Acórdão nº 0127/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução06 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 407/13.3BELLE 1. RELATÓRIO 1.1 A……………… e B…………. (a seguir Executados, Reclamantes ou Recorrentes), invocando o disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamaram para o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé da decisão do Director de Finanças de Faro, que lhes indeferiu o pedido de anulação de venda de prédio efectuada no âmbito de um processo de execução fiscal.

Invocaram como fundamentos, em síntese, (i) a falta de fundamentação daquela decisão administrativa, (ii) a inaplicabilidade ao caso da redacção que foi dada ao art. 248.º do CPPT pela Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), sob pena de aplicação retroactiva da lei fiscal, em violação do disposto no art. 12.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (LGT) e nos arts. 2.º e 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e (iii) o enquadramento dos factos articulados pelos Reclamantes na previsão do art. 257.º do CPPT.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou improcedente a reclamação.

1.3 Os Reclamantes recorreram dessa sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o respectivo requerimento a motivação do recurso, que resumiram em conclusões do seguinte teor: « I - O processo executivo que está na base da reclamação realizada iniciou-se no ano de 2007 sendo que o processo de venda do imóvel se iniciou no ano de 2009.

II - O novo regime de venda decorrente da publicação da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, nomeadamente a nova redacção do artigo 248.º, art. 250.º, art. 255.º e art. 256.º do CPPT, não se aplica ao caso concreto.

II - [ (O n.º II encontra-se repetido, lapso que se repercutiu na numeração das conclusões seguintes.)] A aplicação imediata, ao caso concreto, do regime de venda que resultou da alteração decorrente da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levou a que a tal procedimento de venda padecesse de um vício formal.

III - Violou-se o artigo 12.º, n.º 3 da LGT.

IV - A aplicação imediata da nova lei ao caso concreto violou o art. 2.º e art. 103.º da Constituição da República Portuguesa.

V - Estão em causa os princípios constitucionais da proibição da retroactividade da lei fiscal e o princípio da protecção da confiança.

VI - A venda realizada enferma de vícios formais.

VII - A aplicação do regime decorrente do art. 126.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, afecta, de forma inadmissível e arbitrária, os direitos e expectativas do contribuinte.

VIII - A nova redacção do art. 248.º do CPPT, decorrente da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterou de forma substancial o processo e as condições de venda dos bens penhorados.

IX - Foram preteridas formalidades essenciais que influenciaram o resultado da venda.

X - A aplicação do novo regime ao caso concreto influenciou a decisão do processo e as ilegalidades cometidas condicionaram o rumo do processo executivo.

XI - É legítima a invocação efectuada (art. 257.º, n.º 1, alínea b) do CPPT).

XII - Tais factos também permitem enquadrar o pedido de anulação da venda no art. 257.º, n.º 1, alínea c) do CPPT e art. 909.º do CPC.

XIII - Tal venda é, também, por isso nula (art. 201.º e art. 909.º, n.º1, al. c) do CPC).

XIV - A decisão proferida pela Direcção de Finanças de Faro, no sentido de indeferir o pedido de anulação da venda por os fundamentos não se enquadrarem no vertido no art. 257.º do CPPT, para além de aplicar deficientemente o direito ao caso concreto, não se encontra fundamentada nos termos previstos no art. 77.º da LGT.

Nestes termos e nos melhores de direito, com o suprimento de V. Exa, deve ao presente recurso ser concedido provimento, revogando-se a decisão aqui recorrida e, em consequência, devem ser anulados todos os actos posteriores ao despacho que ordenou a venda por propostas em carta fechada, relativos ao acto da venda, nos termos do art. 201.º, n.º 1, em conjugação com o art. 909.º, n.º 1, al. c) ambos do CPC, e art. 257.º, n.º 1, al. b) e c) do CPPT, com fundamento na sua ilegalidade por ofensa da norma contida no art. 12.º da LGT, art. 2.º e 63.º da CRP e preterição de formalidade prescrita na lei […]».

1.4 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foram com vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao presente recurso com a seguinte fundamentação: «O recurso jurisdicional visa permitir a reapreciação das decisões judiciais por um tribunal de hierarquia superior.

Sendo objecto do recurso uma determinada decisão judicial, a função do tribunal ad quem, salvo no que concerne a questões de conhecimento oficioso, é uma função de controlo que se materializa na reponderação ou reexame de questões que tenham sido enfrentadas na instância recorrida.

Como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, IV vol., 6.ª edição, a pgs. 446 e 447, “(p)ara além de questões de conhecimento oficioso ou suscitadas pela própria decisão recorrida, as questões a tratar nas alegações deverão ter sido apreciadas na decisão recorrida.

Os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais (art 676.º, n.º 1, do CPC).

Por isso, têm por fim, para além de questões de conhecimento oficioso, a apreciação da correcção das decisões recorridas e não a produção de decisões, em primeiro grau de jurisdição, sobre matérias não conhecidas por elas”.

No presente recurso, para além da questão da fundamentação do despacho reclamado, o que os recorrentes questionam é a aplicação imediata, ao caso concreto, do regime de venda que resultou da alteração decorrente da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dez.

Ora, na decisão recorrida o que foi apreciado, em conformidade com o peticionado na petição de reclamação, foi a questão da aplicabilidade imediata da Lei n.º 64-B/2011, de 31 de Dez., tendo sido a esse propósito produzidos um conjunto de argumentos que assentaram no cotejo entre a redacção das normas em causa operada por aquela Lei e a redacção anterior, justamente aquela que decorria da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro. Não se pronunciou o tribunal a quo sobre a aplicabilidade imediata do regime de venda decorrente desta última Lei nem sobre as implicações decorrentes das alterações por ela introduzidas face às redacções anteriores dos preceitos em causa.

Assim, salvo melhor entendimento, a questão ora suscitada apresenta-se como um questão nova sobre a qual este Supremo Tribunal não se deverá pronunciar, sob pena de supressão ou preclusão de instância decisória.

No que respeita à questão da fundamentação considero que não assiste razão aos recorrentes.

Com efeito, como se refere na sentença recorrida, a fundamentação do despacho reclamado permite reconstituir o iter cognoscitivo do seu autor.

O vício da falta de fundamentação é de natureza formal e não substancial, enfermando o acto de falta ou insuficiência de fundamentação quando não externa de modo claro, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que o determinaram e o seu sentido decisório.

Como é jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal expressa, designadamente, no douto Acórdão do Pleno da Secção do CA de 24.11.1994 - Rec. n.º 26573, “(a) fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, supostamente na posição do interessado em concreto, atentas as suas habilitações literárias e os seus conhecimentos profissionais, o tipo legal do acto, os seus termos e as circunstâncias que rodearam a sua prolação, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão”, aferindo-se a suficiência da fundamentação pela possibilidade do contribuinte poder reagir contra o acto em causa, através dos meios administrativos ou contenciosos que lei coloca ao seu dispor.

Ora, mesmo abstraindo das concretas circunstâncias do caso, tem-se por manifesto que o discurso fundamentador em causa cumpre as exigências legais da fundamentação dos actos administrativos, sendo perfeitamente esclarecedor para um normal destinatário da razão de ser do despacho reclamado. Descrevendo-se, com base no art. 257.º do CPPT, quais os fundamentos que no entender do autor do acto podem suportar o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT