Acórdão nº 0830/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução21 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO 1 A……, B……, C……, D……, E……, F…… e G……, ACE, com demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente à liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 1995, por tributação autónoma de despesas confidenciais, que foi julgada improcedente por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida, em 17 de Janeiro de 2010.

  1. Inconformada com tal decisão, veio o impugnante (ora recorrente) interpor recurso, ao abrigo dos arts. 280º, nº1, e 282º, nº1, do CPPT, alegando, nas suas conclusões, que: 1.ª A sentença recorrida interpretou erradamente o Direito, impondo-se a sua revogação e substituição por decisão em sentido inverso; 2.ª O acto impugnado é uma liquidação adicional de despesas confidenciais em sede de IRC emitida pela Recorrida à Recorrente em 1996 e relativa ao exercício de 1995.

    1. Em 1.ª instância a Recorrente pediu a anulação do acto impugnado, nomeadamente com fundamento em violação do art. 12.º do CIRC, mas na sentença recorrida o Tribunal julgou a impugnação totalmente improcedente, absolvendo a Impugnada Fazenda Pública do pedido de anulação da liquidação de IRC do exercício de 1995.

    2. À data da liquidação adicional em causa o n.° 2 do art. 5.° do CIRC dispunha que os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos do CIRC, dos agrupamentos complementares de empresa como é o caso da Recorrente, eram imputáveis aos respectivos membros.

    3. Nos “lucros ou prejuízos do exercício” referidos no ponto anterior estão incluídas as despesas confidenciais em sede de IRC (as que também foram incluídas no acto de liquidação impugnado).

    4. No entanto, o art. 12.º do CIRC, na redacção que vigorava à data da prática dos factos, dispunha o seguinte: “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 5.º, seja aplicável o regime da transparência fiscal, não são tributadas em IRC.” 7.ª Porém, a Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro (“lei nova”), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008, veio alterar a redacção do art. 12.° do CIRC.

    5. Nos termos da lei nova, são excluídas da isenção de tributação em sede de IRC as tributações autónomas, como é o caso das despesas confidenciais, 9.ª Entendeu o Tribunal a quo que a redacção do art. 12.º do CIRC nos termos lei nova tem natureza interpretativa, 10.ª Com fundamento em que a própria lei nova se auto-atribui tal natureza, no n.º 4 do seu art. 32.º e, 11.ª Sem qualquer fundamento adicional, concluiu que a lei nova tem efeito retroactivo nos termos do e n.° 1 do art. 13.º do CC e, 12.ª Por conseguinte, a redacção do art. 12.º do CIRC tal como alterada pela lei nova aplica-se ao caso dos autos, pelo que a liquidação impugnada foi emitida à Recorrente nos termos legais.

    6. No entanto, o Tribunal a quo incorreu em erro na aplicação do direito e decidiu em violação dos artigos 103.°, n.° 3 e 2.° da CRP, 12.° da LGT, 9.º e 13.° do CC e 12.° do CIRC.

    7. Na verdade, a alteração do art. 12.° do CIRC consistiu na adição de uma excepção a uma isenção de tributação - passou-se a tributar as entidades do artigo 6.º [anterior art. 5.º], nas quais se inclui a Recorrente, enquanto antes desta alteração não eram tributadas.

    8. Trata-se, evidentemente, de uma alteração que consagra uma norma de incidência que resulta num regime mais desfavorável a Recorrente.

    9. Ora, o n.° 3 do art. 103.° da CRP prevê o princípio da irretroactividade da lei fiscal: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

    10. Esta norma decorre do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, ínsito no princípio consagrado no art. 2.° da CRP.

    11. A LGT também consagra a proibição da retroactividade da lei fiscal, no art. 12.°: “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos”.

    12. Para alguma doutrina a proibição da retroactividade da lei fiscal não admite excepções. No entanto, a maioria da doutrina e da jurisprudência aceita a retroactividade num caso estrito: o de estarmos perante lei nova de natureza interpretativa, pois neste caso a norma nova integra a lei antiga, nos termos do art. 13.º do CC.

    13. Para que a tributação à luz da redacção trazida pela Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro, fosse legítima seria então necessário que esta tivesse natureza interpretativa; mas não basta que a lei nova se auto-atribua esta natureza, é necessário verificar caso a caso se efectivamente estamos perante uma norma interpretativa; 21.ª A lei interpretativa, segundo a doutrina e a jurisprudência, é aquela que apenas intervém “para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado” e que não traz nada de substancialmente novo em relação à lei interpretada.

    14. Ora, a nova redacção do art. 12.º do CIRC não tem natureza interpretativa. Estamos na verdade perante lei inovadora, que vem adicionar uma excepção à norma de isenção. Esta excepção não decorria da letra da lei, nem do pensamento legislativo, nem do fim da norma, nem da sistemática do CIRC, nem de qualquer outra forma de interpretação admissível nos termos do n.° 1 do art. 9.º do CC.

    15. Em suma, deve entender-se que a lei nova consagra uma norma inovadora e, por conseguinte, não se verifica a excepção ao princípio da retroactividade. Por esta razão, mantém-se a aplicação do n.° 3 do art. 103.ª e do art. 2.º, ambos da CRP, e conclui-se que a decisão do Tribunal a quo viola esta norma constitucional, incorrendo na consequente inconstitucionalidade.

    16. Sendo a norma constitucional hierarquicamente superior à legal, nomeadamente ao n.° 4 do art. 32.° da Lei n.° 109-B/2001, de 27 de Dezembro, deveria o Tribunal a quo ter recusado a aplicação da lei nova, aplicando ao invés o art. 12.º do CIRC vigente à data dos factos (neste sentido nomeadamente o acórdão do STA de 29 de Novembro de 2005, processo n.° 0237/05), o que resultaria na anulação do acto de liquidação adicional impugnado, com fundamento na sua ilegalidade.

    Nestes termos e nos demais de Direito deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e decidir no sentido da precedência da impugnação fiscal apresentada pela ora Recorrente, com a subsequente anulação da liquidação adicional impugnada e as demais consequências legais.

    Assim decidindo, o Exmo. Tribunal fará a devida JUSTIÇA! 3.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

  2. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II- FUNDAMENTOS 1. DE FACTO A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos:

    1. A Impugnante é um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) (documento de fls. 21 dos autos).

    2. Foi emitida à Impugnante a liquidação n.° 2310200067 relativa a IRC do exercício de 1995, no montante de Esc. 7.068.997$00 (documento de fls. 9 dos autos).

    3. A liquidação mencionada na alínea anterior resulta da tributação autónoma à taxa de 25% do montante de Esc. 28.275.987, não abrigo do art.° 4.°, n.° 1 do DL 192/90, de 09 de Junho, alterado pela Lei 39-B/94, de 27 de Dezembro (documento de fls. 15 dos autos).

    4. Em 04/02/1997 a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação mencionada em A).

    5. Por despacho de 21/02/2002 a reclamação graciosa foi indeferida (documento de fls. 29 dos autos).

    6. A p.i. foi apresentada em 11/03/2002 (fls. 2 dos autos)”.

  3. DE DIREITO 2.1.

    Questões a apreciar e decidir Vem o presente recurso interposto por A……, B……, C……, D……, E……., F…… e G……, ACE, contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação que haviam deduzido contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada relativamente à liquidação adicional de IRC (por tributação autónoma de despesas confidenciais) relativo ao exercício de 1995.

    Para tanto, a Mmª. Juíza ponderou, entre o mais, que: · À data dos factos, o art. 12º do CIRC, sob a epígrafe “Sociedades e outras entidades abrangidas pelo regime da transparência fiscal” dispunha que...

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