Acórdão nº 01027/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução31 de Outubro de 2006
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório A…, devidamente identificada nos autos intentou a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO e o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, pedindo: a) que seja declarado nulo ou, se assim não se entender, ser anulado o acto que aplicou à autora a pena de aposentação compulsiva; b) ser o Ministério da Justiça condenado à prática de todos os actos e operações materiais que se mostrem necessários á reconstituição da situação actual hipotética que existiria se a autora não tivesse sido aposentada compulsivamente; c) devendo ainda o Ministério da Justiça dar cumprimento aos deveres de colocar a autora no lugar que a mesma previsivelmente ocuparia, bem como ser-lhe contado todo o tempo de serviço decorrido desde 24/10/2002 e ser a sua remuneração actualizada, em consequência da declaração de nulidade da pena de aposentação compulsiva, com todas as consequências legais.

Os fundamentos da sua pretensão sintetizados nas conclusões das suas alegações finais são os seguintes: 1- As normas do DL n.º 376/87, de 11 de Dezembro, na redacção introduzida pelo DL n.º 343/99, de 26 de Agosto que estabeleciam a competência do Conselho dos Oficiais de Justiça para apreciar o mérito profissional e exercer o poder disciplinar relativamente aos oficiais de justiça foram declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral pelo Ac. do Tribunal Constitucional n.º 73/2002 publicado no DR I Série, de 16/3/2002.

2- Assim, o recurso hierárquico para o Conselho Superior do Ministério Público foi interposto ao abrigo do art. 118.º, n.º 2, do DL n.º 343/99, na redacção introduzida pelo DL n.º 96/2002, de 12 de Abril, que atribui competência ao CSMP para conhecer das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça, relativas ao exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça.

3- Ora, de acordo com o estatuído no art. 218.º, n.º 3 da Constituição: "A lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça".

4- Omitindo, pois, o legislador constituinte qualquer referência ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça adstritos ao Ministério Público e aos Tribunais Administrativos e Fiscais, sendo que esta norma deve ser interpretada não apenas como relativa à composição do Conselho Superior da Magistratura, mas como norma impeditiva da atribuição das competências nela referidas, a órgãos diverso deste Conselho.

5- Assim, do supra citado normativo constitucional, teremos, forçosamente, de inferir que, o único órgão que poderá exercer o poder disciplinar sobre um funcionário de justiça é o Conselho Superior da Magistratura, em virtude de, só este Conselho, poder exercer aquela competência, com exclusão do Conselho Superior do Ministério Público e do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais - veja-se, a este propósito, o que já tinha decidido o Ac. do TC n.º 145/2000.

6- Donde o art. 118.º, n.º 2 do DL n.º 96/2002, de 12 de Abril ao dispor que cabe recurso das deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça, consoante os casos, para o Conselho Superior do Ministério Público ou para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais é, materialmente inconstitucional, por violação do art. 218.º, n.º 3 da CRP.

7- De igual modo, facilmente se constata que a posição que vimos de defender, mereceu acolhimento no Ac. do Tribunal Constitucional que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas do DL n.º 343/99, de 26 de Agosto, que atribuíam ao COJ a competência para apreciar o mérito profissional e exercer a função disciplinar sobre os funcionários de justiça, porquanto nele se pode ler que o art. 218.º, n.º 3 da CRP é, efectivamente, o parâmetro de aferição de constitucionalidade das normas infra-constitucionais que criam o Conselho dos Oficiais de Justiça e fixam a respectiva competência, nele se referindo num dos seus segmentos que do art. 218.º, n.º 3, "decorre indiscutivelmente a competência do Conselho Superior da Magistratura em matérias relacionadas com a apreciação do mérito profissional e com o exercício da função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça".

8 - Estando, pois, excluída a competência, quer do Conselho Superior do Ministério Público, quer do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais ou do Conselho dos Oficiais de Justiça para exercerem o poder disciplinar sobre os funcionários de justiça.

9- Por outro lado, o DL n.º 96/2002, não retirou competência ao Conselho dos Oficiais de Justiça para exercer a função disciplinar sobre os funcionários de justiça, passando, sim, a caber recurso necessário das suas decisões para o CSMP, pelo que, o acto é nulo, em virtude de ter sido praticado à sombra de um outro acto que foi, e bem, declarado nulo pelo próprio Conselho dos Oficiais de Justiça.

10- Como é consabido, tendo em conta o preceituado no art. 204.º da CRP, nos feitos submetidos a julgamento, não podem os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios constitucionais.

11- Deste modo, não detendo o CSMP atribuições, por força do disposto na Constituição, o acto que aplicou à A. a pena de aposentação compulsiva, padece do vício de violação de lei, por erro de direito e por falta de atribuições, gerador da sua nulidade.

12- Na sequência da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas do DL n.º 343/99, de 26 de Agosto que atribuíam ao COJ a competência para apreciar o mérito disciplinar e exercer o poder disciplinar sobre os funcionários de justiça, aquele Conselho, decidiu, declarar nulo o 1.º acórdão datado de 7/05/2001 na pendência judicial do recurso contencioso de anulação, proferindo nova decisão de idêntico conteúdo, já na vigência do DL n.º 96/2002.

13- Ainda na sequência da declaração de nulidade da 1.ª deliberação punitiva, veio a Direcção Geral da Administração da Justiça, notificar a A. para que esta se pronunciasse sobre a informação relativa à reconstituição da sua situação jurídica, nomeadamente para contagem de tempo de serviço desde 7/05/2001até 24/10/2002 data em que foi notificada da 2.ª decisão punitiva da qual recorreu hierarquicamente para o CSMP, bem como da actualização da sua pensão de aposentação.

14- Com efeito, a Administração deve actuar em conformidade ao princípio da legalidade, com base no qual, a Administração deve obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e de acordo com os fins para que os mesmos lhe foram conferidos, verificando-se, deste modo, que o COJ ao "renovar" o acto que aplicou à A. a pena de aposentação compulsiva fez uma aplicação retroactiva do DL n.º 96/2002, de 12 de Abril.

15 - Deste modo, sendo o acto declarado nulo, jamais o mesmo poderá produzir quaisquer efeitos na ordem jurídica, tudo se passando, pois, como se o mesmo nunca tivesse sido proferido, sendo que no caso vertente, a nulidade não é passível de sanação, produzindo efeitos ex tunc, que retroagem à data da prática do acto, afectando-o na sua totalidade, incluindo, naturalmente, todos os actos instrutórios praticados à sua sombra e que culminaram na decisão punitiva de que ora se recorre.

16- Isto é, a decisão ora impugnada fez tábua rasa do princípio tempus regit actum, que manda aferir da legitimidade do acto administrativo pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação.

17- O COJ decidiu, conforme lhe é legalmente imposto pelo art. 134.º do CPA, declarar nula a sua própria decisão, mas parece ter-se "esquecido" que a mesma decisão teve como fundamento uma inspecção e a consequente instrução e acusação levadas a cabo nos anos de 1997 e 1998, ou seja ainda na vigência da lei que foi declarada inconstitucional.

18- Com efeito, sendo um acto declarado nulo, em virtude de uma norma ter sido declarada inconstitucional, a nulidade afecta essas normas desde a sua entrada em vigor, tornando-se igualmente inválidos não só os efeitos directamente produzidos por ela, mas também os actos jurídicos praticados ao seu abrigo.

19- O acto é, assim, nulo, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral implica a nulidade ipso jure da mesma norma, com efeitos ex tunc, ou seja desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, nos termos do art. 282.º, n.º 1 da Constituição.

20- E nem se diga, contra o que se vem de dizer que o acto impugnado foi praticado na vigência da nova redacção dada ao normativo legal de que se trata, posto que sendo esta nulidade subsumível ao disposto no art. 133.º, n.º 2, al. b) do CPA, o acto punitivo tem como suporte um acto declarado nulo pelo COJ, sendo que este praticou um acto estranho à sua esfera de atribuições, logo, também por aqui, o acto que aplicou à A. a pena de aposentação compulsiva é nulo, enquanto tem como pressuposto um outro acto já declarado nulo - um acto nulo não constitui, modifica ou extingue qualquer relação jurídica.

21- Nesta conformidade, constitui jurisprudência pacífica e constante do STA aquela que defende que um acto que seja praticado fora das atribuições, encontra-se ferido de vício de incompetência absoluta, circunstância que gera a nulidade do acto - cfr. entre outros, o Ac. do STA de 6/7/78, in AD 203, 1.288.

22- A autora está acusada, nos presentes autos, no seguimento de uma inspecção ordinária aos Serviços do Ministério Público de … durante os anos de 1997 e 1998, da prática de actos que, supostamente, constituem ilícitos disciplinares que, ocorreram nos anos de 1996, 1997 e 1998, assim sendo, já decorreram mais de três anos sobra a prática das alegadas infracções disciplinares, pelo que, o procedimento disciplinar instaurado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT