Acórdão nº 0976/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução06 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A………, com os sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a fls. 664 e segs, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a presente acção de responsabilidade civil extracontratual que o ora recorrente interpôs contra o ESTADO PORTUGUÊS.

Terminou as suas alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª A excepcionalidade da admissão do recurso de revista dos acórdãos dos Tribunais Centrais Administrativos ocorre em dois casos: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2ª. A relevância jurídica da questão “sub judice” é manifesta, já que se trata de determinar a responsabilidade civil do Estado na vertente da demorada administração da Justiça. A relevância social é indiscutível, na medida em que a demorada administração da Justiça se debruça sobre a realidade social e económica dos destinatários das decisões dos Tribunais.

3ª. A admissão do recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, pela singela razão de que a decisão de fundo e a proferir produzirá efeitos pedagógicos junto dos Tribunais e do Estado, no sentido da agilização dos processos judiciais, com benefícios evidentes para os cidadãos em geral e para prestígio das Instituições Judiciais, em particular, o que representará uma melhor aplicação do Direito. Justiça demorada ou tardia representa uma má aplicação do Direito.

4ª. As instâncias deram por assentes as vicissitudes da marcha do processo declarativo nº14/82 e do processo executivo nº14-C/82 da secção única do Tribunal da comarca de Alcanena, documentada em ficha informatizada dessa marcha que o recorrente elaborou e juntou aos presentes autos, e em outros elementos documentais carreados para os autos; 5ª. E deram por assente que, por sentença de 13/03/2001 daquela Comarca, foi decretada a falência da ré/executada naqueles processos; 6ª. Os factos constantes das duas conclusões precedentes foram, na sua perspectiva naturalística, dados como assentes e o recorrente não os põe em causa; 7ª. Esses factos mostram também, naquele patamar naturalístico, que os dois processos, declarativo e executivo, duraram desde 09.02.1982 (data da propositura da acção declarativa) até 17.04.2007 (data do despacho judicial que, nos autos de execução de sentença, fixou o valor da quota do recorrente na executada, em € 2.253.836,82, reportado a 31.12.2006, valor devidamente actualizável, a pagar ao recorrente como sócio exonerado da sociedade. Ou seja, uma duração de mais de 25 anos.

8ª. E tais factos mostram também, com evidência matemática, que os hiatos a que os dois processos foram submetidos, por desrespeito frontal das normas dos artigos 160º e 162º do CPC, ultrapassam em soma, mais de 19 anos e meio; 9ª. O Acórdão recorrido emitiu, porém, um juízo de valor, segundo o qual “entre a esmagadora maioria das diligências realizadas não foi excedido um prazo razoável”, já que o Estado não é responsável pelo ilegítimo aproveitamento pelas partes das faculdades processuais que a lei adjectiva confere no cumprimento do dever de garantir amplas possibilidades de defesa dos seus direitos e legítimos interesses; 10ª. Opinou o Acórdão recorrido que os atrasos imputáveis aos tribunais ao Estado naqueles dois processos se cifravam apenas em cerca de 3 anos e meio; 11ª. Não se questionando a matéria de facto dada por assente, já que de resto o Supremo Tribunal Administrativo não conhece de matéria de facto, questiona-se, isso sim, o juízo de valor que o Acórdão recorrido emitiu ao considerar que o excesso de prazo censurável aos Tribunais foi de apenas 3 anos e meio; 12ª. Este juízo de valor constitui matéria de Direito, sindicável pelo Supremo Tribunal Administrativo, já que estão em causa a interpretação e aplicação das normas dos artº160º e 162º do CPC, ofendidas frontalmente, como na presente alegação se deixou pormenorizadamente evidenciado; 13ª. Ora, entre a data da propositura da acção 14/82 da Comarca de Alcanena em 9/02/1982 e 17/04/2007, data do despacho de fixação do valor da quota, decorreram mais de 25 anos para dirimir uma questão de extrema simplicidade, qual seja, decidir se a cláusula 10ª do pacto social dos Estatutos da B……… Lda. previa um balanço fiscal ou um balanço real conducente à determinação objectiva do real valor de liquidação da quota do ora recorrente, face ao exercício potestativo do seu direito de se exonerar da sociedade; balanço real foi aquele que a sentença de 1ª Instância proclamou; 14ª. Tal lapso de tempo decorrido é no seu conjunto excessivo e, por isso, há violação pelo Estado Português da norma do artigo 6º parágrafo 1 da CEDH (Convenção Europeia dos Direitos do Homem); 15ª. Também neste aspecto global da duração do processo, o ilícito do Estado Português é manifesto, quer no plano concreto do desrespeito dos prazos dos artº160º e 162º do CPC na prolação de despachos interlocutórios, quer na omissão genérica e grave de organizar o sistema judicial português, por forma a que se possa garantir a prolação em tempo razoável de decisão jurisdicional sobre as contestações de direitos e obrigações de natureza civil.

16ª. A ofensa à norma do artigo 6º, parágrafo 1 da CEDH assume-se como comportamento inconstitucional, já que a norma tem natureza e densidade constitucionais por força do artigo 22º da Constituição. E a sua natureza substantiva é irrecusável; 17ª. A duração do processo e os atrasos imputáveis aos Tribunais no âmbito dos processos 14/82 e 14-C/82 da Comarca de Alcanena permitiram que a intencional, dolosa e progressiva descapitalização de B……… Lda., levada a cabo pelos seus gerentes, que tinham plena consciência do desfecho do processo, culminasse com declaração judicial da sua falência em 3/03/2001. Tal duração e tais atrasos não assim meras condições da impossibilidade de o recorrente e sua Esposa cobrarem o seu crédito, antes constituem causa adequada da produção do dano.

18ª. B……… Lda., se fosse confrontado no início de 1987 (data em que o direito do recorrente estaria definido se não fora o atraso de 19 anos e meio do processo) teria tido meios para pagar a dívida, já que naquela data gozava de desafogada situação financeira, com larguíssimo crédito na praça e com prestígio dentro e além fronteiras, mesmo antes da globalização que hoje nos é imposta; 19ª. O excesso de prazos imputável aos Tribunais no caso do processo 14/82, nas suas duas fases, não pode ser considerado indiferente para a produção do dano, não podendo nem devendo ser convolado para a categoria lógico-normativa de mera condição dele. Ou seja, o comportamento do Estado (má administração da Justiça) e atenta a falência de B……… Lda., foi condição sem a qual o dano se não teria verificado; 20ª. Tal condição foi assim causa adequada da produção dos danos; dano material que foi fixado pelo tribunal de Alcanena em € 2. 253.836,82 referido a 31.12.2006 (actualizável pelos coeficientes de inflação e de desvalorização da moeda referidos ao momento do pagamento) e dano moral que o recorrente sofreu devido à longa espera de 7155 dias de excesso de prazos na prolação de despachos interlocutórios e do despacho de fixação do valor da quota do recorrente, pela dependência económica envergonhada a seu familiares que o ajudaram e pela renúncia forçada ao seu anterior nível de vida. Dano moral que computa em € 250.000,00.

21ª. Configura-se...

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