Acórdão nº 085/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

O DIRECTOR DE FINANÇAS DO PORTO recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente o recurso que A……. interpôs da decisão proferida em 22/06/2012 pelo substituto legal do Director de Finanças do Porto, e que lhe fixou, nos termos do art. 89º-A da Lei Geral Tributária, em € 56.000,00 o rendimento líquido a tributar em sede de IRS do ano de 2008.

1.1.

Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: a) Vem o presente recurso deduzido contra a sentença proferida a 18/09/2013 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que anulou na sua totalidade a decisão do substituto legal do Director de Finanças do Porto que determinou a avaliação indirecta da matéria colectável, referente a IRS de 2008, fixando rendimento líquido a tributar no montante de € 56.000,00, ao abrigo do disposto no art. 89º-A da LGT, por entender que a AT incorreu em erro quanto aos respectivos pressupostos legais e que não cabe aos Tribunais anular o acto sindicado apenas parcialmente.

Objecto do recurso b) A AT aceita o julgamento do tribunal “a quo” quanto à matéria de facto, considerando assente que o sujeito passivo justificou parcialmente a manifestação de fortuna relativa à aquisição em 2008 de um imóvel pelo valor de € 280.000,00 com o recurso a um crédito bancário de € 250.000,00.

c) A AT não se conforma com o julgamento em matéria de direito, por entender que a desconsideração da justificação parcial da manifestação de fortuna, em face da comprovada obtenção da importância de € 250.000.00 com recurso a empréstimo bancário, não determina a ilegalidade do acto sindicado por erro quanto aos pressupostos legais de que depende a avaliação indirecta em causa.

d) Mais pugnando inexistir qualquer ilegalidade por excesso de quantificação da matéria colectável decorrente daquela desconsideração, e ainda, a título subsidiário ou alternativo, que, a considerar-se o acto sindicado ilegal por erro de quantificação, tal ilegalidade não fere o acto no seu todo mas apenas na parte em que este desconsiderou para efeitos do cálculo do rendimento-padrão a justificação alcançada.

Pressupostos legais da avaliação indirecta e) Desde logo, a sentença recorrida entende que o acto sindicado é ilegal por não estarem reunidos os pressupostos legais que admitem a fixação de um rendimento padrão presumido.

f) Entende o Tribunal “a quo” que a justificação da importância de € 250.000,00 aplicada na aludida aquisição, para efeitos do ónus probatório do nº 3 do art. 89º-A da LGT, “impede a verificação do rendimento padrão presumido, e logo a tipicação material e subjectiva da regra de incidência do art. 89º-A/1 e 4 da LGT”, g) Julgando improcedente o pedido subsidiário ou alternativo efectuado pela AT de fixação de um rendimento padrão reduzido parcialmente “por consideração da questão dos 30.000,00 restantes (...) pois tal operação viola a norma de incidência do art. 89º/1 e 4 da LGT e 9º/1 do CIRS”, cfr. se lê a fls 3.

h) A AT discorda em absoluto deste entendimento, na esteira da jurisprudência do STA vertida no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19/05/2010, no processo nº 0734/09, pugnando pela tese de que a justificação parcial dos rendimentos em causa não é susceptível de afastar a aplicação do método indirecto previsto no art. 89º-A da LGT.

i) Em síntese, conforme referido no aludido acórdão, “Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna” pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna”.

j) Termos em que se conclui que a decisão da Administração Tributária em crise não incorreu em erro quanto aos pressupostos legais da avaliação indirecta prevista no n° 1 e n°4 do art. 89°-A da LGT.

Da quantificação da matéria colectável k) Não obstante a justificação parcial da manifestação de fortuna em causa, deverá o acto sindicado ser mantido na sua totalidade, por se entender que a justificação meramente parcial não é susceptível de influir na quantificação da matéria colectável a fixar por aplicação da tabela do nº 4 do art. 89º-A da LGT.

l) O método de tributação previsto no art. 89º-A da LGT pressupõe, por definição, a tributação de um rendimento cuja existência é fortemente indiciada, a partir de factos típicos como as manifestações de fortuna, mas cuja fonte ou natureza, assim como a sua quantidade, são desconhecidos.

m) Justamente, importa salientar que as manifestações de fortuna não são factos tributários, ou estaríamos perante uma tributação directa da despesa, o que não é o caso da norma em apreço.

n) As manifestações de fortuna são, isso sim, factos indiciadores de fraude ou evasão fiscais quando se verifica a desproporção com o rendimento declarado nos termos expressamente previstos na lei.

o) Ao justificar parte das manifestações de fortuna, o contribuinte não está a justificar parte do rendimento que se presume a partir da referida tabela, pois muito embora o cálculo do rendimento padrão seja proporcional ao valor das manifestações de fortuna, o objectivo daquele método de tributação é o de tributar ingressos de rendimento que tenham escapado à devida tributação, com vista a uma aproximação da realidade contributiva.

p) Na falta de outros indícios que, nos termos do art. 90º da LGT, permitam à Administração Tributária apurar matéria colectável em montante superior, a situação tributária do contribuinte, no ano em que ocorre a manifestação de fortuna, é apurada exclusivamente com base no rendimento padrão resultante da referida tabela e nunca em montante inferior, ainda que o contribuinte justifique parte da manifestação de fortuna.

q) É que subjacente ao método de tributação previsto no art. 89º-A da LGT está o desconhecimento da real capacidade contributiva do contribuinte, r) E uma justificação parcial da manifestação de fortuna não afasta o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte para efeitos de IRS, não afastando, por isso, a presunção de fraude e evasão fiscal e a consequente aplicação do padrão de rendimento apurado a partir da tabela do nº 4 do art. 89º-A da LGT, para a qual a lei não prevê qualquer redução.

s) Daí, também, uma certa vocação sancionatória do art. 89º-A da LGT sobre comportamentos que impedem a Administração Tributária de aceder à capacidade contributiva real dos contribuintes, tributando-os pelo rendimento padrão correspondente, fixado na referida tabela, sem mais considerações.

t) Mais, não existe qualquer violação ao princípio da igualdade tributária na interpretação da lei que aqui se advoga, pois das regras da experiência não decorre qualquer relação inversamente proporcional entre o montante de manifestação de fortuna justificado e o montante de rendimento que passa ter escapado à devida tributação, pois quer exista ou não uma justificação parcial, o que persiste é, ainda assim, o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte.

u) A presunção de um rendimento padrão, contida no art. 89º-A da LGT, é claramente uma presunção ilidível, através da prova da origem da totalidade dos fluxos financeiros que suportaram a totalidade do valor da manifestação de fortuna evidenciada, nos termos consignados no n°3 daquele normativo legal.

v) O entendimento que se defende com o presente recurso quanto à interpretação do art. 89º-A da LGT, mais concretamente sobre a quantificação da matéria colectável em face de uma justificação parcial da manifestação de fortuna, tem um relevante apoio quer na doutrina, quer na jurisprudência.

w) Sobre o entendimento contido no acórdão do STA de 19/05/2010, importa, ainda, referir que o mesmo não tem aplicabilidade ao caso em presença pois reporta-se a factos tributáveis anteriores à alteração introduzida ao nº 3 do art. 89º-A da LGT pela Lei nº 55-B/2004, de 30/12 (OE 2005).

x) Salvo melhor opinião, afigura-se que o legislador, ao deixar de fazer referência expressa naquele dispositivo legal à herança ou doação, rendimentos que o contribuinte não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, tal como vigorava na redacção anterior àquela alteração, terá pretendido atingir a real capacidade contributiva evidenciada com a aquisição da manifestação de fortuna através da prova de todos os recursos financeiros mobilizados para a aquisição da totalidade da manifestação de fortuna, na base da qual é calculado o rendimento padrão, aprofundando o propósito de combate à evasão e fraude fiscais subjacente ao art. 89º-A da LGT.

y) Termos em que se conclui que a decisão da Administração Tributária em crise, reunidos os pressupostos legais da avaliação indirecta com recurso ao rendimento padrão, não incorre em excesso de quantificação, devendo, como tal, manter-se na íntegra na ordem jurídica.

Anulação parcial do acto controvertido z) Sem prescindir, caso o Tribunal entenda existir excesso de quantificação da matéria colectável por desconsideração daquela justificação parcial, deverá o acto sindicado ser anulado apenas parcialmente, na parte justificada, e não na sua totalidade, anulando-se o acto de fixação do rendimento tributável na parte em que excede a quantia de 6.000,00 (20% / € 30.000).

aa) Por outras palavras, a considerar-se que o tributo deve incidir apenas sobre a parte da manifestação de fortuna não justificada, no montante de € 30.000,00 (280.000 -...

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