Acórdão nº 0161/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2012
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 20 de Junho de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
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RELATÓRIO 1.1 Num processo de execução fiscal instaurado para cobrança de uma dívida à Alfândega do Freixieiro e em que foi penhorado e vendido a B……… um bem imóvel, veio a executada, A……… (adiante Executada ou Requerente), pedir ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que anule a venda com o fundamento de que não foi notificada da modalidade designada para a venda, como o impunha o disposto no art. 886.º-A do Código de Processo Civil (CPC), omissão que «teve influência na venda», porque a Executada «se viu impedida de apresentar proposta», pelo que constitui nulidade, nos termos do art. 201.º do mesmo Código, a determinar a anulação da venda.
1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou procedente o incidente de anulação da venda. Isto, em síntese, porque considerou que se impunha que a Executada fosse notificada, ao abrigo do disposto no art. 886.º-A, do CPC, do despacho que, relativamente à venda, designou nova data, alterou a respectiva modalidade e fixou o valor base e que a falta dessa notificação constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 201.º do CPC, que importa a nulidade da venda, atento o disposto no art. 909.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código.
1.3 Inconformada com a sentença, a Fazenda Pública dela recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.4 A Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « A. O presente recurso tem por objecto a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente o incidente de anulação de venda do prédio urbano sito na Rua ………, n.º ………, freguesia de S. Pedro da Cova, concelho de Gondomar, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 4653 – Fracção BV, penhorado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3191200101023799, em que é executada a requerente nos presentes autos, e em consequência o acto de venda realizado.
B. Entendeu o Tribunal na sentença recorrida que: “Impunha-se a notificação à requerente do despacho que designou nova data para a venda, alterou a modalidade da venda e fixou o valor base para de venda, pelo que foi omitida uma formalidade prescrita na lei ”, concluindo que “a irregularidade cometida constitui uma nulidade nos termos do art. 201.º, n.º 1 do CPC, que importa a nulidade do acto da venda (cfr. art. 909.º, n.º 1, alínea c) do CPC)”.
C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido.
D. Centra a requerente, executada no processo de execução fiscal, a sua pretensão de anulação da venda efectuada na circunstância de que a mesma foi realizada sem que a requerente tenha sido ouvida quanto ao valor base pelo qual seria vendido o imóvel, pelo que “se viu impedida de apresentar proposta”, violando assim o disposto no art. 886.º-A do CPC.
E. Importa então desde logo saber se é ou não subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal o art. 886.º-A do CPC, que impõe a prévia audição do exequente [(Apesar de o art. 886.º-A do CPC se referir à audição do exequente, do executado e dos credores com garantia real, a Recorrente queria certamente dizer executado onde deixou escrito exequente.
)] relativamente à modalidade de venda e ao valor base dos bens.
F. Entende a Fazenda Pública que não.
Pois, G. Dispõe o artigo 2.º, alínea e), do CPPT, que o CPC e “de aplicação supletiva ao procedimento e processo judicial tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos”.
Ou seja, H. Ainda que o caso omisso tenha natureza adjectiva, as normas do CPC só serão aplicáveis quando exista falta de regulamentação no CPPT e nos diplomas a que se refere o seu artigo 1.º.
I. Ora, em matéria de venda dos bens penhorados, esta encontra-se especialmente prevista na legislação fiscal – cfr. Secção IX (Da venda de bens penhorados) do capítulo II (Do processo) do título IV (Da execução fiscal) do CPPT - artigos 284.º a 258.º, J. onde se define todo o regime da venda dos bens penhorados, nomeadamente a publicidade e as formalidades a que está sujeita (artigos 249.º e 256.º), bem como o valor base dos bens e as modalidades de venda (artigos 248.º, 252.º e 255.º).
K. Ou seja, o legislador fiscal preceituou integralmente no CPPT o regime da venda no processo de execução fiscal.
L. Ao que aqui nos interessa, no caso de negociação particular, o legislador fiscal, ao contrário do ordinário no CPC, não exigiu que o executado aceitasse o comprador ou sequer o preço acordado, antes se bastou com a publicação em editais e na internet, nos termos definidos pela Portaria n.º 352/2002, de 3 de Abril, o nome ou firma do executado, do órgão onde corre o processo, da identificação sumária dos bens, do local, prazo e horas em que estes podem ser examinados, do valor base da venda e do nome ou firma do negociador, bem como da residência ou sede deste, como preceitua o art. 252.º, n.º 3, do CPPT.
M. Foi, portanto, opção do legislador excluir do processo de execução fiscal a audição do próprio executado, no caso de negociação particular, sobre a decisão do valor base dos bens a vender e consequente notificação da decisão.
N. Não sendo assim de aplicação subsidiária o art. 886.º-A do CPC.
O. E tal se compreende dadas as características da execução fiscal.
Pois, P. “A execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívida ou Estado ou entidades equiparadas, caracteriza-se, em primeira linha, pela sua celeridade (…) [tendo] este princípio geral (..) uma notável premência nesta forma de processo” – cfr. Laurentino da Silva Araújo, Processo de Execução Fiscal, Almedina, p. 27.
Q. E foi em consonância com interesse público e a maior celeridade processual, de molde a obter-se a mais rápida arrecadação de receitas públicas a cobrar coercivamente, que o legislador fiscal no processo de execução fiscal regulou integral e imperativamente os regimes da modalidade de venda (artigos 248.º, 252.º e 255.º do CPPT), não tendo expressamente previsto tal audição prévia do executado nos autos, nem a aceitação do comprador ou do preço acordado, R. pelo que, reitera-se, não é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal o previsto no art. 886.º-A do CPC.
Porém, sem prescindir, e caso assim não se entenda, S. E na hipótese de se considerar que o art. 886.º-A do CPC é aplicável subsidiariamente à venda no processo de execução fiscal, como bem refere a sentença recorrida, não basta a omissão de uma formalidade legal para que a venda seja anulada, é necessário, e como assim prescreve o art. 201.º do CPC, que tal influencie o resultado da causa, subentenda-se, no caso concreto, da venda ocorrida.
T. A regra do artigo 201.º, n.º 1, do CPC, é então a de que, se a lei não prescrever expressamente que ele tem como consequência a invalidade do acto, o vício do acto processual só deve produzir nulidade quando dele resulta prejuízo para a relação jurídica.
U. Estão nestas condições, como refere o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in “CPPT anotado e comentado”, II Volume, pág. 493 e seguinte e pág. 588, por exemplo, as irregularidades relativas à publicidade da venda, designadamente as que respeitam ao tempo e locais de afixação de editais, à publicação de anúncios e seu conteúdo e as relativas às notificações das pessoas que devem ser notificadas para a venda.
Porém, V. nestes mesmos casos, a anulação só pode ser decretada se, no circunstancialismo em que ocorreram as irregularidades, se puder afirmar a sua susceptibilidade para influenciar a venda, o que patentemente, não acontece no presente caso.
W. Desde logo, convém referir que o único facto alegado pela requerente capaz de caracterizar a influência na venda ocorrida, como afirma na douta PI, foi que a mesma se viu impedida de apresentar proposta, facto aliás que não tem expressão nos [factos] provados, não se podendo por isso concluir que o valor fixado não foi o justo, ou que ainda que fosse observada a mencionada disposição legal violada o valor da venda teria sido outro, X. quando essa violação normativa não impossibilitava a requerente de participar na referida venda, porquanto a mesma foi notificada da designação da firma negociadora para proceder à venda do bem imóvel, como aliás resulta da factualidade assente como provada na douta sentença, nomeadamente na alínea E), cfr. fls. 20 e 21 dos autos, constando dessa mesma notificação a referência como assunto à “negociação particular”, Y. tendo assim a requerente conhecimento de que o bem ia ser vendido por negociação particular e por quem iria intervir nessa mesma venda.
Z. Por outro lado, e salvo o devido respeito, não entende a Fazenda Pública como a falta de audição da executada do valor base de venda, poderia ter influência na mesma, designadamente, e como a própria afirma na sua douta PI, quanto ao seu impedimento de apresentar proposta, AA. Uma vez que, note-se, a requerente dos presentes autos é a própria executada, BB. pelo que a apresentação de proposta na compra de um imóvel penhorado nos autos cuja propriedade já era sua, não faz, com o devido respeito, qualquer sentido, nem ser sequer possível de acontecer, CC. pois quando muito, a ter meios económicos para apresentar uma eventual proposta, podia ter sido evitada a venda, acaso, antes da realização desta, fosse paga a dívida exequenda.
DD. De resto, não se vislumbram razões que permitam concluir que a executada poderia ter tido influência na venda e que a mesma poderia ter sido efectuada por valor superior.
EE. Destarte, ao contrário do entendimento vertido na sentença recorrida, confrontamo-nos assim, pela inexistência de factos demonstrativos de que o desrespeito pelo art. 886.º-A do CPC, a entender-se que o mesmo ocorreu, constitui nulidade susceptível de afectar o acto da venda no processo de execução fiscal, pelo que, FF. não se verificando os pressupostos do art. 201.º, n.º 1 do CPC e, consequentemente, do art. 909.º, n.º 1, al...
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