Acórdão nº 0272/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução28 de Junho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1. O Município do Funchal instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal acção administrativa comum contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública pedindo a sua condenação no pagamento de 4.570.533,33 Euros, correspondentes às transferências de verbas respeitantes a IRS, que devia ter efectuado, de Março/2009 a Dezembro/2009, verbas previstas no Mapa XIX da LOE para 2009 (Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), e juros de mora à taxa legal.

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou a acção procedente (saneador-sentença fls. 139-146).

1.3. Inconformado, recorre o MFAP para este Tribunal, per saltum, concluindo nas suas alegações: «Nos presentes autos, o Tribunal a quo condenou o R. Ministério das Finanças e da Administração Pública a pagar ao Recorrido Município do Funchal o montante de 4.570.533,33 Euros, previsto no O.E. de 2009, ao que acrescem juros de mora à taxa legal anual de 4% sobre cada parcela mensal desde a data referida no art. 20°, n° 7 da LFL até integral e efectivo pagamento, fixando, para tal, o prazo de 60 dias.

II. Verba essa devida ao Recorrido nos termos do mapa XIX anexo à Lei nº 64-A/2008, a título de participação variável de 5% no IRS pago pelos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial.

III. O Recorrido Município do Funchal insere-se numa Região Autónoma, o que impõe a necessidade de compatibilizar e coordenar o sistema legal de receitas a que as Regiões Autónomas têm direito relativamente ao IRS, previsto na Lei das Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro), com o sistema legal de receitas relativo à participação variável das Autarquias Locais nas receitas do IRS, previsto nos arts. 19°, nº 1, aI. c) e 20° da Lei das Finanças Locais (Lei n° 2/2007, de 15 de Janeiro).

IV. Com efeito, esses dois sistemas sobrepõem-se no que tange às receitas derivadas do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

V. Nos termos do art. 5°, nº 1 da LFL, as finanças dos municípios devem ser coordenadas com as finanças do Estado, tendo especialmente em conta o desenvolvimento equilibrado de todo o país e a necessidade de atingir os objectivos e metas orçamentais traçados no âmbito das políticas de convergência a que Portugal se obrigou no seio da União Europeia.

VI. Para além das receitas previstas nos arts. 10° e 14° da LFL, as Autarquias Locais têm ainda direito a participar nos recursos públicos, nos termos e segundo os critérios definidos naquela lei, com vista ao respectivo equilíbrio financeiro vertical e horizontal, o que se realiza através das três formas de participação previstas no art. 19°, nº 1 da LFL.

VII. Uma dessas formas é através da participação variável de (até) 5% no IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial, prevista na aI. c) do nº 1 do art. 19° e regulada no art. 20° da LFL.

VIII. Essa regulação visa apenas os municípios do Continente.

IX. Já que as especificidades dos municípios localizados nas Regiões Autónomas, bem como a necessidade de tomar o sistema mais eficiente e ajustado àquela realidade própria, justificaram a necessidade de adaptação dos preceitos contidos na LFL àqueles municípios.

Essa adaptação é efectuada nos termos do art. 63° da LFL, que preceitua que a "transferência de competências para os municípios das Regiões Autónomas bem como o seu financiamento, designadamente mediante o ajustamento do montante e critérios de repartição do FSM, efectuam-se nos termos a prever em decreto-Iegislativo da respectiva assembleia legislativa." (nº 2 do citado artigo).

XI. Podendo ainda as assembleias legislativas regionais definir as formas de cooperação técnica e financeira entre as Regiões e as respectivas autarquias locais, a fim de tornar o sistema mais eficiente e ajustado às especificidades das Regiões Autónomas e das autarquias regionais (art. 63°, nº 4).

XII. Com esse objectivo e no que toca especificamente à participação nas receitas do IRS, prevê-se que a aplicação do disposto na aI. c) do n° 1 do art. 19° e no art. 20º da LFL às Regiões Autónomas se efectua mediante decreto-legislativo regional (art. 63°, nº 3).

XIII. A Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de Fevereiro (LFRA) visa, entre outros aspectos, a regulação das relações financeiras entre as Regiões Autónomas e as autarquias locais nelas sedeadas (art. 2°).

XIV. O Estado e as Regiões Autónomas estão vinculados ao princípio da solidariedade nacional (art. 7°), segundo o qual as últimas devem contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país e para o cumprimento dos objectivos de política económica a que o primeiro esteja adstrito, e o Estado, por seu turno, deve, designadamente, assegurar as transferências do Orçamento de Estado previstas nos arts. 37° e 38° da LFRA.

XV. As receitas do IRS devido ou retido nos termos do disposto no art. 16° da LFRA, constituem receita de cada Região Autónoma.

XVI. Ao abrigo do regime do autonomia político-financeira, cabe às Regiões Autónomas afectar as respectivas receitas às suas despesas (art. 227°, n° 1, aI. j) da CRP).

XVII. Aplicando literalmente e sem qualquer preocupação de coordenação os preceitos contidos na LFL e na LFRA, no que concerne às receitas do IRS devido/retido, o Estado acabaria por transferir para cada Região a totalidade do IRS nela cobrado (art. 16° da LFRA) e uma participação variável de 5% no IRS cobrado na mesma Região (arts. 19°, n° 1, aI. c) e 20° da LFL), o que se traduziria numa transferência total de 105%, relativamente ao IRS.

XVIII. Em comparação, aos municípios sedeados no Continente caberá apenas o direito a uma participação variável de (até) 5% no IRS cobrado na respectiva circunscrição autárquica.

XIX. Com a necessária diminuição do montante global (nacional) das receitas do IRS a que o Estado tem direito, sem qualquer correspondência com a área territorial onde o imposto é gerado, ou seja, de forma manifestamente contrária à prevista na LFL.

XX. O que, ao invés de assegurar o equilíbrio (a igualdade e a solidariedade) entre todas as partes, geraria um desequilíbrio a favor das RA e dos seus municípios e em desfavor do Estado e dos...

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