Acórdão nº 0123/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução03 de Julho de 2007
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I Relatório O Secretário de Estado da Administração Interna (AR) vem recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA), de 11.10.06, que concedeu provimento ao recurso contencioso ali instaurado por A…, B…, e C…, dirigido ao seu despacho de 8 de AGOSTO de 2002, de indeferimento do pedido de integração na Direcção-Geral de Viação ao abrigo do Dec. Lei nº 81-A/96, de 21 de Junho.

Rematou a alegação formulando as seguintes conclusões: "1.ª - Como se vê dos diplomas em que o Recorrente funda a sua pretensão - Decretos-Leis nºs 81-A/96, de Junho e 195/97, de 31 de Julho -, o procedimento de regularização de pessoal regulado pelos citados diplomas legais tem como pressuposto essencial, entre outros, o reconhecimento, efectuado pelo dirigente máximo do serviço, de que o contratado desempenhasse, no respeito pelo demais condicionalismo ali fixado, funções correspondentes a necessidades permanentes dos serviços (maxime art.-1° do Dec-Lei n° 195/97); Ora, 2.ª- A questão de saber, para os efeitos previstos no conjunto de normas estabelecido pelos mencionados Decretos-Leis n.ºs 81-A/96 e 195/97, se o serviço produzido por um determinado prestador corresponde a "(...) funções correspondentes a necessidades permanentes dos serviços" - maxime art. 1° do DL n° 195/97, citado - integra, inquestionavelmente, a margem de livre decisão da Administração; e tal, porquanto, há-de reconhecer-se que, em tal domínio, aquela goza de liberdade na apreciação de uma situação de facto que diz respeito aos pressupostos da sua decisão (vd., sobre esta questão, na generalidade, por todos, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e Dr. André Salgado de Matos, «Direito Administrativo Geral», Tomo I, Dom Quixote, 1.ª ed., 2004, pág. 183 e s.s.); 3ª- Neste particular contexto, a avaliação feita pelo Senhor Director-Geral de Viação - ao acolher a Informação n° 97/02-GJC, referenciado no processo -, no sentido de que as funções desempenhadas pelos Requerentes, em execução dos contratos que haviam celebrado com aquela Direcção-Geral, não correspondiam a necessidades permanentes do aludido Serviço, deve entender-se integrar, por isso, valoração própria e exclusiva do exercício da função administrativa e, como tal, afastada, em homenagem ao princípio da separação de poderes - art. 111°. n° 1, da C.R.P. -, da esfera de competência dos Tribunais, nomeadamente dos Tribunais Administrativos; 4.ª- Ao assim não entender, e, ao invés, ao considerar que a actividade dos Recorrentes - bem como os demais juristas "avençados" pela DGV - se "(...) destinava efectivamente a satisfazer necessidades permanentes dos serviços distritais da DGV", para, com base em tal julgamento, anular o acto administrativo impugnado, o Douto Acórdão impugnado invadiu a esfera de competência própria e exclusiva da Administração, desrespeitando a margem de livre decisão de que esta goza, pelo que se encontra inquinado do vício de usurpação de poder administrativo, resultante da violação do princípio da separação de poderes (art. 111°, n° 1, da C.R.P.); Pelo que antecede, 5.ª- Ao considerar que os Requerentes desempenhavam, em execução dos contratos celebrados com a Direcção-Geral de Viação, funções que correspondiam a necessidades permanentes daquele Serviço - situação que corresponde a valoração própria e exclusiva do exercício da função administrativa -, o Douto Acórdão recorrido conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, pelo que enferma do desvalor da nulidade em conformidade com o preceituado no artigo 668°, n° 11 al. d), "in fine", do C.P.C.; 6ª - Sendo a solução do acto administrativo recorrido aceitável, à luz da jurisprudência do Acórdão, do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21.12.05 - que não pôs em causa a Sentença dela objecto, que afirmou, em caso similar ao dos autos, que «(...) se fosse aplicável à A. o regime de regularização constante dos DL 81-A 796 e 195/97, teria que se concluir estarmos perante diplomas inconstitucionais» -, não poderia o Tribunal - como o fez -, no Acórdão em apreço, sindicar e valorar, negativamente, o juízo da Administração, expresso no acto administrativo impugnado, precisamente, por se inserir, o mesmo, no espaço de livre apreciação de que a Administração dispõe em tal matéria; Aliás, 7ª- À luz da referida jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, expressa no seu Acórdão de 21.12.05, mencionado, sempre teria - com o respeito devido - de se considerar que o juízo da Administração, contido no despacho de 8.8.02, recorrido contenciosamente, não integra um erro manifesto ou grosseiro da Administração, pelo que uma tal apreciação está, por natureza, afastada do controle dos Tribunais; 8ª- Ao assim não entender, o Douto Acórdão impugnado, ao considerar que a actividade desenvolvida pelos Requerentes, em execução dos contratos de avença celebrados com a Direcção-Geral de Viação, correspondia a necessidades permanentes do Serviço, pelo que o acto administrativo recorrido, que assim não tinha julgado, estava inquinado do vício de violação de lei, por erro nos respectivos pressupostos de facto, viola, com o respeito devido, por efectuar uma valoração própria do exercício da função administrativa - invadindo a margem de livre apreciação de que goza a Administração -, o princípio da separação de poderes, consignado no artigo 111, n° 1, da Constituição da República, pelo que é ilegal, estando afectado com o desvalor da nulidade, ou, se assim não for entendido - o que apenas se encara por estrita cautela de patrocínio -, com o da anulabilidade; SEM PRESCINDIR, 9.ª- Sem prejuízo do acima referido - que se mantém -, certo é que os contratos - de prestação de serviços, na modalidade de avença - celebrados, voluntariamente, entre os Requerentes e a Direcção-Geral de Viação, não têm como objecto o desempenho de funções que se possam considerar como correspondendo a necessidades permanentes do serviço daquele Departamento; Com efeito, 10.ª- Como se vê dos instrumentos contratuais em causa, a prestação de serviços, por banda do Recorrente, em benefício da Direcção-Geral da Viação, tinha como objecto, na sua essência, "(...) o trabalho de consultoria e de formulação de pareceres nos processos de contra-ordenação do âmbito da aplicação do «Código da Estrada»" - o que evidencia uma tarefa temporária, ainda que eventualmente prolongada no tempo, mas que não pode reconduzir-se, ante a circunscrição material das tarefas objecto dos contratos, mencionados, a necessidades permanentes do serviço da Direcção-Geral de Viação; 11.ª- Ao assim não entender, e ao julgar, ao invés, que as tarefas desempenhadas pelos Requerentes, em execução dos contratos celebrados com a Direcção-Geral de Viação, correspondem a necessidades permanentes do serviço - quando assim não é e foi, neste sentido, reconhecido, expressamente, pelo Senhor Director-Geral de Viação, na sua proposta, referenciada no processo que foi tida em conta pelo acto impugnado -, o Douto Acórdão impugnado enferma de um erro de julgamento, adveniente de erro sobre os pressupostos da decisão - que é causa da sua ilegalidade.

SEM PRESCINDIR, 12.ª- Sem prejuízo de tudo o que fica alegado e olhado o problema à luz do julgamento efectuado pelo Douto Tribunal Recorrido, na dimensão interpretativa por ele realizada, caso esta venha a ser entendida como válida, o que unicamente se admite em benefício intelectual da causa, mas sem conceder -, sempre se dirá que os citados Decretos-Leis nºs 81-A/96 e 195/97 nomeadamente, o art. 1º deste último diploma legal -, enfermam do vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da separação de poderes, acolhido no n° 1 do artigo 111° da Lei Fundamental, caso os Tribunais - nomeadamente os Administrativos - se possam substituir à Administração e, em seu lugar, possam efectuar uma valoração atinente à questão de saber se determinado administrado, nomeadamente para os efeitos daqueles diplomas legais - com particular destaque para o art. 1º do referido Dec.-Lei n° 195/97, de 31 de Julho - "(...) desempenha(va) funções correspondentes a necessidades permanentes dos serviços".

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer: "O acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso contencioso interposto do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, datado de 8.8.02, nos termos do qual foi indeferido recurso hierárquico deduzido de decisão do Director-Geral de Viação que não acolhera a pretensão do ora recorrido, enquanto jurista avençado desta Direcção-Geral, de ser-lhe reconhecido o direito de integração nos respectivos quadros, beneficiando para tal efeito do regime instituído pelos DL.s 81-A/96 de e 195/97, de 31 de Julho.

Fundamentando a decisão proferida, ponderou-se no acórdão, em síntese, que a relação laboral existente entre o recorrente contencioso e a DGV, no quadro de uma subordinação hierárquica, económica e jurídica visando o exercício de funções de consultadoria e de formulação de pareceres nos processos de contra-ordenação emergentes de infracções ao Código da Estrada e que se prolongava por um período superior a oito anos e meio, destinava-se a satisfazer necessidades permanentes de serviço e, como tal, o recorrente tinha direito a que lhe fosse o regime de regularização instituído pelo DL n.º 81-A/96 e diplomas subsequentes.

Na sua alegação de recurso a entidade recorrente começa por defender que, em resumo, o acórdão sob recurso enfermaria de nulidade (artigo 668.º, n.º1, alínea d), "in fine", do CPC) por conhecer de questão que não podia apreciar, uma vez que ao considerar que o recorrente exercia funções que correspondiam a necessidades permanentes de serviço invadira competência própria e exclusiva da administração, desrespeitando a margem de livre apreciação que em tal matéria goza e dessa forma violando o princípio da separação de poderes...

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