Acórdão nº 01435/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelFERNANDA MAÇÃS
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I- RELATÓRIO 1.

A Fazenda Pública não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……. S.P.A., por incorporação da B….. (B……), identificada nos autos, contra a liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) por retenção na fonte referente aos exercícios de 2003 e 2004, interpôs recurso jurisdicional no Tribunal Central Administrativo Norte, formulando as seguintes conclusões: “A. O presente recurso tem por objecto a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado em 27/04/2007, deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) por retenção na fonte, referentes aos exercícios de 2003 e 2004, nos montantes de €525.273,86 e € 590.933,10, respetivamente.

B. Na douta sentença recorrida, o Tribunal fixou a única questão a decidir — aferir da conformidade ao princípio da livre circulação de capitais, previsto no artigo 56.° do TCE, das liquidações de imposto por retenção na fonte sofridas pela B……, aquando das distribuições de dividendos pelo C……, SA, praticadas ao abrigo do disposto nos artigos 4.°, n.° 3, alínea c), subalínea 2) e 80°, n.º 2, alínea c) do Código do IRC (as disposições normativas respeitantes ao IRC são aquelas em vigor à data dos factos).

De facto, C. a sentença recorrida refere que “No caso sub judice atendendo às retenções na fonte operadas em 29/04/2003 e 10/05/2004, sobre os dividendos distribuídos à impugnante pelo C……, SA, por virtude de a impugnante ser uma sociedade não residente em Portugal, mas sediada em país da UE (Países Baixos), importa aferir da conformidade ou não, dessas retenções na fonte, com o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do TCE face ao primado do direito comunitário na ordem interna, por via do artigo 8. n.° 4 da CRP — tendo em conta o regime resultante dos artigos 80. n.° 2, alínea c) do CIRC e 10.° n.° 2 da CEDT Portugal/Países Baixos.”, D. Deste modo, continua a sentença, “Resulta da matéria assente que a B…… quer em 2004-04-29 (aqui, por lapso na sentença, deveria dizer-se 2003 e não 2004 — cfr. ponto 6 dos factos provados), quer em 2004-05-10, detinha uma participação direta na sociedade C……, SA, correspondente a 8,64% do respetivo capital social, não se aplicando por isso o regime de isenção previsto no art.° 14.º n.° 3 do CIRC. Igualmente não é legalmente admissível que a B….. obtenha a restituição do imposto retido, por via do disposto no artigo 89.º do CIRC.

E. O que significa que se em lugar da B….., os dividendos fossem distribuídos a uma sociedade residente em Portugal, colocada na mesma situação para efeitos de tributação em IRC, verificar-se-ia que a esta seria aplicável o regime de dispensa de retenção prevista no art.° 90.º n.° 1, alínea c) do CIRC, na redação da Lei n.° 109-B/2001, de 27.12.”.

Ainda mais refere a sentença que, F. “Ora, do supra exposto resulta que a jurisprudência comunitária mencionada é suscetível de aplicação à situação em apreciação nos autos, (...), não sendo possível à impugnante pedir a restituição à AT, nem ser possível deduzir o imposto pago no país da residência” (sublinhado nosso), concluindo que, G. “Subsumindo ao caso em apreciação, verificamos que nos anos de 2003 e 2004, o imposto retido na fonte em Portugal, aquando da distribuição de dividendos, detidos à mais de um ano e que não foram objecto de imputação nos Países Baixos, não havendo lugar à aplicação do artigo 24. n.° 4 da CDT Portugal/Países Baixos, não se verificando, no caso, possível dupla tributação económica que possa ser fundamento da retenção na fonte (sublinhado nosso).

H. Com o devido respeito que nos merece, que é muito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, com o doutamente decidido.

I. Na decisão vertida na sentença recorrida, constata-se que o C….., SA, sociedade residente em território nacional, distribuiu dividendos a uma sociedade, detentora de 8,64% do seu capital, a B……, com sede na Holanda.

J. Em matéria de retenções na fonte, foi celebrado entre Portugal e o Reino dos Países Baixos, Convenção para evitar a Dupla Tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 32/2000, de 12 de Julho.

K. Como a participação da B….. era inferior a 10%, não se encontravam cumpridos os requisitos necessários para a isenção de IRC prevista no art.° 14°, n.° 3 do CIRC, na redacção dada ao normativo, aplicável à data dos factos.

L. Assim, foi efetuada a retenção na fonte por parte do C……, à taxa prevista na convenção, de 10%.

M. Sucede que uma sociedade residente, nas mesmas condições da impugnante, podia deduzir todo o imposto retido, nos termos do art.° 46.° do CIRC.

N. Por outro lado, a B…… não estava em condições de obter a restituição do imposto retido, nos termos do art.° 89.° do CIRC.

O. Ou seja, perante as disposições legais em vigor à data dos factos, a impugnante viu ser-lhe retido um imposto à taxa de 10%, conforme CDT; essa retenção não estava isenta (art.° 14.°, n.° 3 do CIRC) nem estava em condições de obter a restituição do mesmo (art.° 89.° do CIRC); caso a impugnante fosse uma sociedade residente, não haveria lugar a retenção na fonte, nos termos do art.° 46.° do CIRC.

P. Esta situação, configura uma discriminação injustificada em função da residência, situação proibida pelo art.° 56.° do TCE, constituindo uma restrição à livre circulação de capitais.

Q. Relativamente às liquidações/retenções efetuadas, a sentença decidiu pela anulação das mesmas, alegando vício de violação de lei, por violação do princípio da livre circulação de capitais, ao abrigo do disposto no art.° 56.° do TCE, R. fundamentando a sua decisão no primado do Direito Comunitário sobre as normas nacionais (art.° 8.° da CRP) bem corno, nos acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades, Processo C-379/05, de 2007/06/07; Processo C-487/08, de 2010/06/03 e; Processo C-199/10, de 2010/11/22 e, no Acórdão do STA de 2011/06/01, recurso n.° 01/09.

S. Com efeito, o que ressalta da jurisprudência referida é que (...) os artigos 56.º e 58.º CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime fiscal resultante de uma convenção para evitar a dupla tributação celebrada entre dois Estados-Membros que prevê uma retenção na fonte de 15% (no caso da sentença, 10%) sobre os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede num Estado-Membro a uma sociedade beneficiária com sede noutro Estado-Membro, quando a regulamentação nacional do primeiro Estado-Membro isenta desta retenção os dividendos pagos a uma sociedade beneficiária residente. Só assim não será se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido no segundo Estado-Membro até ao montante da diferença de tratamento. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa neutralização da diferença de tratamento é realizada pela aplicação do conjunto das estipulações da convenção para evitar a dupla tributação.

T. Assim, para garantir o cumprimento das obrigações resultantes do Tratado, a CDT entre Portugal e os Países Baixos tinha que reunir os seguintes requisitos: (i) A convenção para evitar a dupla tributação tem de permitir compensar os efeitos da diferença de tratamento decorrentes da legislação nacional; (ii) Isso só se verifica se o imposto retido na fonte puder ser imputado no imposto devido noutro Estado-Membro até ao montante dessa diferença de tratamento; (iii) Só assim é que a diferença de tratamento entre os dividendos distribuídos a sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros e os dividendos distribuídos às sociedades residentes desaparece totalmente; (iv) Para o efeito, compete ao órgão jurisdicional de reenvio (neste caso, o TAF do Porto) averiguar se a legislação holandesa permite essa imputação/recuperação, ou seja, se a retenção do imposto em Portugal sobre os dividendos distribuídos pelo C…… à impugnante pode ser recuperada pela entidade beneficiária dos dividendos, atento o regime jurídico aplicável.

U. Ora, apesar de na sentença recorrida, se fazer alusão ao facto de a impugnante não poder deduzir o imposto no país de residência, a Fazenda Pública não consegue vislumbrar, nem na matéria de facto provada, nem em qualquer diligência levada a cabo pelo Tribunal, prova de que a impugnante não possa deduzir o imposto no estado de residência.

V. Por outras palavras, não está provado na sentença ora recorrida, que a legislação dos Países Baixos impeça a dedução do imposto retido, não se encontrando referido em nenhuma parte da sentença recorrida, qual o diploma ou norma legal dos Países Baixos que permita a Meretíssima Juiz a quo concluir, como concluiu, não (...) ser possível deduzir o imposto pago no país da residência e, (...) que não foram objecto de imputação nos Países Baixos, W. nem tão pouco se encontra nos autos, qualquer diligência levada a cabo pelo Tribunal, junto da Administração Fiscal Holandesa, no sentido de obter essa prova. Talqualmente se prescreve no Acórdão de 22/11/2010 do TJUE, Processo C-199/l0, e no Acórdão do STA de 2011/06/01, recurso n.° 01/09.

X. Deste modo, a sociedade residente que pagou os dividendos à impugnante, cumpriu as normas do direito português, as normas da CDT bem como, as normas do tratado da União Europeia, não agindo de forma discriminatória para com a sociedade não residente, talqualmente pretende demonstrar a impugnante.

Y. Nesta medida, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser revogada, considerando-se a impugnação totalmente improcedente.

Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT