Acórdão nº 0748/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução07 de Novembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.

A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fls. 115 e segs. dos autos, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que A……., S. A., com os demais sinais dos autos, deduziu contra os actos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios referentes aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2003, no montante global de € 134.813,99.

1.1. Terminou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra as Liquidações Adicionais de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos Juros Compensatórios, relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro do exercício do ano de 2003, cujo montante global ascende a 134.551,01 euros (que corresponde ao valor peticionado de 134.813,99 euros, deduzido do valor dos juros compensatórios devidos pela Impugnante de 262,98 euros), por erro nos pressuposto de direito em violação dos n.ºs 29 e 33 do artigo 9.º do Código do IVA [actuais n.ºs 28 e 32, do artigo 9.º].

II. Para assim decidir entendeu o Tribunal a quo que, «… assiste razão à Impugnante quando defende que a venda dos salvados adquiridos em resultado de contratos de seguro realizados com os seus segurados, integra o conceito do bens exclusivamente afectos a actividade isenta, nos termos e para os efeitos dos nºs 29 e 33, do artigo 9.º do CIVA, motivo pelo qual as liquidações impugnadas padecem de ilegalidade, por violação dos citados normativos, o que acarreta a sua anulação, com a consequente restituição do imposto e juros compensatórios indevidamente pagos.».

III. Com o consequente direito ao recebimento dos peticionados juros indemnizatórios.

IV. Ressalvado o sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, com fundamento em erro de julgamento - de direito -, pelas razões que passa a expender.

V. A questão controvertida prende-se objectivamente com o entendimento sobre quais as normas aplicáveis em sede de IVA, às operações de venda de «salvados» realizadas por companhias de seguros - como a aqui recorrida, descritas no Ponto III - 2.2 do Relatório de Inspecção Tributária elaborado a 06.01.2006, sobre que recaiu o Despacho de 26.01.2006, que fundamentam as correcções e apuramento do imposto em falta no valor de 123.167,46 euros.

VI. Sobre esta matéria o Despacho n.º 1854/2002-XV, de 18-12-2002, do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), que confirmou a Informação n.º 1765, de 30.09.1999, da Direcção de Serviços do IVA, com Despacho concordante do Sr. Subdiretor-Geral da, à data, DGCI, de 06.10.1999, estará na origem de correcções que têm originado situações sucessivas de contencioso, como a presente.

VII. Através do citado Despacho N.º 1854/2002-XV, o SEAF fixou a seguinte doutrina: «Em relação aos bens em que o segurado, seu anterior proprietário, era um não sujeito passivo de IVA ou, sendo-o, não deduziu o imposto referente à sua aquisição, por ser excluído desse direito, face ao disposto na artigo 21º do CIVA, poderá ser aplicável o regime de tributação pela margem, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 199/96, de 18 de Outubro. Em relação aos bens em que o direito à dedução foi exercido e em que foi liquidado imposto à companhia de seguros, a venda do salvado deverá ficar sujeita a imposto nos termos gerais».

VIII. Estão em causa as situações resultantes «de sinistros», em que se verifica a perda total dos veículos e as companhias seguradoras são obrigadas a indemnizar, em termos monetários, o lesado, mediante o pagamento do valor total do veículo segurado. Mais concretamente, as circunstâncias em que aquelas entidades acordam com os seus segurados e/ou outros lesados, para além de uma indemnização em dinheiro, tomar os veículos sinistrados, procedendo posteriormente à venda dos mesmos no estado em que os adquiriram.

IX. Segundo o artigo 13º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23.02, que procedeu à revisão do Código da Estrada, o «salvado» abrange o veículo a motor que, em consequência de acidente, entre na esfera patrimonial de uma empresa de seguros por força de contrato de seguro automóvel e tenha sofrido danos, que afectem gravemente as suas condições de segurança; ou cujo valor de reparação seja superior a 70% do valor venal do veículo à data do sinistro.

X. De harmonia com o disposto no artigo 566º do Código Civil, a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou essa reparação seja excessivamente onerosa para o devedor. Nestes casos, estabelece-se uma relação jurídica entre o lesado e a seguradora, com vista ao pagamento da indemnização, podendo haver a transferência do «salvado» da titularidade daquele para a titularidade desta.

XI. A posterior venda desse «salvado», por parte da companhia de seguros, contra o pagamento de um preço por parte dos seus adquirentes, não pode deixar de configurar uma verdadeira transmissão de bens, e como tal, sujeita a IVA.

XII. Com efeito, nos termos do artigo 3.º do CIVA, considera-se transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade. Uma transmissão de bens realizada, por um sujeito passivo, em território nacional, face às normas de incidência deste diploma legal, é sujeita a IVA.

XIII. A redacção do artigo 9.º, nºs 29 e 33 do CIVA (na redacção então vigente), foi integralmente transposta do texto do artigo 13º, ponto B, alínea a), da Directiva 77/388/CEE (Sexta Directiva), do Conselho de 17 de Maio de 1977 [actual alínea a) do n.º 1 do artigo 135º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA]. Todavia, o legislador fiscal não define o que se deve entender por «operações de seguro e resseguro».

XIV. No que se refere à actividade seguradora e resseguradora, de harmonia com artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 94-B/98 de 17.04, «As empresas de seguros..., são instituições financeiras que têm por objecto exclusivo o exercício da actividade de seguro directo e ou de resseguro, salvo naqueles ramos ou modalidades que se encontrem legalmente reservados a determinados tipos de seguradoras, podendo ainda exercer actividades conexas ou complementares de seguro ou resseguro, nomeadamente no que respeita a actos e contratos relativos a salvados…»; XV. A Informação n.º 1279 de 23 de Fevereiro de 1998, da Direcção de Serviços do IVA, no Ponto 3, esclareceu que, «cabem no âmbito da isenção referida apenas as operações de seguros e resseguro e as prestações de serviços conexas efectuadas pelos corretores e intermediários de seguros. Não poderão enquadrar-se no seu âmbito quaisquer outras operações realizadas a título complementar da actividade seguradora, ainda que isentas plenamente no objecto da entidade seguradora, não tenham conexão directa com aquelas operações».

XVI. No ponto 4 da mesma Informação, explica-se que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não se verificasse a lesão (artigo 563° do Código Civil). A aquisição das viaturas sinistra das por parte das seguradoras e sua posterior revenda é efectuada no âmbito da livre negociação comercial não é inerente às operações de seguro e resseguro, cujas obrigações resultam do cumprimento de obrigações de responsabilidade civil (não comercial) extracontratual.».

XVII.

No Acórdão de 3 de Março de 2005 (Publicado em: http://europa.eu/index_pt.htm), in Proc. C-472/03, Arthur Andeen, o TJCE declarou que: «O artigo 13°, 8, alínea a), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de, Maio de 1977 [actual alínea a) do n.º 1 do artigo 135º da Directiva 2006/112/CE do sistema comum do IVA], deve ser interpretado no sentido de que actividades de «back office», que consistem em prestar serviços, mediante remuneração, a uma empresa de seguros, não constituem prestações de serviços relacionadas com operações de seguro efectuadas por corretores ou intermediários de seguros, na acepção desta disposição.».

XVIII.

No Sumário do dito Acórdão, pode ler-se a seguinte fundamentação: «Com efeito, na medida em que, por um lado, os referidos serviços apresentam especificidades, como a fixação e o pagamento das comissões de intermediários de seguros, o acompanhamento dos contactos com estes, a gestão dos aspectos ligados ao resseguro assim como ao fornecimento de informações aos intermediários de seguros e à Administração Fiscal, e em que, por outro não existem aspectos essenciais de função de intermediação no ramo dos seguros, tais como a angariação de clientes e o estabelecimento de relações entre, estes e o segurador, as actividades em causa devem ser analisadas como uma forma de cooperação que consiste em ajudar a empresa de seguro na realização de actividades que incumbem normalmente a esta última, sem manter relações contratuais com os segurados,…» XIX. No mesmo Acórdão, n.º 24, o TJCE começa por recordar que «os termos utilizados para designar as isenções visadas no artigo 13° da Sexta Directiva [actuais artigos 131º a 135º e 137º da Directiva 2006/112/CE do sistema comum do IVA] são de interpretação estrita, dado que essas isenções constituem derrogações ao princípio geral de acordo com o qual o IVA é cobrado por cada prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito...

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