Acórdão nº 0700/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 31 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE LINO
Data da Resolução31 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1 A... e B... vieram interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou «a presente oposição improcedente».

1.2 Em alegação, os recorrentes formulam as seguintes conclusões.

1) Desconformidade formal do art. 2 n° 3 alínea h) do C.I.R.S. com o disposto no art. 168/2 e art. 103/2 todos da C.R.P.

De facto, constata-se que o conceito de retribuição do trabalho prescrito na lei de autorização legislativa apenas abrange rendimentos que constituem pagamentos ou contraprestações de certo trabalho ou a ele equiparado (ex. trabalho à peça, tarefa etc. com subordinação do beneficiário da prestação) e não "gorjetas" enquanto liberalidades atribuídas por terceiros e que não têm directamente em vista pagar determinado trabalho.

É que, como se sabe, decorre do art. 168/2 da C.R.P. que do sentido da lei de autorização legislativa, enquanto seu limite interno, terá que dele claramente resultar quais os fins, ainda que genéricos, que o Governo deve prosseguir no uso de poderes delegados, conformado assim, a lei delegada aos ditames do órgão delegante bem como dar ao contribuinte, cidadão, a possibilidade efectiva de calcular, tão aproximadamente quanto possível o encargo fiscal que vai suportar, ainda que de forma não exaustiva, evidentemente.

Assim, tendo em conta o percurso histórico atribulado da tributação das gratificações com sucessivas declarações de inconstitucionalidade pelo então Conselho de Revolução, no mínimo o legislador parlamentar teria que definir claramente se as "gorjetas" continuavam ou não a integrar o conceito fiscal de rendimento, o que não o fez.

Ora, da leitura de tal omissão necessariamente terá que retirar-se a única conclusão constitucionalmente possível, isto é, não permitir intencionalmente o legislador parlamentar a tributação das "gorjetas" pelo que o art. 2 n° 3 alínea h) do C.I.RS. é organicamente inconstitucional por violar a lei de autorização legislativa n° 106/88 que lhe serviu de suporte, violando assim o art. 168/2 e art. 103/2 todos da C.R.P.

2) Desconformidade material do art. 2 n° 3 alínea h) do C.I.R.S. face aos art. 13°, art. 104/1 e 3 da C.R.P. por violação do princípio da igualdade tributária neles plasmado.

De facto, é comummente sabido que aquela norma apenas visará a tributação das "gorjetas" recebidas por terceiros, pelos profissionais de banca dos casinos sabendo-se que tais rendimentos pelo volume atingido, não têm natureza acessória, não tributando os demais profissionais que também as auferem nomeadamente ex. cabeleireiros, taxistas, empregados de hotelaria, etc, o que só por si conduz a uma desigualdade tributária não justificável, materialmente intolerável, provocando uma situação de injustiça social grave, não pretendida pelo legislador parlamentar.

É que tais rendimentos a tributar não servirão de suporte do regime de segurança social nem para o cômputo do valor devido a título de indemnização por despedimento sem justa causa, apesar de tributado ao contrário dos rendimentos auferidos por via da sua entidade patronal.

Assim, sabendo de antemão o legislador fiscal que tal norma apenas poderá ser aplicada a um número restrito de contribuintes passivos de imposto, tal viola o princípio da igualdade constitucionalmente plasmado na C.R.P., art. 13° e art. 104/1 e 3 da C.R.P., enquanto permite que os sujeitos passivos do imposto sejam iguais perante a realidade e desiguais perante a lei.

Por último, sabendo-se que no regime do imposto sobre as sucessões e doações português, as doações de bens móveis não são em regra doações tributadas, e tendo em conta que as "gorjetas" tratam-se de no fundo de doações de bens móveis, logo em termos de justiça da tributação, todas as aquisições de igual natureza não deverão ser tributadas já que o fundamento que subjaz para a sua incidência legal (art. 2/3 al. h) do C.I.R.S.) está apenas no facto de se acharem relacionadas com prestações de serviços.

Ora tal fundamento é por natureza insuficiente para dar tratamento desigual a situações que por natureza são de facto iguais.

Em conclusão, o art. 2/3 al. h) viola o princípio de igualdade tributária plasmado no art. 13, art. 104/1 e 3 da C.R.P. o que conduz a ser inconstitucional por vício material, devendo como tal ser declarado.

1.3 Não houve contra-alegação.

1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.

As questões que os recorrentes A... e B... vêem submeter à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal Administrativo são as seguintes: - Inconstitucionalidade formal da norma referida no art.º 2º n.º 3, alínea h) do CIRS, por desconformidade com o art.º 168º n.º 2 da CRP, na medida em que esta não respeita a lei de autorização legislativa no que concerne à inclusão em sede de incidência de IRS dos rendimentos provenientes de "gorjetas" prestadas por terceiros; - Inconstitucionalidade material do mesmo normativo por violação dos artigos 13º, e 104º, n.os 1 e 3 da CRP, e do princípio da igualdade tributária neles plasmado.

O recurso não merece, porém, provimento sendo que a sentença recorrida interpretou adequadamente o referido preceito legal, em conformidade com os princípios constitucionais da igualdade, da tipicidade, da justiça e da legalidade tributária, e de acordo com a jurisprudência constitucional (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 497/97, de 9.7.97, in DR II série de 10.10.1997), bem como com a jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo, da qual se destacam, para além dos acórdãos referidos na decisão recorrida (fls. 51), os mais recentes arestos de 21.03.2007, recurso 982/06, de...

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