Acórdão nº 02014/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução04 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - Relatório A…, com melhor identificação nos autos, vem recorrer do acórdão de 11.11.04, da 3.ª Subsecção deste Tribunal, que negou provimento ao recurso contencioso que interpôs do despacho da Ministra da Educação, de 15.6.02, que lhe impôs uma sanção disciplinar e lhe ordenou a devolução de determinadas quantias.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões: ACERCA DA SANÇÃO DISCIPLINAR I.

Ao contrário do que se decidiu no douto Acórdão recorrido, a pena de multa aplicada ao "EXTERNATO DE …", carece de base legal e de tutela constitucional.

II.

Constitui competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral de punição das infracções disciplinares (Artº. 168°, n° 1, d) da CRP).

III.

A Lei n° 9/79 (Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo) limitou-se a incumbir o Governo a estabelecer a regulamentação dos contratos de concessão de apoios e subsídios e a respectiva fiscalização.

IV.

O Dec-lei n° 553/80, de 21 de Novembro, procedeu ao desenvolvimento dos princípios e bases gerais do regime contido naquela lei, mas não densificou minimamente em matéria de sanções disciplinares, limitando-se no seu Artº, 99°, n° 1 a remeter - em branco - para uma Portaria dos Ministros das Finanças e da Educação, a regulamentação substantiva especifica do regime sancionatório.

V.

Essa Portaria - Portaria n° 207/98, de 28 de Março - introduziu no ordenamento jurídico todo o regime substantivo das infracções e sanções disciplinares, funcionando como um regulamento integrativo pleno, onde foram adoptadas "ex novo" todas as soluções em matéria de sanções.

VI.

Operando-se uma deslegalização de uma matéria que está reservada à lei.

VII.

Com a revisão constitucional de 1982 foi introduzida a versão actual do n° 6 do Artº. 112° da CRP, e pois, foi eliminada a legitimidade de tais regulamentos integrativos.

VIII.

Assim, embora originariamente constitucional, o citado Artº. 99° do Dec.-lei n° 553/80, com a revisão constitucional referida ficou ferido de inconstitucionalidade material superveniente.

IX.

Acresce que, como a sanção pretendida aplicar ao "EXTERNATO" não assenta em lei emanada da Assembleia da República mas em decreto governamental não autorizado, tal sanção é ilegal por esse decreto e respectiva portaria serem também organicamente inconstitucionais.

X.

O douto Acórdão recorrido devia ter-se recusado a aplicar normas inconstitucionais.

ACERCA DA RESTITUIÇÃO DE VERBAS XI.

O douto Acórdão recorrido omitiu a sua douta pronúncia sobre um número muito significativo das conclusões do recurso, designadamente, as Conclusões XVII a XXXII, precisamente aquelas que versavam sobre o alegado incumprimento do Contrato 9/99.

XII.

Com essa omissão de pronúncia o douto Acórdão recorrido viciou irremediavelmente a sua decisão.

XIII.

Tanto mais que, do ponto de vista lógico e cronológico, para que o douto Acórdão recorrido pudesse avançar para a questão de saber se a Administração Educativa gozava neste caso concreto de poderes de auto-tutela executiva (ordem de restituição de verbas), sempre teria de resolver a questão declarativa de saber se teria ocorrido incumprimento contratual.

XIV.

E quando o douto Acórdão recorrido se embrenhasse no conhecimento efectivo e concreto do modo como deve ser interpretado o conceito de "contrapartida" subjacente ao Contrato de Associação, então confrontar-se-ia inelutavelmente com a fronteira dos poderes de auto-tutela administrativa.

XV.

A ordem de reposição emitida pelo Senhor Ministro da Educação, foi emitida com fundamento numa interpretação do Contrato de Associação e das suas cláusulas que choca frontalmente com a interpretação do contraente privado e seu co-outorgante.

XVI. Ao contrário do que o douto Acórdão recorrido implicitamente pressupõe, as partes contratuais (Administração Educativa por um lado e o "EXTERNATO", pelo outro) estão em conflito aberto, em litígio declarado, sobre o modo de interpretar o Contrato e as suas Cláusulas, precisamente no que toca às prestações pecuniárias recebidas.

XVII.

A Administração Educativa (Ministro da Educação) entendeu que a verba global colocada à disposição do "EXTERNATO" a título de "apoio financeiro" só pode ser por este utilizada desde que sejam "executadas" todas as despesas tal como foram calculadas e previstas por uma das partes no Contrato (DREC); Enquanto o "EXTERNATO" entende, desde há muitos anos, que a verba global que lhe é paga procura corresponder ao preço do custo de manutenção e funcionamento por aluno, visando ressarcir um "obrigação de resultado", e pois, pode e deve ser gerida com toda a liberdade (com estrito respeito por todas as regras e normas do sistema educativo).

XVIII.

E para dirimir esta questão eram particularmente relevantes as conclusões que foram postas à consideração do douto Acórdão recorrido e sobre as quais este não se pronunciou, a saber: a) A interpretação adoptada pela Administração Educativa quanto à natureza e conteúdo dos Contratos de Associação não obedece à lei; b) O Estado (Administração Educativa) não tem cumprido com a obrigação legal de pagar às escolas particulares com contrato de associação um preço por aluno correspondente ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente; c) A Administração Educativa tem calculado a contrapartida contratual a pagar, com base num modelo estabelecido no Despacho n° 256-AIME/96, que é ilegal e se afasta da execução devida à norma imperativa contida no Artº, 15°, n° 1 do Dec-lei n° 553/80; d) Este Despacho, pela aplicação que lhe tem sido dada, não pode representar mais do que um instrumento interno e oficioso da Administração Educativa destinado a tentar uma aproximação ao cumprimento da contrapartida legalmente devida à "A…"; e) As parcelas representativas dos parâmetros que servem de base ao cálculo do preço de acordo com tal Despacho, não têm efeitos externos, nem podem ser erigidas em rubricas orçamentais rigidamente cabimentadas.

f) A contrapartida contratual ou preço posto à disposição do "Externato" para pagamento dos serviços de ensino por este prestados constitui uma verba global não sujeita a cabimentação parcelar; g) As escolas particulares em geral e o "Externato …" em particular não são chamados a participar na construção do preço que lhes é devido por força dos contratos de associação que celebram com as Direcções Regionais de Educação; h) Por seu lado, a A… em momento algum se obrigou a dar um destino parcelar e cabimentado à verba global recebida; i) A "A…" cumpriu exemplarmente as suas obrigações de resultado, do ponto de vista pedagógico, tal como contratualmente definido.

j) À "A…" em momento algum lhe foi solicitado que apresentasse os justificativos da afectação que realizou das importâncias recebidas no âmbito do contrato de associação celebrado para o ano lectivo de 1998/1999; k) À "A…" não foi solicitado pela Administração Educativa que apresentasse qualquer "orçamento de gestão para o ano seguinte"; l) À "A…" não foi solicitado pela Administração Educativa que periodicamente procedesse à apresentação de qualquer tipo de demonstração financeira; m) À "A…" não foi ainda solicitado pela Administração Educativa que apresentasse uma "conta de gestão com justificativos das despesas efectuadas"; n) Por outro lado, à "A…" não foi comunicado pela Administração Educativa qual o valor correspondente ao custo de manutenção e financiamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente aos do "Externato …" (como expressamente obriga o Artº. 15° do Dec-lei n° 553/80); o) Não se encontra presentemente ainda apurado o valor que a Administração Educativa tem de pagar à "A…", correspondente à diferença entre o que lhe era legalmente devido e aquilo que (por defeito) lhe atribuiu e disponibilizou; p) Se se considerar que há necessidade de apurar as contas (deve e haver) entre a "A…" e a DREC, tal prestação de contas (em caso de conflito) deverá ser objecto de uma Acção Sobre Contratos; XIX.

Como claramente resulta do último parágrafo do ponto 5. (pág 34) do douto Acórdão recorrido, a decisão ora sob recurso "pressupôs" - sem curar de discutir - que teria havido da parte do Senhor Ministro da Educação a consideração de ter existido "errada execução do contrato"; e que era essa "errada execução do contrato" que habilitava a Administração a emitir a ordem, com força executiva, de reposição das verbas "pretensamente" mal aplicadas.

Com o que o douto Acórdão recorrido deixou que a Administração se envolvesse necessariamente no juízo, de valor técnico-jurídico, sobre a interpretação do Contrato e das suas Cláusulas, e pois, invadisse a esfera da jurisdição.

XX.

O douto Acórdão recorrido fez incorrecta aplicação da Lei, designadamente do disposto nos Art.°s 178°, 180º e 186° do CPA e Art°. 9°, n° 1 do ETAF, quando não revoga por vício de usurpação de poder o despacho do Senhor Ministro da Educação de 15 de Junho de 2002, quando este ordena ao "EXTERNATO" - contraparte no Contrato de Associação - que devolva quantias que lhe havia pago de acordo com o clausulado em Contrato de Associação, postergando que judicialmente se definisse que tais cláusulas deveriam valer com o sentido restritivo e parcial que o Senhor Ministro da Educação lhes atribuiu.

A autoridade recorrida contra-alegou sustentando que: 1- Por razões de economia processual, e porque nada de relevante foi alegado pelo recorrente no presente recurso jurisdicional que possa contrariar a legalidade do Acórdão do STA ora recorrido, reproduz a Entidade Recorrida no recurso contencioso à margem identificado todo o teor da resposta e alegações oportunamente apresentadas, devendo ser confirmada a decisão do STA, de 17.11.04, por ter feito uma correcta apreciação dos factos e aplicação do direito, assim se fazendo JUSTIÇA! 2- Aliás, a doutrina explanada no Acórdão ora recorrido, nas...

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