Acórdão nº 0658/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução05 de Julho de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I-RELATÓRIO 1.

A Sociedade por quotas, A……, L.DA, com os sinais dos autos, na sequência de acção inspectiva, impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, as liquidações de IRC de 2005 e 2006, que foi julgada improcedente.

  1. Não se conformando com tal sentença, a A……, L.DA, interpôs recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as suas Alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “

    1. O vocábulo comprovadamente, constante do artigo 23.º, n.°1, do CIRC, caracteriza o modo do juízo a fazer, ou da actividade cognitivo-decisória a desenvolver, sobre a indispensabilidade dos gastos para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.

    2. Enquanto referido ao juízo a efectuar sobre a questão de saber se os gastos são indispensáveis para a realização dos proveitos, o termo visa exprimir que o resultado desse juízo conclusivo tem de estar provado.

    3. Nada autoriza a alargar o significado do conceito que se refere, nitidamente, às exigências do juízo, de modo a que o mesmo abranja, também, os tipos de prova e seus requisitos legais, que o mesmo juízo tem de ter em conta.

    4. Neste aspecto o artigo 23.º, n.° 1, do CIRC, é uma norma totalmente aberta: as provas a ter em conta, por quem deva decidir se os gastos são ou não indispensáveis para a realização dos proveitos, são quaisquer provas documentais, por só estas podem ser objecto de tratamento contabilístico, sendo que provas são todos os factos ou elementos objectivos que tenham por função demonstrar a realidade dos factos [art.° 341.º do Código Civil (CC)], as quais devem ser apreciadas segundo os princípios estabelecidos na lei respectiva (valor legal, valor científico, livre apreciação segundo as regras de experiência comum, etc.), podendo a dúvida sobre a prova documental ser esclarecida por prova testemunhal.

    5. O CIRC não estabelece em norma alguma, mesmo por remissão, nem essa matéria se encontra regulada em qualquer lei geral — como a Lei Geral Tributária — com apetência para regular, de forma geral, as matérias relativas aos vários tipos de tributos (impostos e taxas), qual a forma ou requisitos dos documentos que podem servir de base do juízo concreto sobre a indispensabilidade dos gastos para a realização dos proveitos.

    6. Bem podia o legislador ordinário do CIRC — solução que seria até sugerida pelo princípio da congruência do sistema de impostos — ter adoptado a regra de que os documentos evidenciantes dos montantes e da natureza dos gastos fossem documentos que obedecessem às exigências estabelecidas no art.° 35.º do CIVA, mas não o fez, sendo certo que não consta dele qualquer norma de indicação dessa lei como norma subsidiária.

    7. A ratio que fundamenta o estabelecimento das regras formais constantes do artigo 35.º n.° 5, do CIVA, relativamente a um tipo de imposto, como é o IVA, não é totalmente transponível para outro tipo fiscal, estruturalmente diferente, como é o tipo do IRC.

    8. Não estando em causa, como se passa no tipo de imposto do IVA, a tributação de cada uma das operações materiais em que se vai desenvolvendo a actividade do sujeito passivo de IRC, mas o seu rendimento real, no final do exercício, compreende-se que os documentos fiscalmente releváveis para a qualificação dos custos se bastem com a exigência de que permitam, por si só ou conjugadamente com outros documentos constantes da contabilidade, formar um juízo seguro sobre a efectiva ocorrência das operações materiais e a real expressão do seu valor, i) Devem considerar-se devidamente documentados, na contabilidade, os custos relativos aos gastos em relação aos quais a administração fiscal, em acção de fiscalização, em face dos documentos internos com base nos quais foi efectuado o seu registo contabilístico e em conjugação com outros documentos constantes da contabilidade, pôde determinar a sua natureza e o seu montante j) A expressão “devidamente documentado’; constante do art.° 42. °, n° 1, alínea g), do CIRC, refere-se ao juízo cognitivo-decisório a fazer sobre o suporte documental de toda a contabilidade, envolvendo a consideração não só dos documentos internos que titulam o registo contabilístico da despesa, como de todos os demais documentos lançados na mesma contabilidade, incluindo dos respeitantes aos proveitos, podendo a dúvida sobre a prova documental ser esclarecida por prova testemunhal l) É intoleravelmente chocante e viola o princípio constitucional da justiça ínsito no princípio material do Estado de direito (art.º 266. n.° 2, e 2.º da CRP) que, tendo a administração fiscal chegado à conclusão, por todos os elementos relevantes documentais constantes da escrita que examinou, conectados com o concreto exercício da actividade da recorrente e com os proveitos contabilizados, que, em verdade, existiram as compras e as despesas na “praça” e que as mesmas foram do montante contabilizado, se considere depois não devidamente documentados esses encargos para o efeito de não serem dedutíveis para a determinação da matéria colectável e poderem ser sujeitos ainda a tributação autónoma.

    9. Devem ser considerados custos dedutíveis para efeitos da determinação da matéria tributável dos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente, os montantes de 19.762,27€ e 89.569,56€, correspondentes a compras na praça, e bem assim das despesas na praça, nos mesmos exercícios, de 23.990,08 e 29.438,93€.

    10. O momento de entrada em funcionamento do activo imobilizado corpóreo não tem de coincidir, necessariamente, para o efeito de ser admissível a sua contabilização como custos das reintegrações e amortizações com a data de emissão do alvará de licenciamento/licença de utilização do estabelecimento, como bem considerou a sentença.

    11. Todavia, não tendo a administração fiscal posto em dúvida a existência e os valores das reintegrações e das amortizações, cuja contabilização como custos foi efectuada pela recorrente, mas que aquela não considerou serem custos dedutíveis unicamente pela razão de haver considerado que a entrada em funcionamento do activo imobilizado não poderia ser antes de concedida a licença de utilização, tudo conforme o processo administrativo cujo teor o tribunal recorrido deu por assente, cabia-lhe anular os actos de liquidação, na parte correspondente.

    12. Se, por força do princípio da tributação do rendimento real que justifica a regra constante do art° 17.0 do CIRC, a recorrente está obrigada a apurar o resultado líquido do exercício e se, neste, não podem deixar de ser considerados todos os proveitos advindos da utilização do edifício, durante o exercício, nos termos do art° 20.º do CIRC, e se nestes se compreendem proveitos que advêm da utilização dos espaços construídos antes da conclusão final da obra e do licenciamento, não é tolerável, segundo o princípio da justiça, que não possam ser considerados os custos advenientes da utilização desse imobilizado.

    13. Não prevendo o CIRC ou o Decreto-Lei n.° 2/90, de 12/01, a segregação apenas de uma parte do valor do imobilizado corpóreo utilizado no exercício e tendo a administração fiscal apurado, depois, que toda a empreitada foi cumprida e que o imobilizado corpóreo foi construído, não se vê outro jeito de respeitar o princípio da tributação do lucro real, tal como este está plasmado nas normas constantes dos art.s 17.º, 20.º e 28.º do CIRC, do que considerar como custos as reintegrações e amortizações que correspondem à empreitada do edifício, na sua totalidade.

    14. A decisão recorrida decidiu erradamente quando ajuizou que a administração fiscal tinha agido legalmente quando considerou que as reintegrações e amortizações contabilizadas nos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente, de 73.713,67 € e 176.852,67 €, não constituíam custos fiscais dedutíveis à matéria tributável e as acresceu à matéria colectável declarada pelo contribuinte, ora recorrente.

    15. A decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos artigos 23. °, n.° 1, alínea a), e 42. º. n.° 1, alínea g), ambos do CIRC; os artigos 2.º, 104.º, n.°2, e 266.°, n.°2, da CRP; os artigos 17.°, 20.º e 28.º do CIRC e 1.° do Decreto-Lei n.° 2/90, de 12 de Janeiro.

    Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida no segmento em que esta manteve os actos de liquidação do IRC, incluindo a tributação autónoma, na parte correspondente em que a administração fiscal considerou como não constituindo custos fiscais devidamente documentados os encargos de 79.762,27€ e 89.569,56€, respectivamente, nos exercícios de 2005 e 2006, correspondentes a compras na praça, e bem assim as despesas (de flores) na mesma praça, nos mesmos exercícios, de 23.990,08€ e 29.438,93€, e na parte em que considerou que as reintegrações e amortizações contabilizadas nos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente, de 73.713,67€ e 176.852,67€, não constituíam custos fiscais dedutíveis à matéria tributável, anulando, nessas partes, os actos tributários impugnados e julgando procedente, nessa correspondente parte, a impugnação, com todas as legais consequências.” 3.

    Não foram apresentadas Contra-alegações.

  2. O Ministério Público, junto do STA, emitiu douto parecer, que concluiu que o recurso não merece provimento, devendo a sentença impugnada ser confirmada, com os fundamentos seguintes: “I. Questões decidendas: 1ª-Legalidade da dedução como custos fiscais de encargos resultantes de compras no mercado da Nazaré nos montantes de € 79 762,27 e de € 89 569,56 (exercícios de 2005 e 2006 respectivamente) e de despesas com flores nos montantes de € 23 990,08 e de €29 438,93 (exercícios de 2005 e 2006 respectivamente) 2ª-Legalidade da consideração como custos fiscais de reintegrações e amortizações contabilizadas nos montantes de €73 713,67 e € 176 852,67 (exercícios de 2005 e 2006 respectivamente) 2.1ªQuestão Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização...

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