Acórdão nº 0499/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução12 de Setembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA CIÊNCIA veio interpor recurso nos termos do art. 150º do CPTA do acórdão do TCA Sul, de 20.12.2012, que negou provimento ao recurso jurisdicional que deduzira da decisão do TAC de Lisboa que, no âmbito da Intimação para a Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias proposta por A…………………..

e OUTROS, por sentença de 21.6.2012, decidiu intimar a Autoridade Requerida, no âmbito das suas legais competências, a desaplicar o regime legal decorrente do Decreto-Lei 42/2012, de 22.2, aos Requerentes, quer quanto a actos passados, quer para o futuro, no âmbito do ano lectivo de 2011/2012.

O Recorrente alegou, formulando as seguintes conclusões:

  1. Encontram-se reunidos os requisitos exigidos pelo n° 1 do artigo 150° do CPTA para a admissão do presente recurso de revista considerando que estamos perante uma questão de relevante matéria social e jurídica cuja esfera de interesses e impacto da mesma ultrapassa largamente a esfera de interesses privados dos ora recorridos, sendo ainda a admissão deste necessária para uma melhor aplicação do direito.

  2. O tribunal a quo deveria ter julgado procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal administrativo por o presente litígio não emanar de uma relação jurídica administrativa porquanto não houve nenhuma actuação material ou jurídica concreta, por parte da Administração, ora recorrente, que permita concluir que efectivamente se está perante uma relação jurídica administrativa, e por a presente acção ter por fim a desaplicação de um diploma legal (o Decreto-Lei n° 42/2012) sendo que não cabe aos Tribunais Administrativos ordenar a desaplicação directa de norma legislativa, sob pena de violação do disposto no artigo 4° n° 2 al. a) do CPTA; C) Existe uma impossibilidade originária de admissibilidade da acção de intimação porquanto não se verificam preenchidos os requisitos de que depende o recurso à acção de intimação para a protecção dos direitos liberdades e garantias na medida em que: a. era possível e suficiente, através do recurso a uma tutela cautelar provisória, ao abrigo do disposto no artigo 131° do CPTA, acompanhada da respectiva acção principal, salvaguardar a pretensão dos recorrentes.

    1. não se verifica a violação de um direito liberdade ou garantia ou direito análogo, designadamente, do direito de acesso ao ensino superior em condições de igualdade de oportunidades e de êxito, plasmado no artigo n° 74°, n° 1 e 2 al. d) da Constituição, conforme se retira da jurisprudência constitucional, designadamente da constante do Ac. N° 176/2012.

  3. Ao entender que se encontravam reunidos os pressupostos para o recurso à acção de intimação de protecção dos direitos, liberdades e garantias, o tribunal a quo, manteve a aplicação incorrecta de tal tutela jurisdicional, em violação do disposto no artigo 109° do CPTA.

  4. A alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei n° 42/2012, não violou o princípio da protecção da confiança, constante do artigo 2° da CRP, porquanto da parte dos recorridos existia apenas a mera expectativa de aceder ao ensino superior sem a obrigatoriedade de realizar exames nacionais para conclusão do ensino secundário, devendo estes interesses ceder face ao interesse público subjacente.” Os Recorridos contra-alegaram, vindo a concluir como segue: 1. O tribunal de Iª Instância e o Tribunal Central Administrativo Sul decidiram exactamente da mesma forma, pelo que estamos perante dupla conforme o que limita o recurso extraordinário à verificação dos requisitos do n° 1 do art.° 150º do CPTA.

    1. Teria assim, o recorrente de justificar e provar estar em causa um dos requisitos previstos no referido preceito legal o que de todo não é cumprido. E, 3. Sendo assim, não estando preenchidos os requisitos previstos no art.° 150º, n° 1 do CPTA, não deve sequer ser admitido o presente recurso.

      No mais continua a entender-se 4. Perante a omissão de regime transitório que obviasse à aplicação do DL 42/20 12 aos AA, caberá ao intérprete, neste caso à Recorrente, fazê-lo, nos termos do art. 9.° do CC, sob pena de, com a aplicação do regime legal entrado em vigor a meio do ano lectivo, violar insuportavelmente os direitos dos AA.

    2. Neste sentido decidiu bem, também, o tribunal a quo.

    3. O objecto da vertente intimação é, pois, a errónea interpretação dada pela Recorrente ao DL 42/2012, ao abrigo da qual retira consequências para os alunos inscritos no presente ano lectivo do ensino recorrente. Em causa está a relação jurídico-administrativa estabelecida entre os AA e a Recorrente, na definição das condições de avaliação e certificação dos cursos cientifico-humanísticos do ensino recorrente, no cumprimento do DL 42/2012.

    4. Não o fazendo por sua iniciativa, deverá o tribunal condenar a administração a fazê-lo, proibido que está, aliás, de aplicar normas julgadas inconstitucionais nos termos do art. 204.° da CRP.

    5. O objecto da acção não viola, naturalmente, o princípio da separação de poderes, como parece pretender a recorrente. A fiscalização da constitucionalidade das leis é um poder/dever dos tribunais, nos termos do art. 204.° da CRP, pelo que a obrigatoriedade de cumprimento pela administração de uma decisão jurisdicional não viola o princípio da separação de poderes.

    6. Não se Vislumbra qualquer razão para se arguir a incompetência absoluta do tribunal administrativo, porquanto tal como se deixou bem presente nos autos, assim o admitindo a sentença da 1ª instância e o acórdão ora sindicado.

    7. Razões não restam para de forma clara entender quer o pedido quer as decisões aqui sob mérito. De facto, a relação em equação, não é outra que não administrativa.

    8. Por outro lado, o que está em causa não é a desaplicação de diploma legal, outrossim como se referiu supra - conclusões 4 e 6 - trata-se apenas de dar correcta interpretação à norma.

    9. Para justificar o recurso a este meio processual urgente haverá que invocar (e provar) a existência de uma ameaça a um direito fundamental tutelado constitucionalmente.

    10. Ameaçados neste caso estão os direitos, liberdades e garantias do ora AA., em especial, a liberdade de aprender e de ensinar, prevista no art. 43.° da CRP, bem como o direito ao ensino, previsto no art. 74.°.

      Além disso, 14. No que tange ao requisito de subsidiariedade, nenhum outro meio processual poderá adequadamente satisfazer a pretensão dos AA, assim se cumprindo o requisito de subsidiariedade, previsto no art. 109.° do CPTA, para a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

    11. O recurso a um meio cautelar que vincule a administração a uma interpretação legal não é solução, nem para a satisfação da pretensão dos AA nem do interesse público, uma vez que pode sempre ser revogada em processo principal. Pelo decretamento de uma providência cautelar que satisfizesse a pretensão dos ora AA esgotar-se-ia o objecto da acção principal.

    12. Em sentido inverso, o eventual não decretamento de uma tal providência cautelar não permitiria assegurar o efeito útil de uma decisão favorável aos alunos ora AA no processo principal, pelo decurso do tempo.

    13. Esta é, assim, a situação de urgência típica que justifica o recurso a esta intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias.

    14. Desta sorte não é correcto afirmar-se como pretende concluir o recorrente que o tribunal a quo mantém a aplicação incorrecta da tutela jurisdicional em violação do art.° 109°, do CPTA, já que, ao invés fez correcta interpretação da norma vinda de referir.

    15. Como ficou demonstrado, outro meio não seria nem teria a eficácia pretendida e necessária a uma eficaz aplicação do direito.

      Aliás, 20. Substantivamente, em causa está a previsão constitucional do: 1. Princípio da igualdade, no art.° 13.° da CRP; 2. Proibição de aplicação retroactiva da lei restritiva de direitos fundamentais, nos termos do art.° 18.°, n.° 2 da CRP; 3. Princípio do estado de direito, nos termos do art.° 2.° da CRP.

    16. Ao alterar para os AA a regras “a meio do jogo”, contrariamente aos alunos do ensino regular que mantêm essa estabilidade desde o início do ano lectivo, viola o Estado, neste caso no exercício da função administrativa, o PRINCÍPIO DA IGUALDADE NO ACESSO AO ENSINO (art. 13.° e art.s 43.° e 74.° da CRP).

    17. São, por isso, irrelevantes as considerações da Ré quanto à “ratio do ensino recorrente”, uma vez que, independentemente da bondade destas alterações, estas não podem é ser opostas aos alunos já inscritos no presente ano lectivo segundo um regime de avaliação entretanto alterado.

    18. A aplicação desta alteração legislativa a alunos já inscritos no ensino recorrente viola também a garantia de não retroactividade da lei restritiva de direitos fundamentais, prescrita no art. 18.°, n.° 2 da CRP.

      Mesmo que assim não se entenda, 24. A proibição de retroactividade dever-se-á considerar estendida aos casos de “retroactividade inautêntica” ou retrospectividade, cominando a interpretação da Recorrente com a mesma inconstitucionalidade.

      Sem prescindir, 25. Uma tal intervenção retrospectiva do legislador será, sem qualquer dúvida, inconstitucional por violar o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito, consagrado no ad. 2° da Constituição.

    19. A aplicação da alteração legislativa aos alunos já inscritos no curso científico-humanístico do ensino secundário recorrente implica, nas relações e situações jurídicas já antecedentemente constituídas, uma alteração inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente.

    20. Os alunos constituíram situações jurídicas irreversíveis ao abrigo da legislação mantida, durante largos anos, pelo Estado, incorrendo, inclusivamente, em consideráveis despesas, com taxas, emolumentos e alteração de residência para prosseguimento de estudos. Mais do que estas despesas, comprometeram opções de vida, com a inscrição no ensino recorrente, que são agora irreversíveis.

    21. Por todas estas razões, deverá...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT