Acórdão nº 01050/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução16 de Maio de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório ANTROP - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE PESADOS DE PASSAGEIROS; ..., LDA, ... & C. LDA; ..., SA e RODOVIÁRIA DE LISBOA, devidamente identificadas nos autos, interpuseram RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO da RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS, n.º 52/2003, de 27 de Março de 2003, na parte em que atribuiu à CARRIS - COMPANHIA CARRIS DE FERRO DE LISBOA SA e à STCP - SOCIEDADE DE TRANSPORTES COLECTIVOS DO PORTO SA, as indemnizações compensatórias no valor de € 40.916.478,00 e € 12.376.201,00, respectivamente.

Imputam à Resolução, na parte impugnada, a violação do art. 11º do Dec. Lei 372/93, de 29 de Outubro, a violação do Regulamento de Transportes em Automóvel, aprovado pelo Decreto n.º 37.272, de 31 de Dezembro de 1948, bem como a violação do art. 86º, 1 e 2 CE, do Regulamento 1191/69 e art. 73º CE.

Responderam a entidade recorrida e as recorridas particulares, pugnado pela rejeição do recurso por ineptidão da petição inicial, violação do art. 56º do Regulamento do STA, ilegitimidade das recorrentes e irrecorribilidade do acto. Defenderam, ainda, quanto ao mérito, que a Resolução em causa não continha qualquer vício.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de procederem as excepções da irrecorribilidade e ilegitimidade activa das recorrentes.

Por despacho do relator relegou-se para final o conhecimento das excepções.

Alegaram recorrentes e recorridos, tendo formulado as seguintes conclusões: Alegações das recorrentes: "(…)Excepções I. As Recorrentes indicaram expressa, especificada e repetidamente aquelas que consideram ser as disposições (mais) ostensiva e manifestamente violadas pelo acto recorrido, designadamente o artigo 11º do Decreto-lei nº 372/93, de 29 de Outubro, o Regulamento de Transporte em Automóvel, Decreto 37.272, O Regulamento Comunitário 1191/69 e 1107/70 e os arts. 87.º,1, 88.º e 89.º do Tratado da União Europeia, o que permite às Recorridas, bem como a este Tribunal, enquadrar e apreciar, sem margem para quaisquer dúvidas, a questão jurídica sub judice, pelo que a alegada ineptidão da pi deve ser julgada improcedente.

  1. As recorrentes instruíram a sua PI com cópia do acto recorrido, tal como objecto de publicação em Diário da República, dando, assim, pleno cumprimento ao disposto no art. 56.º do RSTA, designadamente de acordo com a (necessária) interpretação actualista deste preceito.

  2. A natureza jurídica e o substrato racional de uma Associação, implicam que esta faça seus os interesses dos seus Associados e que por eles norteie a sua actuação, assumindo como mau o que prejudica os direitos e interesses destes e como bom o que os beneficia. Além do mais, a Recorrente ANTROP foi expressamente mandatada pelas suas associadas para reagir contenciosamente contra a situação sub judice, intentando as acções judiciais tidas por convenientes (cfr. cópia da acta ora junta), razões pelas quais deve a mesma ser considerada parte legítima do presente pleito.

  3. As Recorrentes são concorrentes directas das Recorridas particulares, exercendo a mesma actividade comercial que estas e nas mesmas áreas geográficas em que as mesmas a exercem, tendo identificado e especificado expressamente quais as situações em que tal concorrência directa existe e em que se encontra afectada ou desvirtuada pelo acto recorrido, mormente, a das linhas interurbanas ou intermunicipais.

  4. A fixação de uma compensação pecuniária pode constituir, dependendo do seu montante, um factor de distorção da concorrência e, por isso, repercute-se directamente na esfera jurídica dos seus concorrentes directos, pelo que a arguida excepção de ilegitimidade das Recorrentes deve ser julgada improcedente.

  5. Ao fixar o montante da indemnização compensatória" atribuída às Recorridas particulares a Administração - embora com a finalidade de executar uma prestação contratual - exerce um poder autoritário, já que de um modo unilateral procede ao cálculo de efectivo custo de prestação, por parte da concessionária dos serviços públicos prestados, de acordo com os princípios nessa matéria fixados, definindo, pois, o modo de execução da prestação em causa no sentido da alínea b) do art. 180.º do CPA, e daí que o faça através de correspondentes actos administrativos. Não há pois, nesta matéria, quantificação por acordo, na fixação pela Administração nos termos da lei.

  6. O facto de um contrato prever expressamente a prática de certos actos por parte da Administração contraente não pode, por si só, determinar a natureza negocial dos mesmos. Pelo contrário, o critério para determinar a natureza jurídica dos actos de execução do contrato não pode assentar apenas nas cláusulas do contrato, sob pena de estar na disponibilidade das partes a definição do próprio conceito de acto administrativo." Designadamente, importa considerar outros critérios, tais como: (1) o do "carácter exorbitante do acto"; (2) o do exercício, ou não, de "poderes de autoridade consagrados no art. 180.º do CPA"; (3) o da fonte, também legal ou somente contratual, desses poderes; (4) o do potencial e efectivo reflexo das cláusulas contratuais nos direitos dos utentes e de outros terceiros.

  7. Considerando-se que os actos praticados pela Administração no âmbito da execução dos contratos por si celebrados são meras declarações negociais, a única forma de reagir contenciosamente contra os mesmos é através da acção sobre contratos prevista no art. 71.º da LPTA, cuja legitimidade activa é limitada às partes, de acordo com o art. 825.º do Código Administrativo. Sendo assim, os terceiros afectados não têm ao seu alcance nenhum meio processual para tutelar a sua posição jurídica.

  8. A Resolução de Conselhos de Ministros é um acto administrativo, impugnável autonomamente por terceiros - e pelo próprio co-contratante particular - em sede de recurso contencioso de anulação, nos termos do art. 9.º, n.º 3, do ETAF, sendo esta a única solução consentânea com o princípio da tutela judicial efectiva", razão pela qual a arguida excepção de irrecorribilidade do acto deverá ser julgada improcedente.

    Em matéria de facto X. Os Rct.es e as duas Rcd.ªs particulares CARRIS e STCP concorrem entre si na exploração de várias carreiras de transporte de passageiros fora das áreas do exclusivo de exploração das duas Rcd.ªs particulares.

  9. No exercício da sua actividade empresarial concorrencial, uns e outros estão sujeitos às mesmas normas de exploração e de sujeição a obrigações de serviço público de exploração, de transporte e de tarifas, previstas designadamente nos artigos 72º, 74º e 127º do Regulamento de Transporte em Automóveis.

  10. Enquanto as empresas particulares retiram dessa exploração os recursos advenientes da venda de títulos de transporte, com sujeição às obrigações tarifárias; XIII. As Rcd.ªs particulares, para além dessa receita, recebem do Estado todos os anos montantes avultados sob o nome de «indemnizações compensatórias», cuja variabilidade é suficiente para demonstrar que não obedecem a qualquer regra previamente definida de atribuição.

  11. As Rcd.ªs particulares obtêm ainda do Estado as chamadas «dotações de capital» que por vezes igualam ou excedem as indemnizações compensatórias e que lhes permitem regularmente passar a esponja sobre os seus prejuízos acumulados.

  12. Para além disso, o Estado avaliza-lhes a dívida bancária, o que lhes permite obter crédito que noutras condições não conseguiriam e a taxas de juro que não estão ao alcance das suas concorrentes.

  13. Os Rct.es desde há anos que se elevam contra estas práticas corrosivas e desvirtuadoras da concorrência, que os obrigam a explorar carreiras perdendo dinheiro e os sujeitam a uma concorrência desleal, mas sem qualquer sucesso.

  14. O acto impugnado é mais um de entre muitos que permitem às Rcd.ªs particulares manter a sua prática de concorrência desleal e expandir a sua rede em exploração.

  15. Como as próprias Rcd.ªs afirmam, "caso não houvesse indemnizações compensatórias, o serviço, tal como prestado não poderia ser assegurado" (V. 121º da contestação STCP).

  16. Ou seja, é o apoio financeiro que o Estado lhes assegura que lhes permite manter e até expandir a sua prática de concorrência desleal.

  17. Este apoio financeiro, no caso «sub judice» o expresso e constante do acto impugnado, deve ser qualificado como um auxílio de Estado que subverte as condições de concorrencialidade do mercado de transporte de passageiros pela via rodoviária.

    Em matéria de direito XXI. Desta forma o acto impugnado viola o artigo 1º do artigo 11º do Decreto-lei 372/93, de 29 de Outubro, na medida em que "restringe ou afecta de forma significativa a concorrência no todo ou em parte do mercado".

  18. A aplicação do nº 1 deste artigo 11º, não fica afastada pela regra prevista no artigo 41º, 2 do mesmo diploma, que apenas se refere no seu âmbito material de aplicação «no caso de serviços públicos... ao âmbito e vigência dos contratos de concessão» - ou seja, à área de exclusivo; e subjectivamente às empresas concessionadas pelo Estado, sendo que a STCP nem sequer dispõe de um contrato de concessão.

  19. As regras de concorrência e, designadamente, as previstas no nº 1 do artigo 11º, não podem deixar de se aplicar fora do âmbito e da vigência dos contratos de concessão, como ocorre no caso «sub judice».

  20. Em mercado concorrencial, terá de se considerar que há um auxílio de Estado sempre que as empresas beneficiárias de um auxílio não façam prova de que não beneficiam na realidade de uma vantagem financeira e que, portanto, «a referida intervenção não tenha por efeito colocar essas empresas numa posição concorrencial mais favorável em relação às empresas que lhes fazem concorrência» (Acórdão Altmark).

  21. A existência ou não da referida vantagem concorrencial deve ser aferida pela verificação de quatro condições (nº 89 do Acórdão Altmark), que referimos nos nºs 64, 65, 66 e 67 supra.

  22. As Rcd.ªs particulares não cumprem os requisitos de nenhuma destas quatro condições -...

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