Acórdão nº 0549/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução16 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1.1. A... interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, acção de responsabilidade civil extra-contratual, com fundamento em acto ilícito, contra o Município de Valença, pedindo a condenação deste na indemnização de 4.630.540$00 "e ainda a indemnização que, quer por força de articulado superveniente quer em execução de sentença, vier a ser fixada" (sic) 1.2. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, constante de fls. 501 e segs, foi julgada parcialmente procedente a acção e condenado o R. "Município de Valença" a pagar à A. a quantia de € 21.750,33, absolvendo-o do demais peticionado.

1.3. Inconformados com a decisão referida em 1.2, dela interpuseram recurso para este STA a Autora e o Réu.

1.4. A Autora apresentou as alegações de fls. 568 e segs, as quais concluiu do seguinte modo: "1ª. A presente acção foi proposta nos termos do DL. n.° 48.051, de 21.11.67, ou seja, é uma acção de responsabilidade civil extracontratual.

  1. Estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil.

  2. No que respeita aos danos e ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e aqueles, a douta sentença condenou na parte líquida, sem juros moratórios, mas não condenou na parte ilíquida, por os considerar inexistentes.

  3. Quanto à parte líquida da indemnização fixada (€ 21.750,33), também a douta sentença deveria ter condenação o R. nos juros moratórios desde a citação até efectivo pagamento, às taxas sucessivas.

  4. Assim procedendo, a douta sentença violou, salvo o devido respeito as normas do art° 805°-2-b) e 3 CCiv.

    POR OUTRO LADO: 6ª. Vêm, ademais, provado os factos enumerados em supra 9.1. a 9.8., aqui dados por reproduzidos.

  5. Foi pela existência destes factos, que a A. alegou e provou, que ela pôde concluir no seu art° 58º da petição aquilo que é óbvio: «Acresce que a impossibilidade de implementar o hiper-mercado projectado representa um prejuízo elevadíssimo, de valor ainda impossível de computar.» 8ª. Na mesma petição disse-se que não era ainda possível fixar os danos daí advenientes, pelo que desde logo se relegou a sua fixação para execução de sentença.

  6. Até ao fim da audiência de julgamento tal fixação não foi possível, pelo que se impunha, como impõe ao Tribunal condenar no que viesse a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que seja líquida.

  7. A douta sentença, se condenou na parte líquida, devia ter condenado também na parte ilíquida, pelo que, não o tendo feito nesta parte, também violou, salvo o devido respeito, o art° 564°-2 CCiv. e o art° 661°-2 CPCiv.." 1.5. O Réu Município de Valença apresentou as alegações de fls. 577 e segs, formulando as conclusões seguintes: "I. Salvo o devido respeito, justifica-se a alteração das respostas dadas pelo Tribunal Colectivo aos quesitos 8º, 9º (1º segmento, até "previsão", inclusive), 15º e 20º a 24º do Questionário.

    1. A resposta negativa aos quesitos 8º, 9º (1º segmento) e 15º, impõe-se face à declaração da Autora feita em dois documentos autênticos (escrituras de compra e venda) juntos aos autos, que constituem documentos autênticos, que fazem prova plena das declarações feitas pelas partes e insertas nos mesmos.

    2. A resposta positiva aos quesitos 20º, 21º, 22º e 23º justifica-se em face de estarmos perante factos notórios que, como tal, não carecem de prova e a resposta positiva à matéria do quesito 24º justifica-se em face de a resposta dada contrariar, em absoluto, a matéria dada como assente nas als. C), G) e H) da douta Especificação.

    3. A autora teve todas as possibilidades de evitar a aquisição dos terrenos e a apresentação do pedido de licenciamento da construção, evitando a produção de quaisquer danos.

    4. Persistiu, porém, na celebração do negócio como forma de pressão sobre o Município e os seus órgãos, forçando-os a praticar um acto ilegal para pretensamente evitarem o ressarcimento de eventuais danos decorrentes da declaração de nulidade do deferimento do pedido de informação prévia ou da simples emissão daquele acto inquinado de nulidade absoluta.

    5. A Autora procurou montar deliberadamente um cenário artificial e provocar uma situação aparente de ocorrência de danos que ela estava em condições de evitar.

    6. A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas, sendo que, havendo um Plano de Pormenor em vigor para a zona onde foi apresentado a pedido de informação prévia e estando estabelecida uma zona especial de protecção, não podia a Autora invocar o desconhecimento dessa realidade concreta, ainda por cima num processo de informação prévia e num processo de licenciamento de construção, elaborados por técnicos especialistas da matéria.

    7. No mínimo, mesmo que permanecesse na ignorância, em 16.12.1993 a Autora ficou a saber que os terrenos para os quais tinha requerido, na qualidade de mandatária, a informação prévia referida, se encontrava abrangida por aquele instrumento de gestão territorial e se encontravam dentro da zona de protecção especial da muralha da Fortificação da Praça de Valença do Minho, classificada como monumento nacional pelo Decreto nº. 15.178, de 14 de Março de 1958, onde era vedada a construção, de acordo com a Portaria publicada no Diário do Governo, II Série, nº. 290, de 13.12.58; IX. Tal como passou a ter conhecimento, no mínimo nessa mesma data, de que era necessário obter autorização da entidade tutelar (no caso, e à data, da Secretaria de Estado da Cultura), para que o pedido apresentado pudesse ser deferido.

    8. Qualquer pessoa medianamente diligente, prudente e inteligente teria perfeito conhecimento e consciência de que, no espaço de quatro dias, ou seja, entre 23.12.93 (data de apresentação das novas plantas) e 27.12.93 (data do despacho de deferimento) não era possível à Câmara Municipal, remeter as novas plantas à CCRN e ao IPPAA, estas entidades emitirem os competentes pareceres e remeterem-nos à Câmara Municipal, ainda por cima quando entre essas datas se meteu um fim de semana e o Natal.

    9. A A. tinha perfeita consciência de que o acto de deferimento do pedido de informação prévia não tinha sido precedido dos pareceres necessários e de que, por isso mesmo, era um acto nulo e de nenhum efeito, nos termos do art. 52º, nº. 1, al. a) do DL. nº. 445/91, de 20.11.

    10. Não se verificou qualquer violação do princípio da boa fé ou da tutela da confiança por parte do Município ou dos seus órgãos e agentes.

    11. De todo o comportamento da Autora resulta que quem agiu em violação dos ditames da boa fé foi ela própria e não o Município recorrente, sendo que o princípio da boa fé é aplicável igualmente em relação aos particulares na relação com a Administração.

    12. A Autora não tinha quaisquer razões, muito menos sérias, para acreditar na validade do acto de deferimento do pedido de informação prévia, nem na conduta do então Presidente da Câmara e Vereador que emitiu um parecer no processo, antes tendo plena consciência de que se estava perante um acto nulo.

    13. Não se provou nos autos que tenha sido violado qualquer direito da Autora nem sequer qualquer expectativa legítima. XVI. À data da prática do acto de 27.12.1993, a Autora não era proprietária dos prédios referidos na al. L) da Especificação, não era, sequer, promitente compradora dos mesmos, nem sequer mandatária dos proprietários do terreno, muito embora invocasse ilegitimamente essa qualidade em relação a um deles.

    14. A Autora não passava de um comum particular, sem qualquer direito no procedimento e sem qualquer expectativa mais digna de protecção do que a de qualquer outro terceiro.

    15. No requerimento de 7.12.1993, a Autora requereu a informação prévia invocando a qualidade de mandatário do Dr. B..., alegando que este era proprietário do prédio misto nele referido, sendo que nem a Autora era mandatária do mesmo, nem o prédio era misto e antes existiam dois prédios distintos, um urbano e um rústico, propriedade de pessoas distintas, uma das quais jamais teve qualquer intervenção do processo, nem pessoal, nem através de qualquer mandatário.

    16. Daí que não possa ser invocado qualquer direito constituído, ainda que pelo prazo de um ano, nem qualquer expectativa legítima, nem para um proprietário que não o era, nem para outro que não interveio no procedimento, nem muito menos para a procuradora de um deles que, afinal, nem sequer o era, pelo que carecia a Autora, bem como o Dr. B... de legitimidade procedimental, não sendo legítimo, por isso, à Autora invocar qualquer direito, que não existe, nem qualquer expectativa legítima.

    17. Nem sequer a condição imposta no despacho de deferimento de 27.12.93 - junção, no prazo de trinta dias, de documento comprovativo da legitimidade para o procedimento -, jamais foi cumprida, não podendo, por isso, e pelas razões expostas, ser considerada preenchida.

    18. Os danos invocados nos autos foram artificial e deliberadamente criados pela própria Autora e ora recorrida.

    19. A Autora podia ter exigido, perfeitamente, a modificação ou a anulação do contrato-promessa de compra e venda dos terrenos com base na impossibilidade de construção nos respectivos prédios, o que não fez, tendo optado, pelo contrário, em prosseguir os seus intentos, celebrando a escritura de compra e venda dos terrenos - fora do prazo contratualmente previsto para o efeito - e apresentando um pedido de licenciamento quando sabia que os efeitos do pedido de informação prévia se encontravam suspensos e que tudo dependia dos pareceres obrigatórios e vinculativos que a Câmara Municipal tinha, entretanto, solicitado às entidades que tinham de se pronunciar sobre a matéria.

    20. O mesmo podia ter feito - e não fez - em relação ao contrato prometido, logo que lhe foi dado conhecimento dos pareceres negativos emitidos no procedimento relativo ao pedido de informação prévia, em função do que a decisão de deferimento de 27.12.1993 foi "anulada" e bem assim logo que lhe...

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