Acórdão nº 068/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução26 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A… e B…, com os sinais dos autos, vieram interpor recurso da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do Edital nº4/88, de 4 de Fevereiro, da autoria da Presidente substituta da Câmara Municipal de Almada e da deliberação da reunião de câmara de 19 de Fevereiro de 1988, tornada pública por aquele edital, mantendo-os na ordem jurídica.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª. As provas são apreciadas livremente pelo Tribunal, segundo a sua prudente convicção (artº 655º do CPC), o que não se confunde com apreciação arbitrária da prova, nem com a impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.

  1. A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto na ordem jurídica.

  2. Para a operação intelectual contribuem regras impostas por lei, como sejam, entre outras, as da experiência.

  3. Ora, “ in casu”, os recorrentes conseguiram explicitar as razões que o fazem supor que o tribunal ultrapassou os limites impostos pela lei, por um lado, e pelos conhecimentos científicos e pelas leis do pensamento (regras lógicas e de racionalidade) e da experiência, por outro lado.

  4. A presente censura à decisão recorrida é pertinente e estão devidamente indicados os pontos da decisão que os recorrentes consideram viciados e bem fundamentada a discordância por referência aos concretos meios probatórios.

  5. Inequivocamente resultou provado que a construção da vivenda em causa foi objecto de autorização da Exmo. Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de Almada e obteve o deferimento tácito da pretensão de licenciamento para a ampliação apresentada em 3.3.1983, ao Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Almada (arts. 12º, nº1, al.b) e 13º, nº1 do DL 166/70, de 15 de Abril).

  6. A questionada vivenda foi construída com autorização municipal, com os condicionamentos de serem demolidos os anexos existentes no logradouro a que foi dado estrito cumprimento, pelo que o consequente pedido de legalização e ampliação da construção beneficiou das referidas normas.

  7. Não pode ser recusada a aplicação da norma com valor reforçado do artº204º, nº2, 2ª parte do Cód. Civil, sob pena de se cometer a inconstitucionalidade prevista na alínea c) do artº70º da LTC- Lei nº28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº13-A/98, de 26 de Fevereiro.

  8. Está também provado que os actos recorridos violaram o disposto no corpo dos artº165º e 166º do RGEU, porque o AVISO de 24.02.98, não consubstanciou a intimação pessoal para demolição, mas meramente uma informação publicitária genérica.

    Tinha que operar-se através de carta registada com aviso de recepção.

  9. Assim, é inequívoco que a razão de decidir da 1ª Instância assenta na conjugação de vários tipos de considerações/ considerandos que não merecem aceitação.

    *Não houve contra-alegações.

    O Digno PGA neste STA emitiu o seguinte parecer: «Somos de parecer que deverá ser negado provimento ao recurso por a sentença recorrida não merecer reparo.

    Com efeito, Os Recorrentes vieram impugnar a deliberação camarária da CM de Almada, de 19 de Fevereiro de 1988 (referida como sendo de 5.2.1988, em virtude de lapso de escrita do Edital nº4/88) e o despacho da Presidente substituta da Câmara constante do Edital nº4/88.

    Na reunião de 19.2.1988, a C.M. de Almada deliberou: 1. A demolição no prazo de 45 dias, de todas as construções, de todas as construções executadas sem licença camarária no prédio sito na Av. …, a confrontar a Norte com Impasse à Rua …, a Sul com o lote A, a nascente com a R. … e a Poente com a Av. …, e fazendo parte da descrição nº13350, da Conservatória do Registo Predial de Almada.

    1. O despejo sumário das referidas construções no prazo de 45 dias.

    2. Tomar posse das aludidas construções e executar a sua demolição se findo o prazo de 45 dias, a demolição voluntária não se tiver verificado.

    3. Realojar os seguintes moradores das construções a demolir, por na data de 3.3.84, ali se encontrarem a residir com carácter permanente, situando-se os fogos de realojamento no Bairro ….

      Os Recorrentes, A… e B…, pai e filho, residiram ambos, de acordo com a petição, no prédio em causa nos autos, até à data em que o mesmo foi demolido.

      Por requerimento datado de 9.12.1969, A… solicitou ao Presidente da Câmara de Almada «autorização» para proceder a algumas obras no imóvel em causa, de que referiu ser proprietário (fls.16).

      Estas obras foram autorizadas por despacho de 18.12.69 (fls.17).

      O pedido de «viabilidade» de ampliação da casa teve, em Maio de 1982, resposta afirmativa, embora condicionada (fls.23 e 24).

      Em 16.08.1983, A… invocando a propriedade da moradia dirigiu ao Presidente da Câmara de Almada novo pedido de viabilização de ampliação da mesma e pedido da sua legalização.

      Sobre este requerimento foi lavrada a seguinte informação: «Segundo informação da Secção do Património a parcela de terreno em causa faz parte do prédio inscrito na matriz cadastral da freguesia da Costa da Caparica sob o artº13º da Secção E, descrito na Conservatória de Registo Predial de Almada sob o nº13350, a fls.161 do livro B-37 propriedade da Câmara de Almada.

      Deste modo e enquanto o requerente não apresentar documento comprovativo de posse, julga-se que não é de considerar a pretensão do requerido.» (Alíneas “I” e “J” da matéria de facto).

      Em 1.3.1988, A… dirigiu ao Presidente da Câmara de Almada um requerimento com o seguinte conteúdo: «A… e sua esposa, C…, residentes na Rua …, …- Costa da Caparica, tiveram conhecimento através de um Edital afixado na Junta de Freguesia, que no prazo de 45 dias, a contar da data da afixação (24.2.88), que tinham de abandonar a casa onde residem.

      Acontece, que desde 1957 habitam aquela casa, a qual construíram em terreno baldio, com a devida autorização camarária, de que se junta fotocópia dos respectivos documentos. Foi com muita estranheza que tiveram conhecimento deste Edital, porquanto consta nessa Câmara, conforme fotocópias juntas e bem assim de um projecto entregue nesses serviços (nº156/83) em 1983, julgando estarem devidamente legalizados.

      Por tudo isto, peço a V. Exa. mande rever este caso, a fim de tudo ficar esclarecido.

      Acrescentam ainda que têm pago todas as contribuições prediais desde 1962 e os respectivos esgotos desde 1964» (sublinhado nosso). (Alínea B) da matéria de facto).

      Resultando provado que a casa foi construída depois da entrada em vigor do RGEU aprovado pelo DL nº38381, de 07.08.1951, estava a sua construção bem como as obras de ampliação ou alteração sujeitas a prévio licenciamento municipal (artº165º do RGEU).

      Da factualidade que atrás descrevemos resulta que quer a construção da casa quer as alterações levadas a efeito posteriormente nunca obtiveram o necessário licenciamento.

      Quer a autorização concedida na sequência do requerimento de 9.12.1969, quer a informação sobre a viabilidade de ampliação da casa, de Maio de 1982, não consubstanciam um licenciamento.

      E sobre o requerido em 3.3.1983 não se formou deferimento tácito dado que o mesmo se reportava ao licenciamento de obras clandestinas já executadas.

      Pelo que lhe não era aplicável o disposto no artº13º, nº1 do DL 166/70, de 15.04.

      Vide, neste sentido, além da jurisprudência citada na sentença recorrida, também os Acs. de 5.2.2003, Proc. nº01005/02, de 12.10.2004, Proc. nº0908/03, de 01.03.2005, Proc. nº 0761/04 e de 7.06.2005, Proc. nº 0305/05, nos quais se conclui que o pedido de legalização de obra realizada sem licença não é enquadrável no regime previsto no artº62º, nº1 do DL 445/91 e artº108º do CPA, valendo o silêncio da Câmara Municipal sobre tal pedido como indeferimento tácito.

      Da Informação do GAU, de 16.5.83, relativa às construções efectuadas conta que: «o processo não se encontra licenciado, nem em condições de o vir a ser».

      Assim, a deliberação camarária de 12.2.1988, ao determinar o despejo e a demolição das construções não licenciadas e insusceptíveis de licenciamento não violou os artº 165º e 167º do RGEU.

      Resulta provado que em 1.3.1988, data do requerimento dirigido ao Presidente da Câmara, A… tinha já tomado conhecimento do conteúdo do Edital nº4/88.

      Tendo a demolição ocorrido em 13.4.88, conclui-se terem os Recorrentes tido oportunidade de tomar as providências necessárias para desocupar a casa, salvaguardando pessoas e bens e proceder à sua demolição.

      Face ao exposto somos de parecer que a sentença não enferma de qualquer dos vícios que lhe estão imputados, devendo ser negado provimento ao recurso.» Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

      *II- OS FACTOS A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: A) A Presidente substituta da Câmara Municipal de Almada subscreveu com data de 1988.02.24. o Edital nº4/88, com o seguinte conteúdo: “D…, PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA, Faz público que na sua reunião de 5.2.99 a Câmara Municipal de Almada aprovou a seguinte deliberação: 1. Ordenar a demolição, no prazo de 45 dias, de todas as construções executadas sem licença camarária no prédio sito à Av- … a confrontar do Norte com Impasse à Rua …, do Sul com lote A, do nascente com Rua … e do Poente, com Av. …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada fazendo parte da descrição nº133350, a fls.161 verso do livro B-37 e faz parte dos artigos 13 da Secção E e artigo 1 da Secção C, C-1, C-2 e C-3 da freguesia da Costa da Caparica.

    4. Ordenar o despejo sumário das referidas construções no prazo de 45 dias.

    5. Tomar posse das aludidas construções e executar a sua demolição, se findo o prazo de 45 dias concedido, a demolição voluntária não se tiver verificado.

    6. Realojar os seguintes moradores das construções a demolir por na data de 2.3.84 ali se encontrarem a residir com carácter permanente, situando-se os fogos de realojamento...

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