Acórdão nº 0281/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução14 de Junho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A CÂMARA MUNICIPAL DE AVEIRO recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença de improcedência da impugnação judicial que a sociedade A……, S.A. deduziu contra o acto expresso de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra o acto de liquidação de Taxa de Ocupação da Via Pública efectuada por aquela Câmara Municipal, no valor de € 4.631,79.

Terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões: A. A Recorrente não se conforma com a interpretação da sentença recorrida, que resumiu a questão dos autos ao artigo 106° da Lei das Comunicações Electrónicas e concluiu que: “Os Município não podem impor a estas entidades, pelo direito de utilização do domínio público para a implementação, passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamento e demais recursos de redes e serviços de comunicações electrónicas, outras imposições tributária que não seja a Taxa Municipal de Direito de Passagem”, entendendo que a mesma incorreu em erro de julgamento, por erro em vários pressupostos legais, verificando-se, por outro lado, omissão completa quanto a questões suscitadas e que deveriam ter sido analisadas, com as legais consequências.

Enquadramento Comunitário: B. Em matéria de direito comunitário, a sentença recorrida limita-se a referir as directivas, sem explicitar qualquer artigo aplicável ou no qual se suportou para concluir pela ilegalidade da taxa de ocupação por via da aplicação da legislação comunitária, não se encontrando devidamente fundamentada. Na verdade, não se extrai das directivas comunitárias a proibição para os Municípios cobrarem taxas pela ocupação do domínio público municipal ou a violação do direito comunitário pela liquidação das taxas em crise. A indicada Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, estabeleceu um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva-quadro) e apenas prevê sobre o assunto, no seu artigo 11° (direitos de passagem) que se refere aos princípios e garantias. A também citada Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva autorização) prevê no artigo 13°, sob a epigrafe de “Taxas aplicáveis aos direitos de utilização e direitos de instalação de recursos” que: “Os Estados-Membros podem autorizar a autoridade competente a impor taxas sobre os direitos de utilização das radiofrequências, ou números ou direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada que reflictam a necessidade de garantir a utilização óptima desses recursos”. E apenas dispõe o mesmo artigo que é necessário garantir que “tais taxas sejam objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionais relativamente ao fim a que se destinam e terão em conta os objectivos do artigo 8° da Directiva 2002/21/CE”.

C. Do exposto decorre que caberia ao legislador de cada estado membro a definição e organização das taxas a aplicar em matéria de utilização e direitos de instalação de recursos, como garantia dos princípios indicados, sendo irrelevantes, em nosso entender, os objectivos gerais enunciados na sentença em matéria de telecomunicações (abertura do mercado e redução de preços entre outros), que não fundamentam em matéria de direito a decisão, com as consequências legais previstas na al. b) do n.° 1 do artigo 668° do CPC.

Enquadramento legislativo e caracterização da TMDP: Imposto (?) D. Entendeu o tribunal a quo que a TMDP é a única taxa passível de cobrança pelos Municípios em matéria de ocupação do domínio público, sem analisar em concreto no que se traduz esta designada “taxa”, sendo, em nosso entender, insuficiente a fundamentação da sentença quanto a esta matéria. O legislador português, quando transpôs para o ordenamento jurídico português as Directivas através da Lei n.º 5/2004 criou o artigo 106° da Lei n.º 5/2004 (Lei das Comunicações electrónicas ou LCE) e decorre da Lei das Comunicações Electrónicas a possibilidade de utilização do domínio público em condições de igualdade e que a as taxas a cobrar pelos direitos de passagem devem observar os princípios referidos na directiva quadro. Mas não se prevê em nenhum artigo que o pagamento da TMDP isente as empresas do pagamento de outras taxas municipais, de entre estas, do pagamento das taxas pela ocupação do domínio público e privado municipal (n.°s 1 e 3 do art. 106° da Lei n.º 5/2004).

E. Ademais, coloca-se em causa a própria natureza da TMDP, qualificada de “taxa”, mas que se afigura um verdadeiro imposto, sendo irrelevante tal designação, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 08/11/2006, proferido no Recurso n.º 0648/06. Na verdade, a TMDP é determinada com base na aplicação de um percentual sobre cada factura emitida pelas empresas, para todos os clientes finais e tal montante será depois cobrado ao cliente na factura mensal, sendo entregue voluntariamente pelas empresas abrangidas (n.º 3 do art. 106° da mesma lei e art. 3° do Regulamento) F. É entendimento da recorrente, suportado na doutrina e na jurisprudência recentes quanto à distinção entre taxa e imposto que: As taxas assumem três formas principais: Uma resultante de uma concreta relação com um serviço público; Outra de utilização de um bem do domínio público; Uma terceira de remoção, por acto administrativo, de obstáculos jurídicos a um comportamento dos particulares — cfr. art. 4° n.° 2 da LGT.

Essencialmente, a taxa distingue-se do imposto pela bilateralidade ou unilateralidade do tributo, respectivamente: aquela, ao contrário deste, supõe a existência de correspectividade entre duas prestações; a primeira a pagar pelo utente do serviço e a deste, a prestar pelo Estado ou outra entidade pública.”- Vejam-se os acórdãos do STA de 30/04/2008, Recurso n.º 206/2008, www.dgsi.pt e o Ac. do TCA Norte de 28/01/2010, no processo n.º 00896/06.2BEBRG, 2ª Secção do Contencioso Tributário, A taxa é uma prestação tributária que pressupõe ou dá origem a uma contraprestação específica, resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e o ente público — Cfr. António Luciano de Sousa Franco, Finanças Públicas, págs. 63-64.

G. Partindo desta distinção e se a denominada “taxa” é a contrapartida da utilização de um bem de domínio público, questiona-se porque motivo são os clientes finais dos serviços das operadoras de telecomunicações os sujeitos passivos, quando são as operadoras de telecomunicações quem efectivamente utiliza o bem do domínio público; Contrariamente ao defendido na sentença, para quem efectivamente suporta a TMDP não existe contrapartida, o que conflitua com a natureza bilateral ou sinalagmática da taxa, que implica uma contraprestação que não existe, não sendo materialmente legítima.

H. Assim, relativamente à TMDP, independentemente da designação dada pelo legislador, falhando o carácter bilateral, inexistindo relação concreta entre o particular e o Município, sendo o seu universo independente de qualquer “medição” da ocupação e afastando-se claramente do regime previsto na Lei das Taxas das Autarquias Locais, sem possibilidade de qualquer controlo ou cobrança coerciva pelos Municípios ou pela entidade reguladora (ICP-ANACOM), entende-se que estão em causa verdadeiros tributos com natureza de impostos que revertem para os Municípios, com todas as características de “prestação coactiva, pecuniária, unilateral, estabelecida pela lei a favor do Estado ou de outro ente público, sem carácter de sanção, com vista à cobertura das despesas públicas e ainda tendo em conta objectivos de ordem económica e social”.

I. Se a TMDP fosse imputada às operadoras, estaria preenchido o conceito de taxa e, aí sim, poderíamos entender que a TMDP e a taxa de ocupação poderiam ter o mesmo âmbito, conforme defendido na sentença recorrida. No entanto tal não se verifica no caso concreto, não podendo a recorrente conformar-se com a interpretação levada a efeito na sentença.

J. Poderia também entender-se que a contraprestação na TMDP consiste na utilização, pelos clientes finais, dos equipamentos fornecidos pela operadora, equipamentos estes que possibilitam aos mesmos consumir o serviço de comunicação electrónica que lhes é prestado pela operadora através da utilização dos recursos instalados no domínio público, já se verificando o sinalagma. Mas nessa linha a TMDP e a taxa de ocupação não teriam o mesmo âmbito, não se verificando dupla tributação, nem sendo ilegais as liquidações promovidas pelo Município.

L. A douta sentença ignorou a posição do ICP-ANACOM e não considerou os documentos juntos aos autos, mesmo depois de ter sido o tribunal a solicitar novos esclarecimentos, que respondeu mantendo a posição relativamente ao assunto, que se transcreve “(...) a lei não revogou expressamente outras taxas que eventualmente os Municípios tivessem em vigor para os mesmos efeitos (as chamadas taxas de ocupação)” - Doc. n.° 1, junto com a contestação, constante de fls. 41 e 42 do Autos)-, verificando-se também aqui em nosso entender, omissão de pronúncia. Com efeito, a citada Directiva 2002121/CE veio atribuir relevo às autoridades reguladoras nacionais (vide artigo 3°), prevendo um...

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