Acórdão nº 03/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução12 de Julho de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO O SECRETÁRIO DE ESTADO DOS TRANSPORTES (SET) e a contra-interessada REDE FERROVIÁRIA NACIONAL REFER, EP (REFER) recorrem para o Pleno da 1ª Secção, do acórdão desta, que julgou procedente o presente recurso contencioso interposto por A…, com os sinais dos autos, do acto de declaração de utilidade pública para efeitos de expropriação, com carácter de urgência, constante do Despacho nº22.504/2001, de 11 de Setembro de 2001, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Novembro de 2001, praticado pelo SET, ora recorrente jurisdicional, por delegação de competência constante do Despacho nº7.437/2001 (2ª Série), de 10 de Abri e anulou-o, por vício de fundamentação, quer quanto à declaração de utilidade pública, quer quanto à atribuição de urgência.

Alegaram, formulando as seguintes CONCLUSÕES: Do SET: 1. O acto contenciosamente anulado pelo acórdão recorrido e que consubstancia uma declaração de utilidade pública corresponde ao resultado final de um processo que contou, ao longo do mesmo, com a intervenção e participação dos interessados.

  1. Tal declaração de utilidade pública pode considerar-se um "acto de massa", como muito bem é definido na declaração de voto de vencido no acórdão sub judice, pelo que não se pode exigir uma fundamentação muito desenvolvida e pormenorizada, pois que, de contrário, poder-se-á estar a contribuir para a paralisia da actividade da Administração.

  2. Como também aí se conclui, a fundamentação não necessita de ser uma exaustiva descrição de todas as razões que estiveram na base da decisão, bastando que se traduza numa "sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito".

  3. No caso dos autos, a indicação de que a finalidade da expropriação era o prosseguimento do projecto da linha de Guimarães e a reconversão em via larga do troço Lordelo-Guimarães e a remodelação de estações e apeadeiros é suficientemente abrangente para integrar a obra parcelar que concretamente motivou a expropriação das suas parcelas entre centenas de outras.

  4. Citando a jurisprudência dominante do STA que tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que só é suficiente quando permite a um destinatário normal conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, considerou-se no douto acórdão recorrido que in casu estar-se-ia perante um regime legal especial em matéria de fundamentação (artº10º, nº1, a) do Código das Expropriações de 1999), em que era "perfeitamente clara a razão genérica por que foi decidida a expropriação".

  5. Conclui-se, à sombra do mesmo entendimento jurisprudencial, que "no que concerne às parcelas da recorrente, não se concretizam as razões da declaração de utilidade pública, não se indicando, designadamente, se elas visam a referida reconversão em via larga ou a remodelação de qualquer estações e apeadeiros e qual". Ora, 7. Tal conclusão, retirada ao arrepio de tal corrente jurisprudencial, consubstancia erro de direito, na medida em que ignora precisamente o tipo legal e as circunstâncias do acto, omitindo a existência de um processo prévio, no qual participaram e intervieram os interessados, nomeadamente o recorrente.

  6. Decidiu-se no mesmo acórdão e bem, dar-se como provado que, pelo menos em 22 de Setembro de 2000, foram prestados esclarecimentos à recorrente sobre "o projecto de remodelação do troço de Lordelo-Guimarães - reconversão da passagem e nível ao Km 47+ 883", nomeadamente sobre o traçado do restabelecimento de acesso à passagem rodoviária para supressão da passagem de nível ao Km 47+883".

  7. Se assim se decidiu, não se poderia concluir, como se concluiu, que a fundamentação era insuficiente e que a recorrente não conseguiu aperceber-se da finalidade da expropriação das suas parcelas de terreno, pelo que incorreu o douto acórdão recorrido em contradição entre os pressupostos de facto e a conclusão de direito que se subsume a erro de direito.

  8. Aliás, e ainda que por hipótese não tivesse sido levado ao conhecimento do recorrente a finalidade da expropriação naquele preciso local, a especificação de tais elementos estava longe de ser essencial, ou sequer indispensável, pois as indicações constantes no acto eram suficientes para permitir que a recorrente o pudesse esclarecidamente impugnar (vde declaração de voto de vencido). Daí que se entenda que não houve erro de julgamento.

  9. Também e ao invés do que foi decidido no acórdão recorrido, está devidamente fundamentada a urgência da expropriação, porquanto urgia dar início aos trabalhos de um processo de reconversão da linha férrea, originado anos antes, e que só a posse administrativa dos terrenos permitiria por em execução.

  10. Urgência que, aliás, decorre directamente da lei, nos termos do citado DL 568/99, pelo que, ao decidir como decidiu, incorreu o acórdão recorrido em erro de julgamento e violação de lei.

    *Da REFER: 1. A declaração de utilidade pública é o resultado final de um longo processo em que foram praticados diversos actos preparatórios, que contaram com a intervenção e participação dos proprietários das parcelas e demais interessados conhecidos.

  11. A referida declaração estende-se por 43 páginas do Diário da República, sendo impossível conter uma informação muito desenvolvida e pormenorizada.

  12. Por isso a fundamentação do acto administrativo encontra-se não só na "resolução da expropriação" e no despacho de declaração de utilidade pública, como também em todo o processo anterior à declaração desta.

  13. Todavia, o douto acórdão recorrido ignora a existência do processo preliminar em que intervieram e participaram os proprietários das parcelas e demais interessados, o que consubstancia erro de direito.

  14. Dado que a declaração de utilidade pública contemplava mais de trezentas parcelas e face à necessidade da exposição sucinta de motivos e à impossibilidade da definição da situação de cada caso, todos, incluindo o da recorrente, se encontram abrangidos pela razão genérica das expropriações e pela "resolução de expropriação", onde se insere expressamente "eliminando estrangulamentos", que significa a supressão de passagens de nível.

  15. A fundamentação não precisa de ser uma descrição pormenorizada de todas as razões do acto, já que a parcela expropriada pode ser usada em diversas finalidades, desde que as mesmas não se desviem da razão que determinou a expropriação.

  16. Assim, ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento.

  17. Face à dimensão e complexidade da empreitada em causa, em que se constata por vezes a necessidade de efectuar, no local, por razões técnicas, alteração ao previamente estabelecido, embora dentro da finalidade que consta da declaração de utilidade pública, uma fundamentação muito pormenorizada poderia levar a uma dificuldade acrescida na realização das obras públicas.

  18. Contudo, o douto acórdão recorrido deu como provado que a expropriada conhecia o concreto destino da expropriação das suas parcelas, pois interveio na discussão dos projectos, propôs alterações e recebeu esclarecimentos da REFER EP, tendo-lhe sido dado a conhecer o traçado da via e transmitido que as parcelas se destinavam ao restabelecimento de acesso à passagem inferior rodoviária, para supressão da passagem de nível ao Km 47+883.

  19. Por isso, o douto acórdão recorrido incorre em contradição entre os pressupostos de facto e a conclusão de direito, o que consubstancia erro de direito.

  20. A urgência encontra-se devidamente fundamentada pelo facto de se conhecer que os terrenos se destinavam à modernização e reconversão de uma linha férrea, o que permitiria uma maior satisfação na procura do transporte ferroviário, numa região densamente povoada onde esse meio de transporte é fundamental.

  21. A execução da reconversão em via larga e electrificação do troço Lordelo-Guimarães, da linha de Guimarães iria suprimir 41 passagens de nível existentes no referido troço, substituindo-as por novos acessos desnivelados e iria aumentar a capacidade da rede e a flexibilidade da exploração, permitindo a produção de mais comboios, a redução dos tempos de percurso e a melhoria da regularidade e da segurança das circulações.

  22. Essa urgência resulta directamente do nº 1 do artº4º do DL 568/99, de 23.12 que, com vista à supressão de passagens de nível, determina que os projectos devem incluir em anexo o processo de declaração de utilidade com carácter de urgência da expropriação dos imóveis e direitos a eles inerentes.

  23. Deste modo, porque está devidamente fundamentada a urgência da expropriação, que decorre directamente da lei, o acórdão recorrido ao decidir, como decidiu, incorreu em erro de julgamento e violação de lei.

    *Nas contra-alegações, a recorrente contenciosa apenas se pronunciou sobre o recurso interposto pela REFER, concluindo pela sua improcedência.

    O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento dos recursos.

    Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

    *II- OS FACTOS O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

    1. Pelo Despacho nº22504/2001, de 11 de Setembro de 2001, publicado no Diário da República, II Série, nº258, de 7 de Novembro de 2001, proferido pelo Senhor Secretário de Estado Adjunto e dos Transportes, por delegação de competência constante do despacho nº7437/2001 (2ª Série) de 10 de Abril, foi declarada a utilidade pública para efeitos de expropriação, com carácter de urgência, de várias parcelas de terreno.

    2. Esse despacho tem o seguinte teor: «Despacho nº22.504/2001 (2ª Série)- Com vista ao prosseguimento do projecto de modernização da linha de Guimarães, mostra-se necessário dar início à empreitada de reconversão em linha larga do troço Lordelo- Guimarães, na qual se inclui a remodelação das Estações de Vizela e de Guimarães, bem como os apeadeiros de Cuca...

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