Acórdão nº 0694/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução28 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1.

A……, S.L., identificada nos autos, deduziu impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa relativa à liquidação operada por retenção na fonte, sobre os juros cobrados pela Impugnante, nos exercícios de 2002, 2003 e 2004 à B……, S.A., liquidação que foi parcialmente anulada, por sentença daquela Tribunal de 28 de Março.

  1. Não se conformando, a Fazenda Pública veio interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por despacho de fls. 172.

  2. A A…, S. L., notificada do recurso interposto pela Fazenda Pública, veio interpor recurso subordinado da sentença recorrida, na parte em que ficou vencida, o qual foi rejeitado, por despacho de fls. 222, com fundamento na sua ilegitimidade, uma vez que não foi vencida, pelo que não lhe advém prejuízo algum da referida decisão.

  3. Nas suas alegações, a Fazenda Pública concluiu nos seguintes termos: “1) A Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha, para evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento visa, como o próprio título indica, evitar que os mesmos rendimentos sejam sujeitos a imposto em ambos os países, em prejuízo do sujeito passivo, assim sujeito a uma dupla tributação; 2) A fixação de taxas naquela Convenção não é violadora do direito comunitário; 3) Não existe harmonização fiscal na Comunidade Europeia, sendo permitido aos diversos Estados- membros a aplicação de taxas de imposto próprias, bem como a existência de tributos distintos; 4) Permitindo os Tratados e princípios comunitários, que cada um dos países signatários da Convenção tenham, a nível interno, taxas de imposto próprias, por maioria de razão terão de permitir que os mesmos convencionem uma taxa comum, para efeitos de evitar a dupla tributação; 5) Violou a Douta Sentença o disposto no art.º 11.º da supra citada Convenção, e consequentemente, o n.º 2 do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa; Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as EX.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que declare a validade da taxa de retenção de 15% constante da supra identificada Convenção e correctamente aplicada nos pagamentos realizados à sociedade Impugnante.

  4. A A……, S. L., veio apresentar contra-alegações, das quais se extraem as seguintes conclusões: “I. No processo em causa não se coloca a questão de saber se são os diversos Estados que decidem os impostos a pagar sobre os lucros das empresas, os rendimentos pessoais, as poupanças e os rendimentos do capital, pelo contrário, o que está em causa é a tributação que incide sobre um pagamento transfronteiriço efectuado entre Estados-Membros que bule, para o efeito, com princípios e regras de direito comunitários. II. O que está em causa nos autos é a diferenciação de tributação do mesmo rendimento em função do Estado da residência do beneficiário do mesmo e não ente residentes situados em territórios fiscais distintos.

    1. Em especial, está em causa a aplicação de uma taxa de retenção na fonte referente a juros pagos que corporiza um tratamento menos favorável daquele que é conferido a sociedades residentes em Portugal e em outros Estados-Membros (e até em países terceiros).

    2. Nem a Recorrida nem o Tribunal a quo colocam em causa a existência de diversas taxas de IRC nos diversos Estados-Membros da União Europeia, ou o facto de não existir harmonização fiscal a nível comunitário ou, ainda, a circunstância de em matéria de fiscalidade directa ser reconhecida competência aos Estados-membros.

    3. Não são as taxas em si abstractamente consideradas que são violadoras dos princípios e normas comunitárias. A violação dos princípios e regras comunitários decorre a aplicação em concreto da tributação sobre os pagamentos de juros transfronteiriços entre Estados-Membros, mesmo que com base numa convenção de dupla tributação.

    4. O TJUE considera as liberdades circulatórias e de estabelecimento como “princípios fundamentais de direito comunitário” devendo a sua substância ser interpretada de forma ampla.

    5. O TJUE tem interpretado o Tratado enquanto instrumento legal “constitucional” que assentando num princípio de igualdade proíbe todas as situações discriminatórias (directas, indirectas, claras, encobertas, etc.).

    6. Não é tolerável um tratamento diferenciado de sujeitos não residentes pelo simples facto dos regimes aplicáveis decorrerem de um regime fiscal não harmonizado, maxime, devido ao facto de existirem Convenções para Evitar a Dupla Tributação diferenciadas.

    7. A AT não levanta a questão de saber se o pagamento de juros transfronteiriço in casu se enquadra numa das liberdades do projecto de construção europeia maxime na liberdade de circulação de capitas, ou coloca em causa o efeito directo da norma ou discute.

    8. Os Estados são livres de regular o modo de evitar a tributação entre si e, deste modo, de repartirem o poder de tributação dos sujeitos passivos, mediante a fixação dos elementos de conexão relevantes sem que no entanto se coloquem em causa os princípios comunitários.

    9. Resulta da jurisprudência do TJUE que a eliminação da dupla tributação é um dos objectivos da Comunidade Europeia, cuja realização depende dos Estados-Membros.

    10. Na falta de medidas de unificação ou de harmonização comunitária com vista a eliminar a dupla tributação, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos e do património, com vista a eliminar, eventualmente por via convencional, a dupla tributação.

    11. Neste contexto, os Estados-Membros são livres de fixar, no âmbito de Convenções bilaterais, os factores de conexão para efeitos da repartição da competência fiscal. No, entanto, no que concerne ao exercício do poder tributário assim repartido, os Estados-Membros não podem, no entanto, eximir-se ao respeito das regras comunitárias maxime, não podem os Estados-Membros aplicar medidas contrárias às liberdades de circulação garantidas pelo Tratado.

    12. Estando, em especial, obrigados a respeitar o princípio do tratamento nacional no que diz respeito aos cidadãos de outros Estados-membros e aos seus próprios cidadãos que fizeram uso das liberdades garantidas pela Tratado.

    13. Ligado a esse princípio do tratamento nacional, encontra-se, ainda, um princípio que se reconduz ao mecanismo da cláusula da nação mais favorecida.

    14. Este mecanismo tem um duplo alcance: (1) nenhum Estado-membro poderá tratar diferenciadamente residentes de um outro Estado-membro relativamente a situações similares transfronteiriças ocorridas com residentes de um Estado-membro diverso (cláusula da nação mais favorecida intra-comunitária); ou, (2) nenhum Estado-membro poderá tratar de forma mais desfavorável numa situação de tributação transfronteiriça um residente de outro Estado-membro do que um residente de um país terceiro em situação semelhante (cláusula da nação mais favorecida extra-comunitária).

    15. O tratamento nos termos consagrados à nação mais favorecida constitui apenas uma mera variação relativamente princípio da não discriminação, como, aliás, se infere da sentença recorrida. Com uma diferença: é que a comparação relevante não deverá ser efectuada entre residentes e não residentes mais sim entre não residentes situados em territórios fiscais distintos.

    16. Na óptica externa, são igualmente numerosas as razões que fundamentam a aplicação do regime da cláusula da nação mais favorecida.

    17. O artigo 351.° do TFUE e o princípio da preferência comunitária impõe que seja adoptada a cláusula da nação mais favorecida.

    18. Ou seja, se existir um qualquer dispositivo legal que conceda uma vantagem especial a um residente de um determinado Estado-membro ou a um residente de um país terceiro, essa vantagem deverá ser automaticamente estendida a todos os residentes dos restantes Estados-membros que se encontrem numa situação idêntica.

    19. Assim sendo, a revogação da douta sentença proferido pelo Tribunal a quo corporizaria uma violação do princípio do tratamento nacional, na vertente da cláusula da nação mais favorecida (quer na vertente intra-comunitária quer na vertente extra-comunitária).

    20. Não obstante, e na perspectiva da Recorrida, tal não significa que não possam vir a ser conhecidas outras causas de invalidade subjacentes à tributação que incidiu, em Portugal, no pagamento dos juros pagos pela B…… à Recorrida.

    21. É que o Direito da União Europeia e a própria Constituição não toleram, para o efeito, um regime doméstico no qual os pagamentos de juros por um mutuário em Portugal a uma entidade com residência fiscal num outro país da União Europeia são tributados, em Portugal, com base no rendimento bruto e, ao invés, caso se trate de um titular com residência fiscal em Portugal os mesmos seriam já tributados, aqui, sobre o rendimento liquido.

    22. Uma diferença que resulta, claro está, da forma como a retenção na fonte tem lugar.

    23. Nos pagamentos transfronteiriços a retenção consubstancia uma retenção final e definitiva, XXVI. Nos pagamentos domésticos a retenção consiste, pelo contrário, num mero pagamento por conta do imposto devido a fmal.

    24. O que conduz, inexoravelmente, a que a tributação no primeiro caso - pagamento de juros a entidades não residentes - incida sobre o rendimento bruto e a tributação no segundo caso - pagamento de juros a entidades residentes - incida exclusivamente sobre o rendimento liquido.

    25. Recorde-se, aliás, que a retenção na fonte efectuada no pagamento de juros a um residente em território português pode inclusivamente ser objecto de reembolso ao contribuinte, o que sucederá caso o valor apurado na declaração de imposto, liquido das várias deduções previstas na lei, seja negativo, pela importância resultante da soma do valor...

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