Acórdão nº 0651/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução17 de Outubro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A……, A.C.E., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação de comissões devidas à COMISSÃO PERMANENTE DE CONTRAPARTIDAS, na qualidade de beneficiária pela participação em programas de contrapartidas relativos à aquisição de equipamentos e sistemas de defesa, comissões que traduzem a tributação pela entrada nesses programas e que cujos montantes se encontram vertidos nas facturas nºs 6/08, 7/08, 8/08, 9/08, 10/08 e 11/08, no valor total de 30.000,00 €.

1.1.

Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: «A douta sentença recorrida, ao decidir que improcede totalmente a impugnação deduzida, sendo os actos de liquidação do tributo controvertido válidos e legais, incorreu nos seguintes erros de julgamento da matéria de Direito: 1) Ao considerar constitucional e legítima a emissão de regulamento independente do Governo através do Despacho conjunto n.º 19080/2008, de 7 de Maio, dos Ministérios da Defesa Nacional e da Economia e da Inovação, a douta sentença recorrida aplicou incorrectamente o n.º 7 do art. 112.º da CRP ao caso e violou o disposto no n.º 6 do art. 112º da CRP quanto à forma constitucionalmente exigida para a adopção de um regulamento independente, que tem de ser por decreto regulamentar e não por despacho ministerial conjunto, como sucede com o Despacho conjunto n.º 19080/2008, de 7 de Maio, dos Ministérios da Defesa Nacional e da Economia e da Inovação, com base no qual se praticaram os actos tributários impugnados, os quais são, por isso, inválidos (arts. 102.º do CPPT e 135.º do CPA); 2) Ao qualificar como taxa ou tributo bilateral, e não como imposto ou tributo unilateral, as “comissões”, designadamente os “direitos de entrada”, previstos no Despacho conjunto n.º 19080/2008, de 7 de Maio, dos Ministérios da Defesa Nacional e da Economia e da Inovação, invocando, para o efeito, a existência de processo de certificação que não tem de ter lugar, a douta sentença recorrida interpretou deficientemente o disposto nos arts. 24.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 de Agosto, bem como nos n.ºs 2 e 5, al. a) do mencionado Despacho conjunto n.º19080/2008, e aplicou incorrectamente o art. 4.º, n.ºs 1 e 2 da LGT; 3) Consequentemente, dado que as “comissões”, designadamente, os “direitos de entrada” regulados no Despacho conjunto n.º 19080/2008, de 7 de Maio, constituem impostos ou tributos unilaterais, a douta sentença recorrida, ao não aplicar o princípio da legalidade fiscal, designadamente na vertente de reserva de lei parlamentar, e ao não considerar inválidos, nos termos dos arts. 102º do CPPT e 135º do CPA, os actos tributários praticados com base em simples regulamento independente, violou o disposto nos arts. 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, al. i), da CRP, reiterado no art. 8º, n.º 1 da LGT, onde se exige lei da Assembleia da República, ou decreto-lei do Governo devidamente autorizado, para regulação da incidência, da taxa e da matéria colectável de um imposto; 4) Ao não considerar que a aplicação das comissões/direitos de entrada, por via dos actos tributários em causa, assumiu carácter retroactivo, dado respeitar a programas de contrapartidas em curso, que constituem factos tributários totalmente passados relativamente ao momento da entrada em vigor do Despacho conjunto n.º 19080/2008, a douta sentença recorrida aplicou deficientemente o art. 12.º do Código Civil e violou o princípio da irretroactividade das normas fiscais consagrado no n.º 3 do art. 103º da CRP e no n.º 1 do art. 12º da LGT; 5) Ao decidir que os actos tributários impugnados não incorrem em falta da fundamentação legalmente exigida, a sentença aplicou inadequadamente o disposto nos arts. 268º, n.º 3 da CRP, 125.º do CPA e 77.º, nºs 1 e 2 da LGT quanto às exigências de uma fundamentação contextual, clara, suficiente e congruente.

6) Ao considerar que a candidatura a programas de contrapartidas constitui uma causa de dispensa da audição prévia em relação aos actos de liquidação dos direitos de entrada em causa, a douta sentença recorrida aplicou deficientemente o disposto na al. a) do n.º 2 do art. 60º da LGT e infringiu, consequentemente, a prescrição do n.º 1 do art. 60º da LGT.

7) A douta sentença recorrida violou ainda o disposto actualmente no art. 39º, n.º 11 do CPPT, ao não reconhecer que os actos de notificação dos actos tributários impugnados são nulos por falta de indicação da entidade que os praticou e se isso foi feito no uso de delegação ou subdelegação de competências.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser lavrado douto Acórdão que considere procedente o presente recurso, com as legais consequências, com o que VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO JUSTIÇA.».

1.2.

Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3.

O Exmo. Procurador-Geral emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, enunciando, para o efeito, a seguinte motivação: «Defende a recorrente, a propósito de várias questões de constitucionalidade que invoca, o seguinte: − as ditas comissões deviam ter sido sustentadas em regulamento autónomo, nos termos do previsto no art. 112º n.º 6 da C.R.P.

− tratando-se de impostos e não de taxas, estarem as mesmas sujeitas ao princípio da legalidade tributária, nomeadamente, quanto à necessidade de existência de lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei que a tivesse autorizado quanto aos seus elementos essenciais; − ser de aplicar o princípio da irretroactividade fiscal, previsto nos arts. 101º n.º 3 da C.R.P. e 12º n.º 1 da L.G.T.

Analisemos, deixando para final ainda outras questões que foram invocadas como vícios de forma.

É certo que as ditas comissões constituem, a par de outras, uma das formas de financiamento da Comissão Permanente de Contrapartidas.

Esta “integra-se no Ministério da Economia e da Inovação, sem prejuízo da competência conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área da defesa nacional e pela área da economia, nos termos do presente decreto lei” - art. 1.º do Dec.Lei n.º 153/06, de 7/8.

Este diploma e o Regime Jurídico das Contrapartidas que foi aprovado pelo Dec.Lei n.º 154/06, da mesma data, foram promulgados pelo Presidente da República e sujeitos à referenda do Governo.

Relativamente à matéria nos mesmos contemplada, parece que nada obsta a que se entenda que tal possa assim ocorrer, incluindo quanto aos ditos meios de financiamento, matéria ainda da competência do Governo.

Parece não ser admissível o entendimento que subjaz ao que se defende de ser de considerar ainda como necessário um outro regulamento independente por no caso não haver lei formal habilitante.

Sobre a dita querela existente quanto à sua caracterização, melhor parece ser de considerar que as referidas comissões são um “tertium gentis”, do tipo contribuições. É certo ainda que, tratando-se as mesmas de contribuições financeiras a favor de entidades públicas, veio a ser previsto que o seu regime geral fosse aprovado por lei da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, conforme refere o invocado art. 165.º n.º 1 al. i) da C.R.P.

Não ter sido ainda aprovado tal regime geral não é, só por si, gerador de inconstitucionalidade dessas contribuições - assim, se decidiu no Ac. n.º 365/08, do T. Constitucional de 2-7-08, proferido no proc. 22/08, proferido em caso em que havia lei da Assembleia da República habilitante.

Contudo, consta ainda da L.G.T. que, quanto a tais contribuições, apenas em certos casos especiais, de considerar impostos, é ainda de observar o dito princípio de reserva relativa da Assembleia da República - assim, quanto às “que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade” (art. 4.° n.°3).

Assim parece não ser de entender no caso das ditas “comissões”, criadas pelos inicialmente referidos Decreto-lei e Despacho ministerial conjunto.

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do dito Despacho, estas foram criadas com as seguintes componentes: “direito de entrada”, “percentagem decorrente de aumento de facturação” e “pela transferência de tecnologia e ou pelo fornecimento de bens e serviços”.

E ainda que, no caso, apenas esteja em causa as comissões devidas pelo “direito de entrada” – pois foi excepcionada a percentagem decorrente do aumento de facturação relativa a 2007, e nada consta quanto à aplicação que podia ser efectuada pela transferência de tecnologia e ou fornecimento de bens e serviços que chegou a ser prevista como possível – não repugna que se entenda tal como equivalente a direito de participação, conforme foi configurado na douta sentença recorrida.

A ser assim, o mais que veio a ser decidido com base no dito despacho conjunto mostra-se ainda de acordo como o previsto nos arts. 1.º, 17.º n.º 2 al. b) e 20.º n.º 4 do Dec.Lei n.º 163/06, de 7/8.

Enquadrando-se as comissões aplicadas, ainda que apenas na componente que foi considerada, na generalidade das contribuições previstas na lei a favor de ente público, obtêm as mesmas ainda cobertura no disposto no art. 3º n.º 3 da L.G.T. e, quanto ao princípio da irretroactividade fiscal, considerando que não se está face a impostos, há apenas que respeitar o disposto no art. 12.º n.º 1 da L.G.T.

Assim, não colhe a invocada violação do princípio constitucional da não retroactividade com base no que quanto a impostos se encontra previsto na Constituição.

Ora, da matéria de facto consta que os projectos em causa se encontravam em curso de execução, sendo no seu domínio que foi emitida a notificação para se proceder ao pagamento daquelas – al. E) da matéria dada como assente.

É de admitir que a comissão aplicada com base no...

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