Acórdão nº 0358/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução05 de Julho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A Fazenda Pública, não se conformando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 29/9/2011 (fls. 370 a 392), que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou parcialmente procedente o recurso interposto por A……… e B………, da decisão do Director de Finanças do Porto que fixou àqueles, nos termos do art. 89º-A da LGT, por métodos indirectos, os rendimentos em sede de IRS do ano de 2005, dele vem, nos termos dos nºs. 2 e 3 do art. 280º e art. 284º do CPPT, interpor recurso para este Supremo Tribunal, por oposição com o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste mesmo STA, de 28/1/2009, proferido no recurso nº 0761/08.

1.2. A recorrente apresentou (fls. 416 a 419) alegações tendentes a demonstrar a alegada oposição de julgados e, por despacho de 13/1/2012 (fls. 422/423), da Exma. Relatora (no TCAN) veio o recurso a ser admitido, no entendimento de que se verifica a invocada oposição de acórdãos, ordenando-se em consequência a notificação das partes para apresentarem alegações, nos termos do disposto no art. 282 nº 3 do CPPT.

1.3. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as conclusões seguintes: A. O presente recurso visa a interpretação dada ao disposto no artigo 89°-A da Lei Geral Tributária, pelo Acórdão recorrido que, incorporando a fundamentação jurídica expendida no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 19/05/2010, proferido no processo n° 734/09, considerou que, em resultado da justificação parcial efectuada pelo contribuinte, o rendimento tributável deve ser apenas calculado sobre o montante não justificado, mediante o critério fixado na lei para determinar o rendimento padrão.

  1. Não é aceitável o argumento desenvolvido do douto Acórdão recorrido, segundo o qual, ter-se-á que considerar aplicável a proibição de presunções legais absolutas de rendimentos, derivada do princípio da capacidade contributiva que, no plano da lei ordinária tem assento no artigo 73° da LGT, ao dispor que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

  2. Com o devido respeito, tal comparação é excessiva, porquanto, à vista do disposto nos números 3 e 4 do artigo 89°-A, não se vê como possa ser equiparada a tributação indirecta ali prevista a uma presunção absoluta de capacidade contributiva.

  3. É que, incorporando o procedimento uma etapa dedicada à prova da veracidade dos rendimentos declarados, seja pela sua declaração efectiva ou pela inexistência de obrigação legal de os declarar (por não sujeição a tributação ou pela ausência de obrigação declarativa), e emergindo a tributação indirecta apenas na ausência dessa prova, não é rigorosa a assimilação a uma presunção absoluta de capacidade contributiva.

  4. Pelo que, inexiste o pretendido contencioso entre o artigo 89°-A e o artigo 73° da LGT.

  5. O entendimento do douto Acórdão de que se recorre não encontra arrimo na letra da lei nem no princípio da legalidade, bem como no espírito do sistema.

  6. Com efeito, nos termos do disposto no n° 1 do art. 89°-A da LGT, sempre que o contribuinte "declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão", resultante da tabela do n° 4 daquele preceito legal, e não efectue a prova prevista no seu n° 3, encontram-se preenchidos os requisitos legais para se proceder à avaliação indirecta da matéria colectável em sede de IRS.

  7. Refira-se, assim, que o objecto do art. 89°-A da LGT é tributar ingressos de rendimento anteriores ao facto que faz detonar a avaliação indirecta, sendo o facto típico designado como manifestação de fortuna apenas o detonador do procedimento tributário que poderá ou não desaguar num acto de fixação indirecta de rendimentos tributáveis. Não constitui objecto do artigo 89°-A tributar manifestações de fortuna.

    I. As manifestações de fortuna tipificadas no n° 4 do artigo 89°-A, são situações típicas em que ocorrem factos que evidenciam uma capacidade contributiva manifestamente inconsistente com os rendimentos declarados e a que não foi possível aceder e tributar por via directa.

  8. Daí que o mecanismo de avaliação indirecta do art. 89°-A da LGT pressuponha, por um lado, a relevância tributária de rendimentos que se desconhecem quanto à fonte ou fontes e quanto ao volume, mas cuja existência é fortemente indiciada a partir da ocorrência dos factos legalmente tipificados como manifestações de fortuna, K. E, por outro, seja indiferente o momento em que tais ingressos de rendimentos ocorreram na realidade, tributando-os no período de tributação em que se verifica a manifestação de fortuna, ao revés da regra da anualidade de tributação em IRS.

    L. Assim, o art. 89°-A da LGT não pretende mais do que identificar factos que revelam disponibilidade de meios financeiros inconsistentes com os rendimentos declarados para, a partir daí, perseguir indícios de rendimentos não declarados aos quais não é possível aceder de forma directa.

  9. Só quando estão conjugados os elementos reveladores da capacidade contributiva (o facto tipificado como manifestação de fortuna) com os indícios da prática de ilícitos tributários (evasão à tributação e/ou às obrigações declarativas) é que o art. 89°-A impõe a avaliação de matéria tributável de acordo com as fórmulas previstas no n° 4.

  10. Face não só da letra da lei mas do sistema adoptado pelo legislador, afigura-se que não tendo o contribuinte logrado justificar de forma integral os valores afectos à aquisição do bem ou bens que determinaram a instauração do procedimento de avaliação, procede-se à estimativa de rendimento tributável através de índices que a partir do valor do bem permitem operar uma presunção inexorável de certo rendimento.

  11. Os índices são os tipificados na tabela que consta do n° 4, do art. 89°-A da LGT, e P. O rendimento padrão configura uma presunção típica de rendimento cujo montante, fixado forfetariamente, é integrado na matéria colectável de IRS como rendimento da categoria G, a menos que, seguindo a letra do n° 4, do art. 89°-A da LGT, existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art. 90°, que permitam à administração tributária fixar rendimentos superiores.

  12. O que vale por dizer que não há lugar à aplicação de qualquer outro valor inferior em sede de determinação do rendimento por manifestações de fortuna. O valor padrão não pode ser descontado ou baixado, pelo contrário: tal valor padrão poderá ser aumentado, se a Administração Tributária estiver na posse de elementos que lhe permitam fixar um rendimento superior.

  13. Esta linha de interpretação revê-se, aliás, no entendimento perfilhado pelo Ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lino R. Alves de Sousa, na declaração de voto de vencido no âmbito do citado Acórdão do STA, proferido no Proc. n° 0734/09 de 21/05/2005.

  14. A mesma orientação foi sufragada no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proferido em 29 de Janeiro de 2009, no processo n° 761/08, no Acórdão do STA no processo n° 234/08, de 16/04/2008, no Acórdão do STA referente ao Proc. n° 390/07 datado de 06.06.2007.

  15. De referir, ainda, que a interpretação que se defende encontra respaldo na doutrina, designadamente, em DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3ª edição, pp. 453 e 454, Vislis Editores, XAVIER DE BASTO, in O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, Revista Fiscalidade, n° 5, pp. 20 e 21, e João Sérgio Ribeiro, in Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de determinação da Matéria Tributável, Almedina, pag. 304.

  16. O Acórdão recorrido, bem como o do STA que lhe serviu de referência fundamentadora, ao pugnar pela interpretação dos valores parcialmente justificados no cálculo do rendimento-padrão - calculando-o apenas sobre o remanescente não justificado do valor da manifestação de fortuna -, colide com a letra do n° 4 do art. 89°-A da LGT e, igualmente, com o seu espírito.

    V. Tal entendimento conduziria a que, em caso de o sujeito passivo fazer prova justificativa de 20% do valor das manifestações de fortuna evidenciadas, então não haveria lugar a rendimento tributável, entendimento esse, que se - encontra manifestamente fora da voluntas legis consagrada no Art. 89º-A da LGT (sublinhado nosso). Com todo o respeito, tal entendimento não encontra respaldo no espírito da lei nem na letra da norma, como se exige no disposto no art. 9° do Código Civil.

  17. Com efeito, não se pode ignorar o espírito da lei, isto é, as manifestações de fortuna constituem um instrumento jurídico de luta contra a fraude e evasão fiscais, que se materializa num método substitutivo, em que não sendo possível apurar os rendimentos efectivamente auferidos pelo sujeito passivo este é tributado de forma indirecta, através de um rendimento padrão, que resulta da valoração dos bens adquiridos, designados como manifestações de fortuna.

    X. De outro modo, a lei estaria precisamente a consentir a evasão fiscal que justamente pretende travar por meio do mecanismo legal do art. 89°-A da LGT, porquanto, o rendimento padrão taxativamente previsto é um rendimento presumido na suposição da existência de evasão fiscal fortemente indiciada por manifestações de fortuna em franca discrepância com os rendimentos declarados.

  18. Em suma, a interpretação jurídica da citada norma do art. 89°-A da LGT, vertida no entendimento do douto Tribunal a quo e no Acórdão do STA de 19.05.2010, Proc. 0734/09, além de extravasar o sentido literal da norma, porquanto, não encontra nem no espírito nem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, viola os princípios constitucionais da separação dos poderes, da legalidade tributária, da administração da justiça e da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT