Acórdão nº 012/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução25 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal dos Conflitos 1.

RELATÓRIO FUNDAÇÃO CARDEAL CEREJEIRA, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, que veio a ser admitido como recurso para o Tribunal de Conflitos, nos termos do artº107º, nº2 do CPC, do acórdão, de fls.1343 e segs., do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu “julgar o tribunal judicial da comarca de Cascais incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção, sendo competentes os tribunais administrativos e, consequentemente, em absolver a ré da instância.” Nas conclusões das suas alegações de recurso, refere a Recorrente, no que releva para a determinação da jurisdição competente para a presente acção:

  1. O Tribunal a quo, ao julgar o tribunal judicial incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção, sendo competentes os tribunais administrativos e, consequentemente, em absolver a Recorrida da instância, violou o disposto nos art.º 66.° e 102.°, n.º. 1 e 2 do CPC, no art.º 18.°, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13.01 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - LOFTJ) , e ainda o disposto no art.º 211.°, n.º 1, da CRP, na medida em que determinou como normas aplicáveis aos presentes autos, o disposto no art.º 221.°, n.º 3, da CRP, bem como o disposto nos art.º 3.° e 9.°, n.º 1, do ETAF, aprovado pelo Decreto- Lei n.º 129/84, de 27.04; B) Nos termos do art. ° 66.° do CPC, «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional», decorrendo o mesmo do estabelecido no art.º 18.°, n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13.01 - LOFTJ, e por conseguinte, no que toca a estes, a sua competência é residual; C) No que se refere aos tribunais administrativos, dispõe a CRP, no seu art.º 212.°, n.º 3 que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações administrativas e fiscais»; D) Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pág. 815), a qualificação como "relações jurídicas administrativas ou fiscais" «transporta duas dimensões caracterizadoras: as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público; as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza "privada" ou "jurídico-civil". Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ ou fiscal»; E) No desenvolvimento da delimitação constitucional da competência dos tribunais administrativos, estabelece o art. 1.º do ETAF: «A jurisdição administrativa e fiscal é exercida por tribunais administrativos e fiscais, órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo»; F) Seguindo a definição de VIEIRA DE ANDRADE (A Justiça Administrativa, Lições, 2000, pág. 79) a relação jurídica administrativa é «aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido»; G) A actual definição legal, na esteira da lei fundamental, deixou de estribar a delimitação da jurisdição administrativa na distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, deslocando o pólo aglutinador para o conceito de relação jurídica administrativa e de função administrativa, em que avulta a realização de um interesse público levado a cabo através do exercício de um poder público e, portanto, de autoridade, seja por uma entidade pública, seja por uma entidade privada, em que esta actua no uso de prerrogativas próprias daquele poder ou no âmbito de uma actividade regulada por normas do direito administrativo ou fiscal; H) O n.º 1 do art.º 4.° do ETAF delimita o âmbito da jurisdição administrativa, estando excluídas da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto «questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público» (alínea f)), bem como os «actos cuja apreciação pertença por lei à competência de outros tribunais» (alinea g)); I) A competência do tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca (causa de pedir), ou seja, como ensina MANUEL DE ANDRADE, a competência material é aferida de acordo com a identidade das partes e os termos da pretensão do Autor, tal como esta é delineada na respectiva petição, independentemente da legitimidade das partes ou da procedência da acção (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 91); J) Os Recorrentes intentaram a presente acção declarativa de simples apreciação, pretendendo que seja declarada a inexistência do direito da Recorrida a proceder às actualizações das compensações com base no Decreto-Lei n.º 166/93, de 07.05, que seja declarada a não aplicação do referido Decreto-Lei aos casos sub-judice, que sejam mantidos os valores de compensação anteriores a Maio de 2002, e que seja ainda declarada a inexistência de qualquer dívida dos Recorrentes à Recorrida a titulo de compensação pelas habitações (pedidos), alegando para tanto, que em 1974, a Recorrida recebeu da Câmara Municipal de Cascais, um terreno onde construiu várias habitações sociais, que cedeu, entre outros, aos Recorrentes, em virtude dos seus fracos recursos económicos, tendo os ocupantes das casas passado a pagar à Recorrida uma compensação, calculada em função dos respectivos rendimentos, e que se manteve inalterada até ao ano de 2002, que nesta última data, a Recorrida, invocando o disposto no Decreto-Lei n.º 166/93, de 07.05, comunicou aos moradores que tinha decidido proceder a aumentos no valor dessa compensação, que chegaram a valores da ordem dos 800%, ao mesmo tempo que os informava de que seria celebrado um aditamento à licença de ocupação, para além daquele diploma não ser aplicável, a Recorrida nem sequer lhes comunicou os critérios usados para o referido cálculo, tal como não respeitou as restantes formalidades, tendo publicado anúncios que não cumprem o que ali se exige, e que em reunião entre as partes, foi decidido suspender o aumento das compensações até ao início das negociações para a venda dos fogos (causa de pedir); K) A Recorrida é uma fundação, dotada de um estatuto de direito privado (cfr. fls, 132), regendo-se pelas normas desse mesmo direito privado; e do lado activo, figurando como autores, está um conjunto de sujeitos privados, constituído por quarenta pessoas singulares; L) A Recorrida, além de ser uma fundação, é também uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS); M) Mas para resolver a questão da competência também não é decisivo saber se a ora Recorrida, é uma pessoa colectiva pública ou privada, é que tanto as pessoas públicas como as privadas podem ser sujeitos de relações jurídico-administrativas; N) Como refere Mário Aroso de Almeida, em «O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, pág. 57», «as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo um critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis»; O) A propósito da competência dos Tribunais Administrativos formou-se o entendimento dominante, na doutrina e na jurisprudência, de que as relações jurídico-administrativas se definem pelo exercício, por banda de pelo menos uma das partes, de uma função pública, com prerrogativas de autoridade, ainda que não envolva o uso de meios de coerção, com a consentânea envolvência de normas de direito público e reger tais relações jurídicas (Vide, entre outros, o Ac. do STA de 27.11.97, Rec. n.º 34366; na doutrina, Vaz Serra, Ver. de Legislação e Jurisprudência, ano 103, pág. 350-351, e Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, I Vol. págs. 44 e ss (ibidem); P) Porém, conhecendo da "questão" objecto do recurso, haveria que conhecer dos fundamentos invocados pelos Recorrentes, o que não sucedeu, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre os mesmos; Q) Limitando-se, o Tribunal a quo a afirmar, que perante o regime constante do Decreto-Lei n.º 166/93, de 07.05, não se pode afirmar estarmos na presença de normas de conteúdo civilístico, mas sim, em face de normas de conteúdo administrativo, considerando que a relação jurídica em causa, reveste a forma de um contrato administrativo, uma vez que em seu entender, o referido regime. «confere à entidade locadora prerrogativas que não existem nos arrendamentos de natureza Jurídico privada»; R) A decisão da Recorrida, em proceder à aplicação do regime do Decreto-Lei n.º 166/93, de 07.05, insere-se no domínio da sua gestão privada, surgindo nele o Estado desprovido do seu "Ius imperii", ou seja, despido dos seus poderes de autoridade; S) Segundo Marcello Caetano, o "conceito de gestão privada verifica-se quando os órgãos das pessoas jurídicas de direito público que tenham actividade administrativa, exercem ou podem exercer, consoante a competência conferida por lei, poderes correspondentes a direitos pessoais ou patrimoniais regulados pelo direito privado, exactamente como quaisquer outras pessoas jurídicas" - (Princípios Fundamentais de Direito Administrativo, 1977, pág. 372); T) E sendo estes actos praticados, e em causa, de gestão privada, porquanto - na definição de Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 4ª edição, págs. 510/511 - "actos de gestão privada são aqueles que, embora praticados pelos órgãos, agentes ou representantes do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, estão sujeitos às mesmas regras que...

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