Acórdão nº 0603/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução16 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... S.A., impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em Junho de 2004, actos de liquidação, praticados pela Câmara Municipal de Lisboa, de taxas de ocupação da via pública referentes ao ano de 1997.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa julgou procedente a impugnação, declarando nulos os actos tributários de liquidação impugnados.

Inconformada, a Fazenda Pública interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1a - A sentença recorrida considerou que o tributo devido por concessão de licença de ocupação de via pública por motivo de obras e por ocupação ou utilização do subsolo do domínio municipal no ano de 1997 configura um verdadeiro imposto, por inexistência de nexo sinalagmático e, em consequência, julgou a impugnação procedente.

2a - O elemento distintivo entre taxa e imposto é a existência ou não de sinalagma.

3a - O sinalagma reconduz-se a três modalidades típicas: a actividade administrativa de prestação de um serviço, a utilização do domínio público e a remoção de um limite imposto à livre actividade dos particulares.

4a - A sentença recorrida errou na qualificação do tributo devido pela ocupação da via pública com tubagens no subsolo, porque existe efectiva utilização do subsolo do domínio público municipal em proveito próprio da concessionária.

5º - Quando o uso privativo do domínio público é consentido a pessoas determinadas, com base num título jurídico individual, como sucede com a Impugnante, que do mesmo retira uma especial vantagem no exercício da actividade que prossegue, impõe-se que a regra da gratuitidade da utilização comum do domínio público ceda perante a regra da onerosidade.

6a - A sentença recorrida peca quando considera que a ocupação e utilização dos bens dominiais em apreço não se destina à satisfação de necessidades individuais da concessionária, mas à satisfação de necessidades colectivas.

7a - Paralelamente com as utilidades colectivas proporcionadas pela existência de uma rede de gás natural, que a concessionária assegura, no cumprimento das obrigações assumidas no âmbito do contrato de concessão, é esta mesma concessionária quem beneficia directamente da ocupação do domínio público municipal.

8a - A recorrente dispôs-se a desenvolver uma actividade económica lucrativa, e para isso reuniu e organizou meios que lhe permitiram obter uma concessão de serviço público. É da prestação desse serviço que se propõe conseguir os seus ganhos.

9a - O tributo exigido a propósito da ocupação e utilização do subsolo tem contrapartida na disponibilidade dessas ocupação e utilização em benefício da recorrente, para satisfação das suas necessidades individuais de empresa dedicada à distribuição e venda.

10a - A Jurisprudência mais recente considera que o tributo em apreço consubstancia uma verdadeira taxa, mesmo quando o sujeito passivo da obrigação tributária reveste a qualidade de concessionária de serviço público.

11a - O tributo em apreço configura uma verdadeira taxa, cuja criação/exigibilidade não estava, por natureza, sujeita ao princípio de reserva de lei formal, consagrado no nº. 2, do artigo 103º e na alínea i), do artigo 165º, da C.R.P..

12a - O Município de Lisboa está legalmente autorizado a cobrar taxas pela ocupação do domínio público a todas as entidades que não beneficiem de uma isenção legal expressa nesse sentido.

13a - Os actos de liquidação subjudice têm a sua base legal: a) no nº. 4, do artigo 238º, da C.R.P., que determina que «as autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei»; b) na alínea c), do artigo 11º, da L.F.L. aprovada pela Lei nº. 1/87, de 6 de Janeiro; c) na alínea 1), do nº. 2, do artigo 39º, da Lei nº. 100/84, de 29 de Março, que atribui competência à Assembleia Municipal para «estabelecer, nos termos da lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos» e, ainda, d) no artigo 22º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais para o ano financeiro de 1997.

14º - Os actos de liquidação em apreço limitaram-se a aplicar a lei vigente à data da ocorrência dos factos tributários, não padecendo, assim, de qualquer vício.

15a - A sentença recorrida errou na interpretação jurídica subjacente à qualificação da taxa devida pela ocupação da via pública com tubagens no subsolo como imposto, violando o disposto no nº. 4, do artigo 238º, da C.R.P., na alínea c), do artigo 11º, da L.F.L. aprovada pela Lei nº. l /87, de 6 de Janeiro, na alínea 1), do nº. 2, do artigo 39º, da Lei nº. 100/84, de 29 de Março e, ainda, no artigo 22º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais para o ano financeiro de 1997.

16a - A sentença recorrida errou por considerar a liquidação impugnável a todo o tempo, rejeitando a excepção de extemporaneidade suscitada pela recorrente.

17a - Não obstante o acto impugnado não padecer de qualquer vício, não basta a Impugnante invocar a existência de uma nulidade para que a impugnação seja admitida a todo o tempo.

18a - A alegada inconstitucionalidade da norma tributária - que, como vimos, não se verifica - constitui erro sobre os pressupostos de direito e, em consequência não determina a nulidade do acto de liquidação, mas tão só a respectiva anulabilidade.

19a - A impugnação dos actos anuláveis está sujeita aos prazos previstos na lei processual aplicável, in casu, ao artigo 123º, do Código de Processo Tributário.

20a - A caducidade do direito à impugnação constitui excepção peremptória, a qual conduz à absolvição do pedido, nos termos do nº. 3, do artigo 493º e do artigo 496º, do C.P.C., aplicáveis ao processo judicial tributário por força do disposto na alínea e), do artigo 2º, do C.P.P.T., 21a - O princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268º, nº. 4, da Constituição da República Portuguesa, não possibilita a sua efectivação anárquica, antes está sujeito a regras, como, por exemplo, o uso do meio processual adequado ou o estabelecimento de prazos para esse exercício.

22a - A sentença recorrida fez errada aplicação do direito, ao permitir à Impugnante o acesso à via judicial que lhe estava vedada nos termos da lei processual aplicável, quando devia ter absolvido a Administração tributária do pedido, violando, em consequência o disposto no nº. 4, do artigo 268º, da C.R.P., no artigo 123º, do C.P.T., no nº. 3, do artigo 493º e no artigo 496º, ambos do C.P.C., aplicáveis ao processo judicial tributário por força do disposto na alínea e), do artigo 2º, do C.P.P.T..

Nestes termos e nos demais de Direito, invocando o douto suprimento de V. Exª, se requer que seja concedido provimento ao presente recurso e revogada a douta decisão recorrida, para que se faça a já costumada JUSTIÇA! A impugnante contra-alegou, concluindo da seguinte forma: 1. A introdução e expansão do Gás Natural constituiu uma inequívoca opção estratégica do Estado Português que visou diversificar o sistema energético nacional, sendo o acesso ao mesmo uma necessidade colectiva que confere a cada cidadão ou empresa uma utilidade individual verdadeiramente imprescindível.

  1. O Estado português assumiu como missão de serviço público dotar o país de redes de distribuição regional de Gás Natural de que todos beneficiamos, tendo optado por prosseguir tal desiderato, não directamente, mas através de concessões.

  2. Enquanto concessionária, a Recorrida obrigou-se a construir para o Estado todas as infra-estruturas necessárias à implantação da rede de distribuição regional de gás natural, e a distribuir Gás Natural a preços que não são livres sem que por isso tenha possibilidade de repercutir taxas que lhe sejam cobradas aos utentes da rede.

  3. Em termos tributários, pode definir-se a taxa como uma prestação pecuniária, imposta coactiva ou autoritariamente pelo Estado ou outro ente público; sem carácter sancionatório; utilização individualizada, pelo contribuinte, solicitada ou não; de bens públicos ou semi-públicos, com contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte, (ver definição adoptada pelo Ac. STA de 16.06.99 tirado no âmbito do Recurso n.º 23175).

  4. Uma taxa implica, pois, não apenas existência de uma prestação pública, mas também a divisibilidade dessa prestação sob pena de apenas uma entidade pagar por todos os beneficiários de tal prestação o que violaria os princípios da igualdade e da proporcionalidade.

  5. No caso do tributo impugnado, à prestação pública - possibilidade de ocupação do subsolo - corresponde fundamentalmente um beneficio colectivo, não se limitando a mesma apenas, nem sobretudo, a dar resposta ou satisfação aos interesses da Recorrida e, nessa medida os custos inerentes devem ser financiados por impostos e não por taxas.

  6. Perante o exposto, impunha-se concluir - como concluiu o M.º Juiz a quo - que o tributo designado de taxa a que respeitam os presentes autos não respeita inteiramente o requisito da bilateralidade já que a sua criação não se deve a necessidade de dar resposta a uma necessidade gerada directa ou indirectamente pela Recorrida mas antes para satisfazer interesses gerais de todos os munícipes, os quais se materializam, em último termo, em interesses colectivos.

  7. Quanto muito, apenas seria de admitir a repercussão sobre a Recorrida de eventuais custos especiais que esta ocasionasse ao Município pelo seu específico uso do subsolo mas, para tanto, teria o Município de definir quais os "custos específicos" incorridos por si o que manifestamente não acontece até porque não existem. Pelo menos não são conhecidos.

  8. No caso em apreço, não estamos perante uma utilização de bens dominiais para satisfação de necessidades individuais da Recorrida mas sim, perante uma ocupação e utilização de bens dominiais para instalação e funcionamento de um serviço público.

  9. Trata-se de bens públicos utilizados na sua função própria de satisfação de necessidades...

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