Acórdão nº 046946 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelROSENDO JOSÉ
Data da Resolução29 de Maio de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

I - Relatório: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA: A..., interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação das decisões do Sr. Vereador do Planeamento e Desenvolvimento da Câmara Municipal do Barreiro que aprovaram o licenciamento da construção de um prédio na Rua ..., nessa cidade, e os projectos com ele relacionados, invocando a sua ilegalidade decorrente de vícios de violação de lei e de forma.

Por sentença daquele Tribunal foi concedido provimento ao recurso e, consequentemente, anulados os actos impugnados o que originou a interposição de agravo para este Supremo Tribunal, com sucesso, já que, pelo Acórdão da Secção de 24/02/2003, foi-lhe concedido provimento e revogada a decisão recorrida.

Recorreu, então, para o Tribunal Pleno com fundamento na oposição de julgados a qual, tendo sido reconhecida, motivou o prosseguimento do recurso.

A recorrente apresentou, então, a alegação a que se reporta o art. 767º, n.º 2 do CPC, formulando as seguintes conclusões: "1. A interpretação sufragada pelo acórdão fundamento, de acordo com a qual o artigo 58º do RGEU visa assegurar e salvaguardar as condições de arejamento, iluminação natural e exposição solar, não só das construções a erigir, mas também, das construções vizinhas pré-existentes, é a interpretação que deve ser acolhida, pois não se cingindo à letra da lei e tendo nela correspondência verbal, é a que melhor reconstitui o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cfr. art. 7º do Código Civil).

2. Na fixação do sentido e alcance do disposto no art. 58º do RGEU, aprovado pelo Decreto - Lei n.º 38382, de 7 de Agosto de 1951, não pode o intérprete deixar de levar em conta os demais preceitos da codificação coerente e sistematizada em que o mesmo se integra, nem ignorar que a citada norma e o Regulamento geral em que a mesma se insere, aprovados à mais de 50 anos, são parte do actual ordenamento jurídico do urbanismo e do ambiente português.

3. A ratio legis subjacente ao RGEU relaciona-se com a promoção da ideia de que cada habitação deve ser encarada como uma mera parte de um todo, em que se terá de integrar harmoniosamente, valorizando-o, e evitar que os edifícios se aproximem tanto que a qualidade urbana seja prejudicada no seu conjunto, tendo em vista assegurar a qualidade de vida às populações e garantir o direito a um ambiente urbano e sadio e um urbanismo ecologicamente equilibrado, o que aponta decisivamente no sentido de que o artigo 58º do RGEU visa tutelar as condições de arejamento, luminosidade e exposição solar tanto dos edifícios a construir como de edificações vizinhas.

4. A interpretação do artigo 58º do RGEU no sentido de que o aí prescrito a respeito das condições de salubridade só é aplicável às construções a erigir ou reconstruir e já não ás construções vizinhas eventualmente afectadas com a construção, é contrária à ratio legis da norma e de todo o capítulo em que a mesma norma se insere, fazendo perigar os valores que o legislador procurou tutelar com este conjunto de disposições agrupadas sob a epígrafe "Da edificação em conjunto".

5. A interpretação de que o artigo 58º do RGEU só seria aplicável às edificações a construir ou reconstruir é contrária às intenções do legislador expressas no Preâmbulo e nas demais disposições desse diploma, para além de conduzir a um tratamento desigual e a um recuo das condições gerais de arejamento, luminosidade e exposição solar das edificações pré-existentes, às quais é negado o direito a um ambiente sadio e equilibrado e à conservação das respectivas condições de habitabilidade.

6. Mesmo na situação de excepção prevista no art. 62º do RGEU em que se admite que nos prédios de gaveto se possam dispensar as condições de largura e profundidade mínimas, exige-se ainda assim que "fiquem satisfatoriamente asseguradas a iluminação, ventilação e insolação da própria edificação e das contíguas - cfr. Art. 62º do RGEU, integrado no mesmo Capítulo II em que se insere o artigo 58º (Da edificação em conjunto).

7. Na fixação do sentido e alcance da lei, deve o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. Art. 9º/3 do Cód. Civil), sendo certo que a tese sufragada no acórdão recorrido conduziria a ter de admitir que as condições mínimas de arejamento, luminosidade e exposição solar salvaguardadas no edifício a construir poderiam de imediato ser postas em causa com a construção de um prédio vizinho e a ele contíguo, podendo igualmente resultar na adopção de diferentes soluções para a mesma situação de construção de dois edifícios contíguos, consoante a construção dos mesmos se processasse de em simultâneo ou diferidamente.

8. O Projecto do Novo RGEU contém norma legal equivalente ao actual artigo 58º do RGEU, onde se consagra de forma clara e expressa - em norma interpretativa - que "a construção de novas codificações, ou qualquer intervenção em edificações existentes, deve executar-se de modo a que fiquem asseguradas a ventilação, a iluminação natural, a exposição solar do edifício e dos espaços livres contíguos, públicos e privados, bem como das edificações vizinhas" cfr. artigo 16º do projecto do novo RGEU, sob a epígrafe "exigências gerais para as edificações"), ou seja, a mesma solução é expressa no Acórdão fundamento e pela qual pugna a ora recorrente no presente recurso.

9. A solução jurídica ditada no acórdão fundamento - e que a ora recorrente sufraga no presente recurso - vem igualmente sendo acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Por todos, o Ac. Do STJ, de 13.11.1997, no Proc. n.º 98ª235, in www.dgsi.pt), facto que não pode deixar de ser levado em linha de conta, tendo presente a necessidade de evitar casos julgados contraditórios - ainda que de tribunais distintos - e assegurar a certeza do direito e a igualdade dos cidadãos perante a lei.

10. As normas do RGEU relativas às condições de segurança e salubridade das edificações, de entre as quais o disposto no seu artigo 58º, devem ser interpretadas conjugada e actualisticamente, atendendo à actual consagração constitucional do direito ao ambiente, na sua vertente de salvaguarda da qualidade ambiental das populações e da vida urbana, e na sua consideração como um direito fundamental de natureza análoga na acepção do artigo 17º da CRP.

11. O disposto no artigo 58º do RGEU tem de ser interpretado à luz e em conformidade com o direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e equilibrado (cfr, art. 66º da CRP) e em conjugação com as disposições da lei de bases do Ambiente que concretizam tal direito fundamental de natureza análoga, em especial o disposto no art. 9º da Lei 11/97, de 7 de Abril segundo o qual todos têm direito a um nível de luminosidade conveniente à sua saúde, bem estar", determinando o condicionamento do volume dos edifícios a construir que prejudiquem a qualidade de vida dos cidadãos e da vegetação pelo ensombramento, dos espaços públicos e privados - cfr. Recomendação do provedor de Justiça n.º 130/A/95 - Proc. R. 1342/92, in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 8, 1997, pág. 213): 12. A solução jurídica ditada no acórdão fundamento - e que a ora recorrente sufraga no presente recurso - é a única conforme com a Constituição e com as disposições da Lei de Bases do Ambiente, pois numa leitura conforme com a Constituição e com o diploma fundamental, o disposto no artigo 58º do RGEU visa, não só assegurar condições de arejamento, luminosidade e exposição solar nas edificações a construir, assim como também assegurar a manutenção de iguais condições nas edificações vizinhas.

13. O conflito de jurisprudência identificado nos autos entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento acerca da mesma questão essencial, deverá ser resolvido no sentido expresso por este último aresto, decidindo-se no sentido de que o artigo 58º do RGEU visa assegurar condições de arejamento, iluminação natural e exposição solar nos edifícios a construir e também se destina a preservar essas mesmas condições relativamente às edificações existentes.

Não foram apresentadas contra alegações.

O Magistrado do MP emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

I I - A MATÉRIA DE FACTO A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: 1. Por escritura pública de 25.06.1991, pela recorrente e seu marido foi declarado aceitar a venda que lhe era feita por ... e mulher, do prédio urbano sito na Rua Dr. ..., n.º ..., Barreiro, inscrito na matriz sob o art. 3467 - doc. de fls 48 e ss; 2. Quer o rés-do chão, quer o 1º andar de tal prédio destinam-se a habitação, sendo o r/c a casa de habitação da recorrente; 3. Nas traseiras de tal prédio existem vãos de compartimentos para habitação; 4. Em 13.07.1992, a recorrida particular apresentou na CMB um requerimento para apreciação de projecto de arquitectura de um edifício sito na Av.ª ..., n.ºs ..., ... e ..., para substituição de um outro projecto de arquitectura já apresentado e a que coubera o processo n.º CTI70/92, juntando elementos 32-A1, 32-A2 e 32-C, da dita freguesia e município do Barreiro - (proc. instrutor n.º .../92, vol. I); 5. A referida parcela de terreno tem frente para a Av.ª ..., n.ºs 32, 32-A1, 32-A2, e 32-C, estendendo-se para as traseiras do prédio da recorrente; 6. Por despacho de 08.10.1992, o recorrido relativamente ao projecto de arquitectura disse que : " … o projecto de arquitectura apresentado através do requerimento n.º 3754 de 13.07.92, está genericamente em condições de ser aprovado. //No entanto deverá ainda ter em consideração os seguintes aspectos: (…) ", descrevendo 9 pontos a propósito, e que deveria apresentar alguns documentos - tipo- doc. 1 a fls. 6/7 e citado processo instrutor, o que foi notificado a 26.10.92 not.982.; 7...

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