Acórdão nº 0922/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução10 de Outubro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A……, S.A.

” (adiante Executada, Reclamante ou Recorrida), na qualidade de incorporante, por fusão, da sociedade denominada “B……, S.A.” (Cf. certidão de matrícula da sociedade, de fls. 216 a 220 dos autos.), invocando o disposto no arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamou junto do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto da decisão do órgão da Administração tributária (AT) que lhe indeferiu o pedido de prestação de garantia através de fiança por ela formulado ao abrigo do disposto no art. 169.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em ordem à suspensão da execução fiscal por a Executada ter manifestado a intenção de impugnar administrativa ou judicialmente a liquidação do imposto que está na origem da dívida exequenda.

A Executada pediu que aquela decisão fosse anulada com o fundamento de que a mesma enferma de violação de lei. Alegou, em resumo e no que ora nos interessa, que a AT violou anterior decisão judicial que, considerando idónea a fiança em causa, anulou anterior decisão administrativa que indeferira a prestação de garantia por esse meio.

1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a reclamação procedente e, em consequência, declarou nulo o acto reclamado.

Para tanto, considerou, em síntese, que · o acto de indeferimento do pedido de prestação de garantia consubstancia um acto administrativo em matéria tributária; · antes da decisão ora reclamada, já a AT havia proferido uma outra decisão de indeferimento do pedido de prestação da garantia através da mesma fiança, decisão esta que foi anulada em sede de reclamação judicial por sentença transitada em julgado e com o fundamento de que a fiança apresentada pela Executada constituía uma garantia idónea para o fim pretendido – a suspensão da execução fiscal –, ou seja, conhecendo do mérito da causa, tendo inclusive considerado que a fiadora tinha capacidade económica e financeira para prestar a fiança; · essa decisão judicial formou caso julgado material, tendo como um dos seus efeitos – efeito preclusivo complementar – a impossibilidade da AT renovar o acto anulado, a menos que, invocando novos motivos, consiga, por via da fundamentação, demonstrar objectivamente que eles são diferentes e qual a razão por que não foram inicialmente considerados; · porque a AT não logrou essa demonstração, o acto ora reclamado deve ser entendido como praticado com o intuito de defraudar o resultado querido pela sentença anulatória e, em consequência, ser declarado nulo, nos termos do disposto no art. 133.º, n.º 2, alínea h), do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi do art. 2.º, alínea d) do CPPT.

1.3 A Fazenda Pública (adiante também Recorrente) não se conformou com essa sentença e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Por facilidade de transcrição, vamos reproduzir as notas de rodapé no próprio texto e entre parêntesis rectos, mas mantendo a numeração do original.): « A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal deduzida contra o despacho proferido em 2012/02/07, pelo substituto legal do Diretor de Finanças do Porto, no âmbito do PEF com o nº 1821201101017250, que corre termos no SF de Matosinhos 1, B. em que é executada B……, SA 17 [17 Incorporada, por fusão, pela ora reclamante A……, SA, pessoa coletiva nº ……] e no qual se encontra em cobrança coerciva uma dívida exequenda, relativa a IVA dos anos de 2009 e 2010, no montante de € 676.054,32.

C. O despacho reclamado concluiu pela falta de idoneidade da garantia oferecida, para efeito de suspensão da execução, na modalidade de fiança e no montante de € 857.905,09, após análise circunstanciada da documentação entregue pela fiadora, C……, SA, para efeitos de comprovação da sua capacidade económica.

D. Vem a reclamante, por via dos presentes autos, peticionando, a final, a revogação do despacho reclamado e a aceitação da garantia para efeitos de suspensão da execução, alegar que o despacho controvertido incorre na violação da sentença proferida em 2011/07/31, no âmbito do processo de reclamação dos atos do órgão de execução fiscal que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob o nº 1499/11.5BEPRT e que ordenou a anulação do despacho do chefe do SF, datado de 2011/04/05 18 [18 Despacho este que indeferiu a prestação da fiança, ora controvertida, por falta de idoneidade, tendo por base, essencialmente, a sua falta de liquidez, atenta a prossecução do interesse público na regular cobrança dos tributos legalmente devidos].

E. A douta sentença recorrida julgou a presente reclamação procedente, com a consequente anulação do despacho reclamado, por entender verificada a ofensa do caso julgado, porquanto considerou que na sentença transitada em julgado a fiança apresentada foi considerada idónea para garantir a dívida exequenda e suspender a execução, “tendo sido considerada, aliás, a existência de capacidade económica e financeira da fiadora, enquanto facto notório” e que, F. a ser assim, “não é dada à AT a possibilidade de se pronunciar novamente sobre essa mesma fiança e considerá-la, mais uma vez, inidónea, desta feita com uma fundamentação em parte diferente daquela que foi usada na primitiva decisão de indeferimento da garantia e que foi objeto de anulação por este Tribunal”, “sob pena de ofensa do caso julgado”.

G. Ora, contrariamente ao sentenciado, e com o devido respeito que nos merece a decisão do Tribunal a quo, perfilha a Fazenda Pública o entendimento, já defendido na sua contestação, de que não padece o ato controvertido de qualquer ilegalidade, antes enfermando a douta sentença sob recurso de erro de julgamento de direito.

H. Acontece que, na primeira reclamação dos atos do órgão de execução fiscal, já melhor identificada, peticionava a aqui reclamante a ilegalidade do mencionado despacho do chefe do SF, datado de 2011/04/05, por o mesmo enfermar dos vícios de falta de fundamentação e de violação de lei, I. Sendo que a fundamentação do despacho então reclamado se resumia, essencialmente, à consideração de que a garantia oferecida (fiança) não consubstancia uma garantia que proporcione o necessário grau de liquidez, atendendo, quer à prossecução do interesse publico da regular cobrança dos tributos devidos ao Estado, quer ao facto do valor monetário que lhe está subjacente não ser realizável de forma certa e célere, em sede da respetiva execução, não consubstanciando, assim, uma garantia idónea.

J. A sentença então proferida, embora tendo concluído pela inexistência do invocado vício de falta de fundamentação, entendeu padecer o despacho controvertido do vício de violação de lei, uma vez que a garantia não foi aceite como garantia idónea, nos termos do disposto no artº 199º do CPPT, uma vez que, K. “[n]o caso dos autos, está em causa um montante de € 857.905,09, para cuja garantia a Reclamante ofereceu uma fiança prestada pela sociedade C……, S.A., aceitando esta, inclusive renunciar ao beneficio de excussão prévia – assumindo-se como principal pagadora. Perante tais circunstâncias e sendo a capacidade económica e financeira fiadora do conhecimento público – o que aliás, nem sequer vem questionado no ato reclamado – afigura-se-nos que a fiança oferecida não podia deixar de ser considerada idónea e aceite como garantia de dívida exequenda” 19 [19 Sublinhado nosso].

L. Facilmente se constata que o ato inicialmente reclamado limitou a sua análise à idoneidade da garantia apresentada, em abstrato, sendo que, M. na primeira reclamação, solicitou a aqui reclamante, para o que aqui nos interessa, a anulação do ato administrativo que atribuiu inidoneidade da fiança enquanto tipo garantístico, a ser aceite perante o disposto no nº 1 do artº 199º do CPPT e, N. foi precisamente essa matéria que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto apreciou, nos estritos termos que lhe foram peticionados, face aos factos ínsitos nos autos e, em especial, à fundamentação do ato reclamado.

O. Isto é, concluiu que a fiança oferecida era idónea, como meio de garantia a prestar nos termos do disposto no artº 199º do CPPT, conforme pretendia a reclamante, sendo que, P. em parte alguma do primeiro ato reclamado é feita uma análise da capacidade económica da entidade fiadora 20 [20 Relativamente a um caso semelhante, pronunciou-se o TCA Norte, em 2012/01/27, no processo nº 2614/11.4, concluindo que “O OEF indeferiu a prestação de garantia através de fiança, sem nunca colocar em causa a idoneidade da fiança concretamente prestada para garantir a boa cobrança da quantia exequenda e, portanto, sem nunca questionar a real capacidade económico-financeira da fiadora. Assim, não tendo tais fundamentos estado sequer na base da decisão administrativa impugnada, não poderiam ter sido considerados pelo Tribunal a quo”.

], como, aliás, também o reconhece a própria reclamante no âmbito da sua reclamação, bem como a sentença ora recorrida, ao afirmar que o novo despacho de indeferimento tem uma fundamentação diferente do ato anteriormente reclamado.

Q. A análise relativa à capacidade financeira da fiadora só ocorreu com o novo ato agora reclamado, o qual indeferiu a garantia apresentada, desta feita, com base na sua insusceptibilidade de garantir os créditos tributários em face da sua incapacidade económica.

R. Inexiste, pois, qualquer conflito entre o plasmado na douta sentença proferida na primeira reclamação intentada (processo nº 1499/11.5BEPRT) e o conteúdo do novo ato que indeferiu o pedido com base na incapacidade económica da fiadora, que possa sequer ser encarado como violação de caso julgado.

S. Ademais, o órgão de execução fiscal, no seu dever de atuação, apreciou a capacidade patrimonial da fiadora, como era sua...

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