Acórdão nº 0624/05 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução10 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A…, intentou no TAC de Lisboa, contra o ESTADO PORTUGUÊS, a presente "acção declarativa de condenação, com processo ordinário", pedindo a sua condenação no pagamento ao A. e a título de indemnização pelos prejuízos que lhe teriam advindo da errada indicação na Pauta de Serviço da taxa incidente sobre os gelados importados de Espanha, da quantia de 11.711.050$00, correspondente à colecta adicional e às contas de custas e ainda os juros de mora que a Alfândega vem reclamando da A., bem como no pagamento de juros sobre as despesas efectuadas pela A. a liquidar no final e que neste momento calcula em 1.800.000$00.

Por decisão de 27.01.2005 (fls. 223/231) o juiz do TAC de Lisboa, julgou a acção improcedente por não provado e em conformidade absolveu o R. do pedido.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs a A. recurso jurisdicional tendo, em sede de alegação, formulado as seguintes CONCLUSÕES: I - A decisão proferida pelo Tribunal a quo não reconhecendo os direitos peticionados pelo recorrente errou na apreciação dos factos e na aplicação da lei.

II - O erro veiculado pela Pauta de Serviço proveio da base de dados da DGA; III - Durante mais de dois meses o erro não foi corrigido e isto influenciou a política comercial da recorrente; IV - Que repercutiu sobre o consumidor os benefícios da redução da taxa.

V - E nunca mais pode recuperar o abatimento que fez.

VI - Tendo sido forçada a abandonar o mercado dos gelados, apenas porque um dia alguém errou ao introduzir a informação na Base de Dados onde se informavam despachantes e funcionários.

VII - O Tribunal a quo afastou esse entendimento, com deficiente fundamentação, limitando-se a remeter para as decisões proferidas no processo de impugnação.

VIII - Não curando de distinguir que são questões distintas.

IX - Saber se o Estado tem legitimidade para vir cobrar um imposto que não tinha sido anteriormente e voluntariamente pago.

X - De saber se, não obstante tal facto, o erro cometido pela administração, embora não isente do pagamento de imposto é facto gerador de um erro no recorrente, que acaba por sofrer um prejuízo que não sofreria.

XI - Não se conforma o recorrente com a interpretação e aplicação da lei feita pelo tribunal a quo do disposto nos art. 2º e 6º do referido DL; XII - Devendo concluir-se pela verificação dos pressupostos: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade e, a final, condenar o Estado na quantia peticionada.

XIII - O erro na publicação da pauta e a sua correcção apenas dois meses decorridos preenche o conceito de ilicitude pretendido pelo legislador.

XIV - Não é censurável o erro de quem desconhecendo a taxa correcta não imputa tal valor do imposto devido no consumidor final.

XV - É ilícito o acto de quem publica e afixa uma pauta com erro sobe a taxa, e demora a corrigir o erro.

XVI - Entendimento inverso permitiria ao Estado eximir-se às suas responsabilidades.

XVII - É manifesto que a publicação da pauta com erros é um facto absolutamente destituído de prudência comum e por esse motivo, ilícito.

XVIII - Esta falta de diligência encerra em si ainda um prejuízo de culpa.

XIX - Com relevância para a boa decisão da causa, está também demonstrado nos autos o dano sofrido pelo importador que corresponde a um empobrecimento gerado pela não imputação do imposto devido na venda final.

XX - O nexo de causalidade entre este dano sofrido e o erro constante da pauta é manifesto, na medida em que esse facto, independentemente do imposto ser a final devido, induziu o importador em erro.

XXI - Por fim a interpretação do art. 2º e 6º do referido DL 48.051, de 21.11.67, se prevalecesse colidiria com o art. 22º da CRP e com o art. 6º da Convenção E. dos Direitos dos Homem, de que resultaria a sua inconstitucionalidade material.

Termos em que deve o recurso ser julgado procedente, substituindo-se a sentença recorrida por outra que condene o Estado nos termos do peticionado.

Contra-alegando, concluiu o Réu nos seguintes termos: I - Face às decisões proferidas no âmbito do Contencioso tributário, que julgaram legal e devida pela recorrente, a colecta adicional, se mais não fora, nunca poderia a presente acção proceder. Ainda que assim não fosse, II - Nem sequer está provado que a pauta de serviço contivesse, para os gelados a importar de Espanha, a taxa 0% (fls. 26). Com efeito, III - A prova documental produzida pelo próprio recorrente, exclui "in totum", que a taxa de 0% da pauta de serviço respeitasse aos gelados importados do aludido Reino IV - Para além de utilizar factos, não integrantes da causa de pedir, invoca lucros cessantes, que não constituem o pedido formulado. De todo o modo, V - A pauta de serviço não é um acto normativo, nem uma lei formal; não vinculando os Serviços ou terceiros, tratando-se de informação genérica, não sendo o produto de pedido de informação formulada pelo interessado.

VI - Inexiste facto ilícito. Ainda que existisse, VII - Não está demonstrado que o Acto, a existir, fosse de molde a provocar o dano que alega.

VIII - Não se verificam cumulativamente, os necessários requisitos da responsabilidade invocada.

IX - Improcedem as Conclusões I, II, VII a XIII.

X - Irrelevam as conclusões III (2ª parte) a VI, por arredadas do objecto do presente recurso.

XI - Não se mostram violados os preceitos indicados.

XII - Bem andou a questionada sentença.

Pelo que deve ser negado provimento ao recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - A sentença recorrida deu como demonstrada a seguinte MATÉRIA DE FACTO: I - A A. foi notificada através do ofício nº 3037, datado de 8.7.88 e emitido pela Alfândega de Lisboa, para proceder ao pagamento da quantia de 11.711.050$00, com fundamento de que "aquando das importações das mercadorias a que se reportam os DU´s com os supracitados nºs de ordem, os gelados para consumo com o teor em matérias gordas, provenientes de leite, entre 3% e 7% não contendo cacau, foram tributados sem o pagamento de direitos (...), quando os mesmos estavam, e estão sujeitos, à taxa de 29,6% - Posição Pautal 21.050.091.000.900" (al. A) da especificação).

II - A A. interpõe recurso daquele acto tributário, tendo sido proferida sentença no 1º Juízo do Tribunal Fiscal Aduaneiro a julgar improcedente a citada impugnação contenciosa, e depois confirmada por Acórdão do Tribunal Tributário de 2ª Instância datado de 12 de Março de 1991 (al. B) da especificação).

III - A A. apresentou recurso da decisão do Tribunal Tributário de 2ª Instância para o STA, tendo sido proferido Acórdão em 18.12.1991, no qual foi negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida (al. C) da especificação).

IV - Na pauta de serviço de 1988, emitida pela Direcção-Geral das Alfândegas, na rubrica 21.050.091.000.900 constava a taxa 0 (resposta ao quesito 1).

V - Na folha de substituição constava na rubrica 21.050.091.000.900, para os gelados importados de Espanha, a taxa de 29,6% para o ano de 1988 (resposta ao quesito 2).

VI - A folha de substituição era datada de 25 de Fevereiro de 1988 (resposta ao quesito 3º).

VII - A A. submeteu a despacho na Delegação Aduaneira de Setúbal diversas partidas de gelados entre 2 de Março de 1988 e 25 de Março de 1988 (resposta ao quesito 5).

VIII - Essas partidas de gelados foram tributadas à taxa 0 (resposta ao quesito 6).

IX - Em 25 de Março de 1988 a A. já tinha introduzido esses gelados no circuito comercial (resposta ao quesito 7).

X - A A., quando procede à comercialização dos gelados imputa no preço final os custos decorrentes dos direitos aduaneiros que suporta (resposta ao quesito 9).

XI - Nos gelados que comercializou entre 2 de Março de 1988 e 25 de Março de 1988, a A. não imputou no preço final os respectivos direitos aduaneiros (resposta ao quesito 10).

XII - A A. procedeu ao pagamento de 11.711.050$00, correspondente aos direitos aduaneiros que não foram liquidados aquando da importação dos gelados (resposta ao quesito 11).

XIII - E fê-lo no prazo de 60 dias, após ter sido notificado através do ofício referido no ponto I) supra (resposta ao quesito 12).

XIV - A A. constituiu em 1988 uma fiança bancária a favor da Alfândega (resposta ao quesito 13).

XV - A A. não declarou nos respectivos DU´s os direitos e imposições devidos sobre os produtos que importava (resposta ao quesito 16).

XVI - Tal omissão por parte da A. conduziu à cobrança adicional dos direitos e imposições que não havia declarado (resposta ao quesito 17).

3 - O art. 22.º da C.R.P. estabelece que o «Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».

A...

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