Acórdão nº 0970/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Abril de 2007

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução19 de Abril de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

"A..., L.da", ... e ... interpuseram, no TAC de Coimbra, recurso contencioso pedindo a declaração de nulidade da deliberação do CONSELHO SUPERIOR DA ORDEM DOS ADVOGADOS, de 7/02/2003, que, em sede de recurso hierárquico, confirmou a deliberação do Conselho Distrital de Évora que ordenou o encerramento do estabelecimento sito na ..., em Ponte de Sôr, pertencente à primeira Recorrente da qual a recorrente ... é sócia gerente e a recorrente ... empregada.

Para tanto imputa-lhe os vícios de violação [1] dos art.ºs 53.º, n.º 1 e 56.º, nº 1, ambos dos Estatutos da Ordem dos Advogados, [2] dos art.ºs 36º e 39º do Código de Registo Predial e [3] de violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, justiça e imparcialidade (art.ºs 5º e 6º, ambos do CPA).

Tal recurso mereceu provimento pelo que a deliberação impugnada foi anulada.

Inconformado o Conselho Superior da Ordem dos Advogados recorreu para este Tribunal tendo formulado as seguintes conclusões: a) Ao contrário do entendimento perfilhado pelo MM Juiz a quo, entende o ora recorrente que os factos dados como provados no processo de averiguações instaurado e imputados às recorrentes configuram o exercício de procuradoria ilícita, proibido pelos artigos 53.º e 56.º do E.O.A. (em vigor à data dos factos).

b) A jurisprudência da Ordem dos Advogados tem definido o conceito de "actos próprios da profissão de advogado" como "todo e qualquer acto relacionado com os direitos e deveres estabelecidos na Lei".

c) O papel do advogado não se esgota na sua intervenção processual, assumindo igual relevância as funções que desempenha no recato do seu escritório quando aconselha, informa, redige contratos e concilia as partes.

d) O exercício dos ditos actos próprios de advogados encontra-se reservado por lei aos advogados (cfr. artigos 53° e 56° do E.O.A. em vigor à data dos factos).

e) Através da consagração de tais disposições legais o legislador procurou (i) garantir a integridade do sistema oficial de provimento em profissões de especial interesse público, garantindo-se a seriedade dos serviços que são prestados; (ii) salvaguardar o direito que assiste a qualquer cidadão de poder contar com um corpo profissional devidamente qualificado e habilitado, sujeito a regras éticas e deontológicas e responsável perante a Ordem dos Advogados e (iii) afirmar e defender a garantia da dignidade da Advocacia e lutar contra a concorrência desleal.

f) Tendo em consideração este enquadramento jurídico, parece indubitável que as recorrentes praticaram actos próprios da profissão de advogado. Assim: g) As aqui recorridas não eram advogadas e mantinham abertos e em funcionamento dois escritórios onde eram prestados determinados serviços, pelos quais era cobrado um preço.

h) As aqui recorridas praticavam actos próprios de advogados já que procediam à marcação e preparação dos documentos referentes a escrituras de compra e venda; doação; habilitação de herdeiros e justificação notarial; à apresentação de actos de registo predial; ao pagamento de SISA e à elaboração de contratos de promessa.

i) Quanto à marcação e preparação dos documentos referentes a escrituras de compra e venda; doação; habilitação de herdeiros e justificação notarial, refira-se que o exercício de tal actividade pressupõe necessariamente o domínio de conhecimentos de Direito, nomeadamente ao nível da verificação de pressupostos, de declaração de vontade e de prazos, para os quais apenas os advogados/solicitadores estão aptos.

j) Quanto à apresentação de actos de registo predial, esta não é uma actividade meramente administrativa, antes pressupondo o conhecimento das regras registrais, ramo do direito específico, cujo exercício amadorístico pode trazer sérios e graves complicações ao cidadão, podendo conduzir, nomeadamente à provisoriedade do registo.

k) Quanto ao pagamento de SISA, não se trata apenas de uma deslocação à Repartição de Finanças com vista ao pagamento de determinado valor, mas antes da prática de um dever que emerge da lei fiscal.

l) Finalmente, também a elaboração de contratos promessas de compra e venda de imóveis, ainda que recorrendo a minuta, pressupõe uma invasão ilícita da esfera de competência atribuída por lei aos advogados.

m) A ser admitido entendimento contrário, estaria certamente encontrado o caminho para tornar a actuação do advogado dispensável sempre que existissem "minutas" susceptíveis de, em abstracto, regular determinada situação jurídica (e existem variadíssimas minutas à venda nas papelarias).

n) Ainda que recorrendo a uma minuta pré-definida, a verdade é que, também nesse caso, se procura organizar a convenção das vontades tendentes ao negócio definitivo, o que implica certamente a definição de uma complexa teia de direitos e deveres dos Contraentes.

o) Recorrer a uma minuta com vista à regulação de uma determinada relação jurídica pressupõe, desde logo, a detenção de conhecimentos jurídicos que permitam escolher aquela que mais se adequa aos interesses das partes e ao objecto do 11egócio e, ainda, perspectivar quais as consequências futuras que poderão decorrer para as partes em caso de incumprimento.

p) Mas mais. Para além de saber preencher os espaços em branco constantes das minutas é, ainda, necessário perceber/entender os direitos e deveres que assistem a cada uma das partes, para depois poder informar o consumidor dos mesmos. Tais informações apenas poderão, logicamente, ser prestadas pelo advogado, pois somente este possui os conhecimentos técnico-científicos necessários.

q) A conclusão de que as aqui Recorridas praticaram actos próprios de advogado, não é seguramente infirmada pelo facto de ter sido proferido despacho de não pronúncia no âmbito do processo crime movido contra as aqui recorridas.

r) Por tudo quanto se deixou supra exposto, resulta evidente que as aqui recorridas praticaram actos da exclusiva competência dos advogados, violando a douta sentença posta em crise o disposto nos artigos 53° e 56.º do anterior E.O.A.

As Recorrentes contenciosas contra alegaram para defender a manutenção do julgado, tendo concluído do seguinte modo: 1. As recorrentes não praticaram actos da exclusiva competência de advogados ou solicitadores.

  1. Não se mostram violados, pela douta decisão em crise, quaisquer preceitos e, designadamente, os dos art.°s 53° e 56° do anterior EOA.

  2. Não foi provado que as recorrentes tivessem prestado de forma regular e remunerada qualquer actividade de procuradoria ou consulta jurídica, pelo que nem sequer se mostraram preenchidos os requisitos impostos pelo referido art.º 56°.

    O Ilustre Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso por entender que a requisição e levantamento de certidões de registo e marcado escrituras não traduz, por si só, o exercício ilegal da advocacia pois "nenhuma dúvida há que qualquer interessado pode requerer e levantar certidões de registo e marcar escrituras, sem que a lei atribua, a essas actividades, a natureza de actos próprios dos advogados e solicitadores", e que o facto de tais actos pressuporem o conhecimento das regras registrais "não permite concluir que esses actos, apenas, sejam da competência exclusiva dos advogados e solicitadores, sendo, antes, actos que, também, podem praticar." Quanto à elaboração de...

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