Acórdão nº 0815/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Janeiro de 2014

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução15 de Janeiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 42/08.8BEPDL 1. RELATÓRIO 1.1 A Fazenda Pública (a seguir Recorrente) recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo (1) (Apesar de nem no requerimento de interposição do recurso nem nas alegações se identificar o tribunal para que recorre, irregularidade que o Tribunal a quo não cuidou de suprir, a Fazenda Pública veio ulteriormente,na sequência da notificação que para aquele efeito lhe foi endereçada pelo Supremo Tribunal Administrativo (cfr. despacho de fls. 409), indicar ser este o tribunal ad quem.

) da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade denominada “A……, S.A.” (a seguir Impugnante, Recorrida ou, abreviadamente “A…….”) contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada na sequência de duas correcções à matéria tributável declarada por a Administração tributária (AT) não ter aceitado como custos fiscais do exercício de 2003 duas verbas referentes, uma ao montante (€ 1.378.437,98) declarado como “reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito” e, a outra, à perda declarada (€ 4.177.445,80) em resultado de um acto de infidelidade de um colaborador.

O Juiz do Tribunal a quo, anuindo à tese sustentada pela Impugnante, anulou a liquidação impugnada. Para tanto, em síntese, quanto à primeira das referidas correcções, e após ter levado aos factos que deu como provados que o valor contabilizado como reforço da provisão para riscos gerais de crédito «é o resultado ou saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003» (cf. n.º 2 dos facto provados, a fls. 3 da sentença), considerou que, apesar de o montante em causa ter sido contabilizado como provisão do exercício para riscos gerais de crédito, «a verdade é que a impugnante demonstra que tal é inexacto, pois o mesmo corresponde ao saldo de um conjunto de movimentos contabilísticos efectuados no exercício de 2003, qualificáveis como reforço de provisões específicas efectuadas no âmbito de disciplina definida pelo Banco de Portugal», motivo por que «caem no âmbito da previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC e não podem ser excepcionadas dela, já que não consubstanciam “provisões para riscos gerais de crédito”»; quanto à segunda daquelas correcções, que as mesmas não se referem a indemnização alguma, mas apenas a perdas resultantes da reposição nas contas dos clientes dos montantes que dela foram desviados por um funcionário da Impugnante, pelo que «essas perdas devem ser incluídas na genérica previsão do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC», tanto mais que o risco decorrente desse facto não era susceptível de ser assumido pelas seguradoras, tudo como é jurisprudência dos tribunais superiores.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « 1. Em face do apresentado e de acordo com o descrito, nas presentes alegações a correcção à matéria colectável no valor de € 1 378 437,98 deverá ser de manter, uma vez que tal reforço não é dedutível face ao preceituado na alínea d) do n.º 1 do art. 34.º do Código do IRC (na redacção dada pelo art. 5.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29/12).

  1. A douta sentença recorrida considerou assistir razão à impugnante, quando existe um parecer elaborado pelo Centro de Estudos Fiscais a pedido da impugnante – pedido de informação vinculativa – onde após análise do caso conclui que as perdas resultantes da fraude cometida não devem ser aceites como componente negativa do lucro tributável por não se enquadrarem, nomeadamente, no previsto no art. 23.º e por estarem abrangidas pelo disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 42.º do Código do IRC.

    Pelo exposto e com mui douto suprimento de V Ex, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida».

    1.3 O “A….” apresentou contra alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: « 1. O presente recurso enferma de uma objecção ligada ao tribunal ad quem, porquanto não menciona o tribunal para o qual se recorre nem, bem assim, o despacho de admissão do recurso versa sobre esta matéria.

  2. No que se refere à matéria substantiva, o Recorrido considera que o recurso não tem qualquer fundamento de suporte.

  3. Com efeito, relativamente à questão do reforço da Provisão para Riscos Gerais de Crédito, ficou assente, nos autos de impugnação, que o mesmo, realizado no exercício de 2003, no montante de € 1.378.437,98, respeita, efectivamente, ao reforço de provisões específicas, fiscalmente dedutíveis e elegíveis como custo, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC, pelo que a decisão do tribunal a que compreende a correcta aplicação da lei à situação de facto, não podendo ser outra.

  4. A segunda questão, que constitui o objecto do recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública, relativa à perda patrimonial sofrida pelo Recorrido, a qual, no entender da Fazenda Pública, não se afigura passível de ser considerada como custo fiscal do exercício de 2003, porquanto: – configura uma indemnização; – não se apresenta indispensável para a obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora; e, – deveria ter sido objecto de seguro, por constituir “risco segurável”.

    Assenta em pressupostos de facto e de direito erróneos, pelas seguintes razões: a. A Fazenda Pública defende que a perda patrimonial sofrida pelo Recorrido resulta da reposição de verbas nas contas dos clientes e, nessa medida, assume a natureza de indemnização. Todavia, à luz do regime jurídico do contrato de depósito, os montantes depositados ficam na titularidade do depositário (in casu, o Recorrido), pelo que este, sujeito a uma perda patrimonial interna, limitou-se a cumprir a obrigação creditícia junto dos seus clientes (cfr. arts. 1205.º e 1206.º do Código Civil), ou seja, procedeu à restituição dos montantes desviados pelo seu colaborador, situação que não é configurável como indemnização, não lhe sendo aplicável o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC.

    1. Por outro lado, acresce que o risco associado a actos de infidelidade de colaboradores não era segurável pelas companhias de seguros a operar em Portugal à data dos factos. Concretamente, no ano 2003, afigurava-se difícil a contratação de uma apólice de seguro para cobrir o risco decorrente da prática de actos de infidelidade de colaboradores em virtude da inexistência de oferta no mercado segurador nacional e do elevado valor da franquia exigido para a celebração deste tipo de contrato de seguro, contratado internacionalmente.

    2. Acresce ainda que a Fazenda Pública está a exigir requisitos adicionais à dedutibilidade do custo que não encontram acolhimento no tipo legal (artigo 23.º do Código do IRC), nem remotamente, na sua letra, no seu espírito ou no seu elemento teleológico. Tais requisitos adicionais são (i) que as consequências da fraude inviabilizem a reposição, na sua totalidade, das verbas desviadas e (ii) que coloquem em causa a manutenção da actividade do Banco.

    3. Ademais, o próprio argumento em si afigura-se desprovido de qualquer racionalidade económica, uma vez que, na opinião da Administração Tributária, apenas se a perda se traduzisse na “falência” do sujeito passivo poderia ser a mesma aceite como custo.

    4. O Recorrido considera, ainda, que houve uma inversão da posição da Administração Tributária, quanto aos requisitos exigidos para a dedutibilidade dos custos em questão, situação que consubstancia a violação do princípio da confiança e da autovinculação da Administração Tributária.

      f. Salienta-se também que o princípio da não retroactividade, constitucionalmente consagrado no artigo 103.º, n.º 3 da CRP e no artigo 128.º do CPA, exige, quer na vertente subjectiva de protecção da confiança, quer na vertente objectiva de segurança jurídica, a não aplicação a procedimentos pretéritos de interpretações de normas tributárias que não eram as vigentes à data em que esses mesmos procedimentos tiveram lugar.

    5. Na opinião do Recorrido, o entendimento da Fazenda Pública colide, ainda, com o princípio da capacidade contributiva, na medida em que o fim visado com a alteração da posição pela Administração Tributária revela uma exclusiva e parcial procura de obtenção de receita fiscal, desligando-se do elemento racional, essência da tributação, que assenta o antedito princípio da capacidade contributiva. Neste domínio, o Recorrido alicerça-se no parecer do Professor Casalta Nabais (vide documento 1), emitido com referência a uma situação análoga à questão em análise.

  5. Em face do que antecede, o Recorrido considera que no caso vertente estão verificados os requisitos legais à dedutibilidade do custo previsto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, designadamente, a comprovação e a indispensabilidade. Com efeito, ficou assente nos autos de impugnação a existência da perda patrimonial, a qual se encontra intimamente associada à actividade produtiva desenvolvida pelo Recorrido, afigurando-se indispensável ao seu normal funcionamento e à prossecução da sua actividade comercial.

    Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, não deve ser dado provimento ao recurso deduzido pela Fazenda Pública, e se pugna pela manutenção da sentença recorrida».

    1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi notificada a Recorrente para indicar qual o tribunal para que pretendia recorrer – uma vez que nem essa indicação tinha sido feita no requerimento de interposição de recurso ou nas alegações, nem o Juiz do Tribunal a quo tinha suprido essa irregularidade –, tendo sido indicado o Supremo Tribunal Administrativo como tribunal ad quem.

    1.5 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no...

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