Acórdão nº 0514/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução10 de Outubro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.

B………, S. A., melhor identificada nos autos, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, relativamente à impugnação judicial que deduziu contra os actos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios referentes aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, no montante global de € 496.697,14, julgou improcedente a impugnação quanto às liquidações de IVA e parcialmente procedente quanto às liquidações de juros compensatórios na parte respeitante ao alegado erro no montante contabilizado.

1.1.

Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1. A primeira dedução em litígio nos autos encontra-se prevista no n.º 1 do artigo 5° do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, com plena correspondência com o primeiro parágrafo da alínea f) do n.º 2 da cláusula 4ª do contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona de jogo da ……….

  1. A segunda dedução em discussão nos autos, por sua vez, vem estabelecida no n.º 2 e n.º 3 do já referido artigo 5° do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, obrigação que tem plena correspondência com os segundo e terceiro parágrafos da alínea f) do n.º 2 da cláusula 4ª do contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, na zona de jogo da ………, celebrado com a B……….

  2. A matéria de direito em discussão no presente recurso reporta-se à qualificação jurídica-tributária dessas duas deduções previstas na lei e no contrato de concessão como sendo (ou não) subsídios à exploração não tributados e, mesmo admitindo ser essa a correcta qualificação em sede de IVA, se tais subsídios condicionam a existência de pro ratas específicos nos sectores sujeitos e não isentos da B……… (i.e., nos sectores da Animação e Restauração), como concluiu a Inspecção Tributária e a Douta Sentença recorrida.

  3. A qualificação jurídico-tributária correcta para as referidas deduções será a de considerar as mesmas completamente fora do campo de imposto, pois são meras “deduções” às contrapartidas devidas pelo contrato de concessão, ou seja, são uma forma de pagamento do preço/remuneração inerente a um contrato administrativo oneroso, no qual as partes expressaram uma (e não outra) vontade de contratar.

  4. O “contrato de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar” é um contrato administrativo expressamente elencado na alínea f) do n.º 2 do artigo 178.º do Código do Procedimento Administrativo, nos termos do qual o Estado concede essa exploração, de forma exclusiva, a determinada entidade, assumindo a concessionária A..., como contrapartida de tal contrato, um conjunto de obrigações que o Estado lhe impõe.

  5. Tais contraprestações/contrapartidas são coactivas, devidas a um ente público para a satisfação de necessidades públicas, faltando apenas a “unilateralidade” de tal prestação para estarmos inquestionavelmente perante um imposto, dado que a concessionária recebe uma contrapartida: o direito à concessão, de forma exclusiva, na área em questão.

  6. Sem prejuízo da falta de tal “unilateralidade”, uma vez que as contrapartidas previstas na lei e no contrato de concessão destinam-se, não só a compensar o Estado pelo uso ou exploração dos seus bens, como também, neste caso concreto dos jogos de fortuna ou azar, a compensar o Estado pelos proveitos obtidos por essa actividade, a fórmula utilizada contratualmente para determinar as contrapartidas devidas segue uma filosofia muito próxima à dos impostos sobre o rendimento, sendo, na prática, o seu substituto (pois há rendimentos auferidos pela concessionária a tributar pelo Estado).

  7. A concessão desse monopólio é devidamente remunerada, não só através de rendas “fixas”, quanto aos bens objecto de concessão, como também através de componentes variáveis próximas à de um imposto sobre o rendimento, ao serem aferidas directamente em função dos proveitos/resultados obtidos no âmbito das actividades concessionadas.

  8. Concretizando: a contrapartida referida no n.º 1, da cláusula 4ª, do contrato de concessão reveste a natureza de renda patrimonial fixa e, já a contrapartida referida no n.º 2, dessa cláusula, reveste a natureza de semelhante à de um imposto (sendo, na prática, e incontestavelmente, o seu substituto), ao operar da seguinte forma: Incide sobre as receitas brutas de jogo (rendimento), com a expressa indicação, não só de uma colecta mínima (valor fixado no quadro anexo a um diploma legal), como também de uma taxa de tributação máxima - 50% das receitas brutas de jogo. Por fim, no cálculo anual da contrapartida devida ao Estado (de natureza obviamente pecuniária) concorrem ainda uma série de deduções ao respectivo valor tributário/preço devido a final (incluindo-se nas mesmas as duas deduções cumulativas enunciadas na respectiva alínea f), do n.º 2, da cláusula 4ª e que são o objecto mais directo da presente discussão).

  9. Deduções essas - saliente-se, assim exactamente denominadas no contrato de concessão e na própria Lei do Jogo - que não perdem a natureza intrínseca de abatimento ou dedução ao valor da contrapartida pecuniária anual (remuneração), apenas porque são prestadas em “espécie” - como é manifestamente a situação das duas deduções em discussão.

  10. Daí que não faz qualquer sentido qualificarem-se estas deduções como “subsídios à exploração”, quando são, pelo contrário, formas historicamente “típicas” de pagar a contraprestação/preço ao Estado pela concessionária, ou seja, são apenas e exclusivamente componentes negativas de determinação exacta da contrapartida anual pecuniária devida ao Estado (i.e., do pagamento devido ao Estado pela concessão e pelos proveitos que retira da mesma).

  11. Como reforço da fundamentação supra, valore-se ainda que as subvenções implicam, no respectivo conceito, uma entrega pecuniária directa (ou indirecta) à entidade subsidiada (ou seja, o conceito de subsídio esgota-se na entrega de quantias monetárias por entes públicos a determinadas entidades), quando nas deduções sub judice existirão, não proveitos - como no caso de subsídios - antes e só uma forma (ainda que complexa, inquestionavelmente obrigatória) de pagamento ao Estado.

  12. Mais: conceptualmente, os subsídios ao investimento ou à exploração têm necessariamente uma natureza extracontratual, ao serem sempre atribuídos por terceiros, o que manifestamente não sucede na presente situação, ao estarmos perante um contrato administrativo; tal implicaria que a entidade que contrata, i.e., a entidade que atribui a concessão, fosse, simultaneamente, a entidade que subsidia a actividade concessionada, o que não cabe manifestamente no conceito invocado.

  13. Sem prejuízo da clareza das conclusões supra expostas, admitindo que as duas deduções em análise devem ser antes qualificadas como “subsídios à exploração não tributados”, também neste caso, deverá concluir-se que tal qualificação jurídico tributária não sustenta a legalidade das correcções em sede de IVA que foram realizadas, contrariamente ao sufragado pela Inspecção Tributária e confirmado pela Douta Sentença aqui recorrida.

  14. Desde logo, mesmo admitindo que tais deduções devem ser classificadas como “subsídios à exploração”, então respeitariam, prima facie, exclusivamente ao sector do jogo, bastando, para tanto, aferir que os montantes dos alegados “subsídios” não são calculados com base no volume de “encargos” que a B……… suporta directa ou indirectamente na área da animação ou restauração, antes com base no volume das receitas brutas do jogo.

  15. Por outras palavras, o elemento fundamental na determinação da referida dedução é a receita bruta do jogo, pois apenas se se verificar um crescimento desta verificar-se-á, com a mesma proporcionalidade/representatividade, o aumento do referido “subsídio”. Ou, em sentido contrário, mesmo que a B……… realize um enorme esforço suplementar com mais encargos elegíveis nesses sectores da animação e restauração, tal esforço não terá qualquer efeito na sua esfera patrimonial (dedução à contrapartida anual devida) se não se verificar um efectivo crescimento anual das receitas dos jogos.

  16. Por fim, admitindo ainda, no limite, que tais deduções são efectivamente subsídios à exploração e que se destinam à realização de actividades que se relacionam com os sectores tributados, sujeitos e não isentos de IVA — i. e., com os sectores de Animação e Restauração -, nessa situação dever-se-á concluir, de igual forma, que a posição defendida pela Inspecção Tributária e sufragada na Douta Sentença aqui recorrida, conduz a uma distorção em matéria de dedução de imposto, em clara violação da 6.ª Directiva de IVA, aliás conforme entendimento uniforme do TJCE (vd. Acórdão de 10 de Março de 2005, Processo C-204/03, Comissão das Comunidades Europeias contra Reino de Espanha e Acórdão de 10 de Março de 2005, Processo C-243/03, Comissão das Comunidades Europeias contra a República Francesa).

  17. Decorre da legislação comunitária, conforme interpretação uniforme do TJCE, que os subsídios não tributados não têm quaisquer consequências no tocante à limitação do direito à dedução dos sujeitos passivos que realizem exclusivamente operações tributadas, influenciando apenas o pro rata de sujeitos passivos mistos.

  18. Tal interpretação uniforme já foi expressamente acolhida na legislação nacional, pela expressa revogação do n.º 7 do artigo 16.º do CIVA, operada pela Lei n.º 67- A/2007, 31.12, ou seja, em fase posterior aos ajustamentos aqui realizados, os quais, ao serem inquestionavelmente contrários à mesma, são desconformes e violadores do estatuído nos artigos 17.º, nºs 2 e 5, e 19.º da Sexta Directiva 77/388/CEE...

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