Acórdão nº 01097/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução29 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A……….. propôs acção administrativa especial, no TAF do Porto, pedindo a anulação a deliberação da Câmara Municipal do Porto, de 03/07/2007, que o puniu com a pena de demissão, invocando a verificação dos vícios de forma, de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de violação do princípio da proporcionalidade.

O TAF julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido.

Todavia, o TCAN, pelo acórdão de 19/10/2013, concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido e anulou o acto impugnado.

É deste Aresto que, nos termos do artº 150º do CPTA, vem o presente recurso de revista onde se formularam as seguintes conclusões: I. A presente revista é admissível por envolver a apreciação de questões jurídicas complexas de interesse geral que muito extravasa o litígio subjacente aos autos, por ser necessária para uma melhor aplicação do Direito, mormente afirmando-se a irrelevância probatória da afirmação da parte (in casu, o Recorrido) para afirmar existência de erro quanto aos pressuposto de facto por parte da Administração, bem como para manter a melhor interpretação e aplicação do Estatuto Disciplinar quanto a um dever tão nevrálgico como é o dever de obediência e preservar a linha jurisprudencial pie vem merecendo sufrágio em sede disciplinar, por exemplo, (i) na afirmação de não ser necessária certeza absoluta, mas apenas jurídica na aplicação da sanção; (ii) na restrição da análise judicial ao erro grosseiro, ao desvio de poder ou ao incorrecto enquadramento jurídico dos factos, mas sem beliscar a livre apreciação e ponderação da prova pela Administração (remete-se aqui para o expendido no requerimento de interposição e sob o capítulo 2 das alegações, de que esta conclusão apenas pode constituir súmula).

II.

O presente recurso restringe-se ao que no Acórdão do TCA Norte foi desfavorável ao aqui Recorrente, maxime na parte em que foi desfavorável ao Recorrente por considerar ter havido erro quanto aos pressupostos de facto/enquadramento jurídico e não ter havido violação do dever de obediência, anulando o ato administrativo com esse fundamento.

III.

Ao invés, todo o conteúdo decisório do Acórdão do TCA aqui posto em crise não merece censura em tudo quanto foi favorável ao Recorrente, maxime desmerecendo os demais vícios que o Recorrido invocara, quer na sua petição inicial, quer no recurso que interpôs da decisão proferida em primeira instância.

IV.

Nenhum vício se poderá assacar à decisão disciplinar proferida, sendo que de todos os vícios inicialmente enunciados pelo Recorrido, o Acórdão aqui posto em crise apenas afirmou existir um - o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto; V.

Ora, no que respeita ao vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, conclui o tribunal estarem cabalmente demonstrados os factos em causa, isto é, que recorrido verificou e registou as infracções identificadas, às quais correspondem os autos de contra ordenação.

VI.

Ora, ao contrário do que pretende o Recorrido e se lê no Acórdão ora posto em crise, o processo não só não carece de prova, como “as testemunhas que depuseram tinham perfeito conhecimento da situação, pois que o assunto foi por elas directamente tratado e nada no processo existe susceptível de afectar a credibilidade dos seus depoimentos”.

VII.

Note-se ainda que a prova dos factos integradores de infracção disciplinar resulta de elementos probatórios - documentos e testemunhas - que constam do processo, que não foram anulados ou revogados na decisão em crise e em face dos quais se conclui que o Recorrido se recusou a assinar diversos autos de contra ordenação, correspondentes a infracções por si verificadas e registadas, apesar de lhe ter sido ordenado fazê-lo. Não se verifica, pois, o erro sobre os pressupostos de facto invocado pelo autor.

VIII.

Em sede de processo disciplinar vale o princípio da livre apreciação da prova, a cargo do instrutor disciplinar e do órgão deliberativo, de acordo com as regras da experiência, sendo essa uma faculdade exclusiva da Administração, excepto nos casos em que seja detectado erro grosseiro ou usurpação de poderes - o que efectivamente não correu no caso em apreço - sendo assim que, ao invés do que sucedeu no Acórdão em crise, deveria ter sido interpretado e aplicado o ED, mormente os seus artigos 46°, 53.° e 54°; IX.

Por outro lado, no que toca à alegada violação do princípio da proporcionalidade, e porque está em causa a determinação concreta da pena, trata-se de matéria na qual - ao contrário do que sucede no âmbito do erro sobre os pressupostos de facto e de direito - a Administração actua no exercício da chamada justiça administrativa, sendo pacifica e uniformemente aceite, na jurisprudência do STA que “se ao tribunal é possível analisar a existência material dos factos e averiguar se eles constituem infracção disciplinar, em princípio não lhe cabe apreciar a medida concreta da pena aplicada, salvo nos casos de erro manifesto e grosseiro, por ser essa uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa”; X.

Assim, impõe-se a seguinte questão: ocorreu ou não, no caso concreto, erro grosseiro e manifesto que se consubstancie na desproporcionalidade da pena? É negativa, a resposta que resulta clara da factualidade que resultou provada. Na verdade, atenta a gravidade daquela, não crê, o tribunal, “que a aplicação da pena disciplinar em causa seja desproporcionada e manifestamente errada”, mais a mais quando “as razões invocadas pelo autor não se baseavam em factos reais e objectivos, mas antes em meras suposições”.

XI.

Tudo compulsado, conclui-se que, com o seu comportamento, o Recorrido paralisou a actividade da administração pública, inclusive a administração central, revelando um manifesto desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres funcionais e pelas consequências que daí pudessem advir, não mostrando qualquer vontade em colaborar e aperfeiçoar os seus métodos de trabalho. A atitude do recorrido revelou, ainda, actos de grave insubordinação e desobediência.

XII.

As afirmações feitas pela própria parte não podem ter relevância processual naquilo que lhes seja favorável, pois que essa prova pode apenas enquadrar-se no conceito de prova por confissão, sendo assim que deveriam ter sido interpretados e aplicados os artigos 552.° a 567.° do CPC, ao invés do que sucedeu no Acórdão em crise.

XIII.

Não sendo anulada ou revogada a prova constante do processo disciplinar e na qual se louvaram as decisões da instância, não pode a decisão a proferir contrariar essa factualidade sem gerar contradição entra a decisão e os seus fundamentos, vício de que assim padece o Acórdão recorrido, nos termos do disposto no artigo 668.°, n.º 1, al. c) do CPC.

XIV.

Não se exige da Administração, na sua acção disciplinar, a formação de uma certeza absoluta, ou apodíctica, mas uma certeza jurídica, assente, sem desvio de poder, erro grosseiro, ou erro sobre o valor legal das provas, sobre os factos validamente apurados do decurso da produção de prova em sede de processo disciplinar, sendo assim que deveriam ter sido interpretados e aplicados os artigos 46°, 53.° e 54.° do ED, ao invés do que sucedeu no Acórdão em crise.

XV.

Viola o dever de obediência o funcionário público que comprovadamente se recusa a assinar autos de contra-ordenação que sabe serem seus, limitando-se a alegar infundadas e indemonstradas dúvidas sobre a titularidade e autenticidade dos mesmos, sendo assim que deveriam ter sido interpretados e aplicados o artigo 3.° n.ºs 1, 7 e 8 e artigo 10º, ambos do ED, ao invés do que sucedeu no Acórdão em crise.

XVI.

Viola o dever de obediência o funcionário público que comprovadamente se recusa a assinar autos de contra-ordenação que sabe serem seus, limitando-se a alegar infundadas e indemonstradas dúvidas sobre a titularidade e autenticidade dos mesmos, as quais, mesmo que existissem, podia ter fácil e rapidamente desfeito, sendo assim que deveriam ter sido interpretados e aplicados o artigo 3.°, n.ºs 1, 7 e 8 e ao artigo 10°, ambos do ED, ao invés do que sucedeu no Acórdão em crise.

XVII.

Ainda que se entendesse que o Recorrido desconhecia se os autos de contra-ordenação provinham de infracções por si presenciadas e reportadas, e que por esse facto não assinou os primeiros - o que não ficou demonstrado em sede disciplinar nem na matéria de facto assente - haveria de igual forma violação do seu dever de obediência, e nunca do dever de zelo, uma vez que continuava a haver inúmeras ordens não cumpridas por aquele, sendo assim que deveriam ter sido interpretados e aplicados o artigo 1°, n.ºs 1, 7 e 8 e ao art.º 10.°, ambos do ED, ao invés do que sucedeu no Acórdão em crise.

XVIII.

O Acórdão recorrido padece do vício de contradição entre a decisão e seus fundamentos (artigo 668.°, n.º 1 al. c) do CPC) e violou o disposto nos n.ºs 1 e 7 do art.º 3.°, bem como os artigos 10.°, 46°, 53.° e 54.° do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16/01, bem como o disposto nos artigos...

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