Acórdão nº 042/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Junho de 2012
Magistrado Responsável | MADEIRA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 20 de Junho de 2012 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A Dr.ª A………, Procuradora-Adjunta identificada nos autos, propôs a presente acção administrativa especial a fim de suprimir da ordem jurídica o acórdão do Plenário do CSMP, de 11/10/11, que, indeferindo a reclamação por si deduzida do acórdão da Secção Disciplinar do mesmo Conselho, de 29/7/11, manteve a aplicação à autora da pena única de quarenta dias de multa pela prática de várias infracções disciplinares.
A autora suportou o seu pedido nas razões que sucintamente se seguem: desde logo, o acto impugnado seria nulo, por ofender os seus direitos «ao bom nome» e «à defesa»; depois, seria inválido em virtude do procedimento padecer de nulidades advindas da intervenção de um Sr. Inspector recusado e do uso de um meio de prova proibido; por último, nenhuma das faltas disciplinares reconhecidas pelo acto existiria, por lhes faltarem pressupostos de facto ou de direito.
O CSMP contestou, defendendo a completa irrepreensibilidade do acto «sub censura» e pugnando pela improcedência da acção.
Ambas as partes alegaram, reiterando as anteriores posições.
Consideramos provados os seguintes factos, pertinentes à decisão: 1 – A autora é Procuradora-Adjunta, exercendo funções na Área de Jurisdição Criminal de ……… desde 17/9/2002.
2 – Na sequência da participação que consta de fls. 4 e ss. do processo disciplinar apenso – provinda da Procuradora da República Coordenadora nos Juízos Criminais de ……… e relativa a comportamentos da aqui autora, sua subordinada – participação essa que foi depois reencaminhada para a PGR pela Procuradora-Geral Distrital num ofício onde se formulou o «pedido de instauração de inquérito», o Vice-Procurador-Geral da República, em 30/7/2010, apôs no rosto desse ofício um despacho em que determinou que se procedesse a inquérito, a realizar pelo Sr. Inspector, Dr. B……….
3 – Nesse inquérito, e antes de 15/10/10, a aqui autora suscitou o incidente de recusa daquele Sr. Inspector.
4 – Esse incidente foi indeferido por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, datado de 29/11/10.
5 – Em 14/12/10, a ora autora reclamou dessa deliberação para o Plenário do CSMP.
6 – Por acórdão de 11/1/11, o Plenário do CSMP indeferiu tal reclamação.
7 – No decurso do sobredito inquérito, o Sr. Inspector Dr. B……… exarou um despacho, datado de 6/12/10, em que designou o dia 15/12/10 para se constituir a aqui autora como arguida e tomar-se-lhe declarações nessa qualidade e em que, para tanto, ordenou a notificação pessoal dela.
8 – Em 7/12/10, o secretário de inspecção concluiu o inquérito ao Sr. Inspector, Dr. B………, informando que a autora recusara recebê-lo para ser notificada.
9 – Na mesma data, o Sr. Inspector despachou no sentido de se insistir pela notificação pessoal da aqui autora.
10 – No dia 7/12/10, o Sr. Inspector lavrou o «auto de ocorrência» que consta de fls. 143 do processo instrutor apenso.
11 – Nesse mesmo dia, a autora foi pessoalmente notificada de que, no dia 15/12/10, deveria comparecer num certo local para ser constituída como arguida e prestar declarações.
12 – No dia 15/12/10, foi lavrado o «auto de não comparência» da aqui autora, o qual consta de fls. 143 do instrutor apenso.
13 –Em 17/12/10, o Sr. Inspector Dr. B……… lavrou o relatório final do processo de inquérito, em que propôs que, por haver infracções disciplinares praticadas pela ora autora, se convertesse «o inquérito em processo disciplinar», em termos dele constituir a «parte instrutória do mesmo».
14 – Em 23/12/10, a Vice-Procuradora-Geral da República recusou tal conversão, mas determinou que se instaurasse à aqui autora processo disciplinar pelas faltas participadas, a instruir pelo Sr. Inspector, Dr. C……….
15 – Finda a instrução do processo disciplinar, o Sr. Instrutor, em 15/4/11, desatendeu nulidades invocadas pela arguida e deduziu contra ela acusação, conforme se vê de fls. 300 a 321 do processo disciplinar apenso.
16 – A ora autora apresentou a sua defesa no processo disciplinar, conforme consta de fls. 330 a 345 do instrutor apenso.
17 – Ao que se seguiu a produção da prova que ela aí oferecera.
18 – Em 3/6/11, o Sr. Instrutor elaborou o relatório final do processo disciplinar – que consta de fls. 400 a 425 dos autos apensos – em que propôs a aplicação à arguida de uma pena de multa por tempo não inferior a quarenta dias.
19 – Por acórdão de 29/7/11, cuja cópia consta de fls. 32 a 54 destes autos, a Secção disciplinar do CSMP aplicou à ora autora a pena disciplinar «única de quarenta dias de multa».
20 – A autora reclamou desse acórdão para o Plenário do CSMP, conforme fls. 454 a 466 do instrutor apenso.
21 – Em 11/10//, o Plenário do CSMP indeferiu essa reclamação através do acórdão cuja cópia consta de fls. 23 a 30 destes autos.
Passemos ao direito.
O primeiro e mais amplo ataque que a autora dirige ao acto impugnado consiste na sua suposta nulidade, que ela filia na circunstância da punição disciplinar ofender os seus direitos fundamentais «ao bom nome» e «à defesa».
No entanto, a legalidade dos actos afere-se pelo que eles intrinsecamente sejam, e não pelas repercussões externas da sua prolação. Não fora assim, toda a pronúncia sancionatória, enquanto capaz de afectar a imagem pública do arguido, seria fatalmente nula – e cair-se-ia na abdicação absurda de perseguir e punir qualquer infractor. Por outro lado, também não colhe a afirmação de que o acto ofendeu o «direito à defesa» da autora; pois trata-se de uma conclusão sem premissas, ademais refutada pela possibilidade que a autora teve e exerceu de se defender no processo disciplinar.
Assente que o acto «sub specie» não é nulo pelas razões sobreditas, vejamos agora se o procedimento disciplinar enferma das duas nulidades processuais que a autora invoca e que, a seu ver, inquinam o acto punitivo.
A primeira delas respeita ao facto de, no inquérito que antecedeu o processo disciplinar culminado pelo acto, o respectivo Sr. Inspector ter agido – determinando o interrogatório da arguida, notificando-a para esse fim, lavrando o auto de não comparência dela e proferindo o relatório final – num momento em que contra si pendia um incidente de recusa, suspensivo da actividade instrutória.
Primo conspectu
, a crítica da autora não é destituída de razão de ser. Na pendência desse incidente de recusa, não podia o Sr. Inspector praticar no inquérito actos procedimentais que não fossem urgentes (cfr. os arts. 192º do EMP e 45º, n.º 2, do CPP); de modo que não se entende porque persistiu ele em prosseguir com a instrução do inquérito, mormente elaborando o seu relatório final antes do incidente estar definitivamente resolvido.
Isto explica bem o embaraço do Plenário do CSMP, detectável na maneira hesitante como enfrentou e resolveu a arguição da nulidade procedimental. Porém, cremos surpreender no acto impugnado, sem incorrer em substituição dos seus motivos, a resposta decisiva que o assunto reclamava.
Com efeito, o acto disse, além do mais, que «tão pouco foi alegada e fundamentada a possibilidade de repetição útil dos actos praticados». O que só podia significar que, na óptica do CSMP, não se via que uma tal repetição, subsequente a um reconhecimento do invocado vício, trouxesse qualquer utilidade para a tramitação e a decisão do processo disciplinar.
E assim é, de facto. A nulidade que a autora invoca ocorreu no anterior inquérito. Mas este é ontologicamente independente do processo disciplinar dos autos, já que o despacho que ordenou a abertura do último excluiu expressamente que o inquérito se convertesse na sua parte instrutória. Deste modo, é perfeitamente vã a arguição da nulidade; pois, localizando-se ela no inquérito findo, não pode propagar-se a um processo disciplinar que o não continuou e que dele é substancialmente distinto.
Portanto, o acto impugnado aduziu um motivo formal que, «a se», justifica logo a improcedência da arguição. O que nos dispensa de apreciar a bondade das demais razões que ele também invocou em prol do mesmo resultado. Inexiste, portanto, a mencionada nulidade, alegadamente propagável ao acto punitivo.
A segunda nulidade processual adviria do uso de um meio de prova proibido. Ciente de que deveria intervir num julgamento do 4.º Juízo, 3.ª Secção, no dia 30/6/10, a autora, à 1h.22m desse mesmo dia, enviou uma mensagem escrita para o telemóvel duma funcionária da Procuradoria em funções naquele Juízo, com o seguinte teor: «Desculpe hora tardia mas estou à espera da emergência médica. Vou hospital e não posso ir amanhã fazer julgamentos, estou só e muito mal. Caí em casa, valeram os vizinhos.» Na manhã do mesmo dia, a funcionária deu conta dessa mensagem à Procuradora da República Coordenadora que, a seu propósito, trocou com a aqui autora várias comunicações, via SIMP. Ora, a autora entende que a transcrição e a colocação no SIMP daquela mensagem envolveu a divulgação de factos da «sua vida privada e íntima», depois ilegitimamente usados como meio de prova no processo disciplinar.
A autora está, contudo, fortemente equivocada. A mensagem comunicativa da ausência ao serviço, embora imediatamente dirigida a uma funcionária, pretendia anunciar e explicar a falta iminente; logo, só podia ter como destinatária real a superiora hierárquica da autora – pois é inconcebível que ela se justificasse perante uma subalterna. Portanto, o facto do teor integral da mensagem ter sido comunicado à Procuradora nada tem de anormal, meramente culminando algo que, ao enviá-la, a própria autora desencadeou. Por outro lado, desde que à falta da autora se atribuíram contornos disciplinares, era imperioso que a justificação ínsita na mensagem fosse conhecida e considerada no respectivo processo. Pelo que tais conhecimento e consideração não podem configurar o uso de um meio de prova proibido.
Aliás, e em rigor, esta denúncia da autora – que consta do art. 64º da petição inicial – parece assentar na divulgação pública, através do SIMP, do conteúdo da mensagem. Mas, se assim é, não se vê de que modo esse acto...
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