se o acórdão da subsecção, devendo os autos voltar a esta para aí prosseguirem os seus termos, se outra causa a tal não obstar (acórdão de fls. 339 e segs).

O recurso interposto para o Plenário, de decisão do Pleno, por oposição de julgados, foi julgado findo por este último Tribunal, pela decisão de fls. 400 e segs, por não se verificar a invocada oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

1.9. Remetidos os autos à subsecção e, notificadas as partes para alegações, a recorrente contenciosa apresentou as alegações de fls. 412 e segs, que concluiu do seguinte modo: "1- Preliminar 1. Conforme ficou demonstrado pelo douto Acórdão 21 de Maio de 2004, a Recorrente tem um interesse legalmente protegido, igualmente tutelado pela Constituição da República Portuguesa, adiante CRP, (art. 268° n.°4) face à tutela jurisdicional efectiva.

  1. Através deste interesse legalmente protegido a lei tutela não directamente um interesse particular mas um interesse público que, correctamente prosseguido, implicará a satisfação do interesse individual.

  2. A forma conveniente para garantir que o interesse do particular (Recorrente) não é prejudicado ilegalmente passa por ter em conta a exigência de cumprimento do dever de legalidade das decisões da Administração, que possam afectar um interesse próprio (segundo doutrina do Prof. Freitas do Amaral, Manual de Direito Administrativo, vol. II, págs. 90 e 98).

  3. Refira-se, desde já, que a pretensão da Recorrente não é - até porque tal nunca seria legalmente admissível - que lhe seja adjudicada a concessão para a referida exploração.

  4. No fundo, e em suma, o que a Recorrente pretende é que seja anulado o referido acto legislativo, de maneira a que haja lugar a um concurso público, sendo dessa forma prosseguido o interesse público e os interesses legalmente protegidos da Recorrente, ainda que a decisão final desse concurso não lhe venha a ser satisfatória.

    II- Da violação do Interesse Público 6. Segundo defendido na exposição de motivos do Decreto-Lei 275/2001,o Governo apresentou como justificação bastante para a prorrogação a importância do sector do jogo no quadro do desenvolvimento do turismo, a relevância da associação turismo/jogo, a relevância das contrapartidas financeiras pela prorrogação da concessão, a aplicar no sector do turismo, a possibilidade das concessionárias darem continuidade aos investimentos em curso e programar novos investimentos e a constatação do cabal cumprimento das obrigações pelas concessionárias.

  5. No sentido de exprimir as regras pelas quais se deve pautar a eterna tensão que constitui o cerne do Direito Administrativo, entre a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, vem o art. 4° Código de Procedimento Administrativo (adiante CPA) referir que deve ser prosseguido o primeiro com o devido respeito pelo segundo.

  6. "Num Estado de Direito, as duas realidades encontram-se indissociavelmente ligadas, não sendo possível, sob pena de ilegalidade, a realização do interesse público sem a devida consideração dos direitos e interesses legítimos dos particulares" (AAVV, Código de Procedimento Administrativo Anotado, 4ª edição, Almedina. 2003).

  7. Mas o interesse público, não decorre, neste caso, apenas do disposto no enunciado art. 4° CPA, e também art. 266° n°1 CRP. É o próprio regime da exploração dos jogos de fortuna ou azar (Decreto-Lei 422/89), que no seu art. 13° impõe a necessidade de se considerar o interesse público quando houver lugar a uma prorrogação da concessão, dispensando-se novo concurso público.

  8. E neste caso, de prorrogação do prazo de concessão, sempre a fundamentação se revelaria imprescindível.

  9. Pela mera leitura do referido diploma de prorrogação, o Governo decidiu a prorrogação com a mera indicação genérica de alguns elementos indicadores de exploração empresarial, mas sempre sem qualquer fundamentação.

  10. Não obstante haver discricionariedade na forma como é ponderada a prossecução do interesse público, houve claramente preferência pela prossecução do interesse directo da administração em preterição do primeiro, e sempre sem qualquer consideração por uma adequada fundamentação das suas decisões. Diga-se que, ao ser o principal motivo para a dita prorrogação o apoio das concessionárias (neste caso em específico a …) ao investimento turístico, igualmente outras entidades o poderiam ter feito, e talvez de modo mais eficiente.

  11. Caso fosse despretensiosamente essa a motivação da escolha pela prorrogação, ao invés do concurso público, faria sentido ao Estado procurar um melhor e mais volumoso investimento, pois a oferta em concurso público ditaria a escolha pela melhor oferta. E caso não existissem melhores candidaturas restaria adjudicar à anterior concessionária, desta feita de forma legítima e conforme todas as normas de conduta e princípios do Direito Administrativo.

    III - Do exercício abusivo do poder discricionário 14. Em peças anteriores destes autos já foi defendido que a adjudicação da concessão de exploração constitui um poder discricionário da Administração (uma vez preenchidas as condições do art. 13° Decreto-Lei 422/89) e que, por isso, tal decisão não seria sindicável pelo tribunal, que não teria legitimidade para apreciar do mérito de qualquer decisão dessa natureza. Nada de mais longe de uma correcta interpretação e aplicação do direito...

  12. O interesse público, como condição sine qua non para a prorrogação do prazo de concessão da exploração de jogos de fortuna e azar, constitui um conceito jurídico indeterminado, que deverá ser integrado através de um raciocínio causal-teorético (Prof. Sérvulo Correia). Desta forma, revela-se decisiva a ponderação de princípios fundamentais como o da proporcionalidade para que se venha preenchido o espaço de livre apreciação da administração.

  13. E são esses princípios constitucionais que permitem - e legitimam - que mesmo no âmbito de poderes discricionários haja controlo jurisdicional.

  14. É o que aqui se passa uma vez que não foram respeitados princípios e corolários da actuação administrativa, como não foi cumprido o dever fundamental de fundamentar a decisão.

    IV - Da violação do princípio da igualdade 18. A arguição da violação deste princípio está directamente dependente da consideração da legitimidade da Recorrente como detentora de um interesse legalmente protegido, nos termos em que ficou demonstrado e assente nos doutos acórdãos já proferidos nestes autos.

  15. O princípio da igualdade previsto no art. 13° CRP (e estamos a falar no n.°1 - que prevê a igualdade resultante da dignidade social - e não das condicionantes do n°2) como uma norma sobre Direitos Fundamentais que merece igual distinção.

  16. Obviamente, a atribuição por lei, mediante iniciativa da concessionária ou da própria Administração, da possibilidade de prorrogação do prazo da concessão, acaba por configurar um tratamento desigual perante a entidade que já viu ser-lhe atribuída a concessão e aquelas que pretendiam apresentar-se a um concurso.

  17. Por outro lado, na argumentação do Primeiro-Ministro, aquando da sua resposta à impugnação...

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