Acórdão nº 0428/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução13 de Julho de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: A… apresentou, no TAC de Lisboa, contra o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior um pedido de intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, requerendo a intimação daquela entidade a colocá-la no curso de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto no ano lectivo de 2010/2011, através da criação de uma vaga no referido curso, para o que alegou que essa colocação deveria ser apreciada e decidida de acordo com o que se estabelecia no DL 393-A/99, de 2/10, antes da alteração nele introduzida pelo DL 272/09, de 1/10.

Por sentença daquele Tribunal a referida pretensão foi julgada improcedente e a entidade demandada absolvida do pedido [fls. 176/201 dos autos].

Inconformada, a Requerente recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul e este, concedendo provimento ao recurso, condenou o Requerido no pedido.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior interpôs recurso de revista dessa decisão o qual foi admitido por ter sido entendido que a definição do regime aplicável aos atletas de alta competição que pretendam ingressar no ensino superior tinha a relevância jurídica e social suficiente para justificar a intervenção deste Supremo Tribunal.

Nele se formulam as seguintes conclusões: 1. No douto Acórdão recorrido julgou-se procedente o recurso interposto da douta sentença proferida em 1.ª instância e, em consequência, foi decidido revogá-la e condenar o ora recorrente a colocar a recorrida “... no curso de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto no ano lectivo de 2010/11, aplicando as normas do Decreto-Lei 393-A/99, antes da alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n.º 272/2009, nomeadamente através da criação de uma vaga no referido curso” (cit. petitório, sublinhado nosso).

  1. Fundamentou-se o assim decidido na consideração de que o regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 272/2009, “é mais exigente do que aquele que se encontrava previsto na redacção originária do Decreto-Lei n 393-A/99” por exigir aos atletas de alta competição que pretendam ingressar no ensino superior, além da aprovação nas cadeiras do ensino secundário correspondentes às provas de ingresso, que essa aprovação seja obtida com classificação superior às notas mínimas definidas pelo estabelecimento de ensino que pretendem frequentar (cfr. artigos 59 e 19 do DL n.º 393-A/99, de 2/10, e art.ºs 27/2 e 46 do Decreto-Lei n.º 272/2009, de 1/10).

  2. Considerou-se, ainda, que quando aplicada aos candidatos ao ano lectivo de 2010/2011, esta alteração legislativa atribuiu relevância a notas obtidas pelos candidatos em provas de ingresso realizadas no ano lectivo anterior (as provas específicas de Biologia/Geologia e Físico-Química realizadas no 11.º ano) com o que teria sido violado “...

    o disposto no artigo 18.º, n.º 3, da CRP, que impede que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias possam ter efeitos retroactivos e o princípio da protecção da confiança, pondo em causa o seu direito de acesso ao ensino superior em condições de igualdade referido nos artigos 74.º, n.º 1, e 76.º, n.º 1, da CRP, pois que tal novo regime legal de acesso aplica-se a factos/provas de ingresso realizadas no passado e em momento em que segundo a lei vigente não era relevante a classificação obtida em tais provas de ingresso” (cit. do, aliás, douto Acórdão).

  3. Ou seja, embora sem o referir expressamente, a decisão fundamenta-se na inconstitucionalidade do DL 272/2009, quando aplicado a todas as candidaturas posteriores à sua entrada em vigor, ainda que os candidatos tenham realizado as provas de ingresso, cuja classificação passou a relevar para a admissão ao ensino superior, em data anterior à sua vigência.

  4. A diferença entre os regimes especiais de acesso ao ensino superior, estabelecidos pelo DL 393-A/99, diploma alterado pelo referido DL 272/2009 e o regime geral, definido no DL 296-A/98, de 25.09, republicado pelo DL 90/2008, é de naqueles o acesso ao ensino superior ser garantido, desde que preenchidos os requisitos nele estabelecidos, sem limitação às vagas disponíveis, ao contrário do que sucede no regime geral.

  5. A questão decidida tem, assim inegável relevância jurídica: saber se, estabelecida uma vantagem a favor de um determinado grupo ela pode, ou não, ser legalmente restringida, exigindo-se o preenchimento de condições antes não exigidas, cuja verificação se afere por factos já ocorridos.

  6. A questão decidida reveste também eminente utilidade prática, pois é susceptível de se colocar em qualquer sucessão de regimes jurídicos, relevância social, dado tratar-se do regime jurídico de acesso ao ensino superior e pode colocar-se em todas as áreas do Direito, sempre que ocorra sucessão de regimes que retirem vantagens a um determinado grupo, pelo que releva para uma melhor aplicação do Direito.

  7. O presente recurso deve pois ser admitido, preenchidos que estão todos os requisitos do art.º 150.º do CPTA. Ora, 9. Têm acesso ao ensino superior os indivíduos habilitados com o curso do ensino secundário ou equivalente que façam prova de capacidade para a sua frequência (art.º 12 da Lei de Bases do Ensino Superior, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14.10, e art.º 16, n.º 1 do DL. 296-A/98, de 25/09, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 90/2008, de 30/05).

  8. A conclusão do ensino secundário pressupõe a submissão aos exames nacionais, nomeadamente nas disciplinas que constituem provas de ingresso para acesso ao curso de Medicina, como pretendido pela Recorrida - Biologia, Física e Química e Matemática (cf. n.º 4 do artigo 11.º do DL n.º 74/2004, de 26/03, alterado pelo DL n.º 24/2006, de 6/01, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 23/2006, de 7/04, e ainda alterado pelo DL n.º 272/2007, de 26/07).

  9. A prova da capacidade para a frequência do ensino superior é feita através de provas de ingresso (art.º 12 da Lei de Bases do Ensino Superior, aprovada pela Lei n 46/86, de 14.10, e art.ºs 16 e ss. do DL n.º 296-A/98, de 25/09, alterado e republicado pelo DL n.º 90/2008, de 30/05).

  10. A Recorrida realizou as provas de ingresso de Biologia e Geologia e Física e Química A, no final do 11.º ano, com as classificações de 110 e 105 pontos, respectivamente (cfr. artigo 4 da p.i. e documento n.º 16 com ela junto e a prova de ingresso de Matemática, em 5.08.201 0, com a classificação de 100 pontos (art.º 44.º da p.i. e cit. doc.).

  11. As classificações mínimas que os candidatos ao ensino superior têm de obter nas provas de ingresso e na nota de candidatura são fixadas anualmente pelo órgão estatutariamente competente de cada estabelecimento de ensino superior, para cada um dos seus cursos, num valor igual ou superior a 95 pontos na escala de 0 a 200 (n.º 1 do art.º 25 do DL n.º 296-A/98).

  12. Conforme alegado pela recorrida (cf. art.º 58 da p.i.) no concurso de acesso ao ensino superior para o ano lectivo de 2010/2011 a nota mínima exigida foi de 140 pontos, na candidatura e nas provas de ingresso. Deste modo, 15.

    No regime legal em vigor à data em que se matriculou no 12.º ano, em 2009 (DL 393-A/99, na redacção anterior ao DL 272/2009), a recorrida, dado o seu estatuto de atleta praticante de alta competição, teria ingressado no ensino superior com as notas que obteve; à data em que se candidatou ao ensino superior, em resultado da alteração introduzida no DL 393-A/99 pelo DL n.º 272/2009, as notas não lhe permitiram aceder ao ensino superior, por serem inferiores aos mínimos definidos pelos estabelecimentos de ensino que pretendia frequentar, o que levou à recusa da sua candidatura. Porém, 16.

    Dado que o DL n.º 272/2009 iniciou a sua vigência menos de um mês após o início do 12.º ano, a recorrida tinha o ano lectivo de 2009/2010 quase completo para conformar o seu comportamento de acordo com as novas regras podendo, designadamente, fazer melhoria de nota nos exames que havia realizado no fim do 11.º ano; 17.

    A Recorrida realizou a prova de ingresso de Matemática em 5.08.2010, quando o DL 272/2009, vigorava há já dez meses e obteve a classificação de 100 pontos (art.º 44 da p.i. e cit. doc. 16 junto com a p.i.), quando a classificação mínima exigida era de 140 pontos (cf. art.º 65 da p.i.), pelo que, 18.

    A prova de ingresso de Matemática foi realizada quando há muito o DL 272/2009 se encontrava em vigor e a Recorrida não obteve nota superior ao mínimo exigido pelo estabelecimento de ensino que pretendia frequentar, o que sempre impediria o deferimento da sua candidatura.

  13. “As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias” a que se refere o art.º 18.º da CRP são leis que restringem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos e têm como razão de ser ou a conjugação dos direitos, liberdades e garantias entre si e com outros direitos fundamentais ou a sua conjugação com princípios objectivos, institutos, interesses ou valores constitucionais de outra natureza (cit. Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Política Anotada, tomo I, pág. 161).

  14. Não é o caso do DL 393-A/99, nem do DL 272/2009 que o alterou, pois não existe um direito fundamental de acesso ao ensino superior e estes diplomas apenas estabelecem para os seus destinatários regime mais favorável que o regime aplicável à generalidade dos candidatos.

  15. A violação do princípio da confiança por diploma legislativo ocorre quando este “atingir de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar” (cit. Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 486/97, Diário da República, II série, de 17/10/1997).

  16. À data em que o DL 272/2009 foi publicado, a Recorrida ainda não tinha concluído o ensino secundário, nem todas as provas de ingresso (faltava Matemática) e estava a tempo de realizar melhoria de nota nas provas já realizadas. Além disso, 23.

    A alteração introduzida pelo referido diploma destina-se a garantir que os candidatos...

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