Acórdão nº 0103/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Junho de 2014
Magistrado Responsável | COSTA REIS |
Data da Resolução | 19 de Junho de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou, no TAC de Lisboa, contra A……., acção com processo especial de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, pedindo que se ordenasse o arquivamento do processo destinado ao seu registo de nacionalidade pendente na Conservatória dos Registos Centrais.
Em síntese, alegou que a Requerida era natural do Brasil, filha de pais brasileiros, e que contraiu casamento, em 4/12/1991, no Brasil, com um cidadão português nascido no Brasil, prestando a declaração de que queria adquirir a nacionalidade portuguesa, ao abrigo do disposto no art. 3° da Lei n.º 37/81, com fundamento no referido casamento. Registo que não chegou a ser lavrado por a Requerida nunca ter tido residência em Portugal e ter as principais referências afectivas, sociais e culturais no Brasil.
Regularmente citada a Requerida não contestou nem constituiu advogado.
Por sentença do TAC de Lisboa a acção foi julgada improcedente.
Decisão que o TCA Sul revogou julgando a acção procedente.
A Requerida interpôs, então, a presente revista onde formulou as seguintes conclusões: Quanto à admissibilidade do recurso A) O artigo 150.°, n.º 1, do CPTA, admite a interposição de um recurso de revista quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; B) Ora, a aplicação do direito foi manifestamente desadequada tornando-se impreterível a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo; C) Entende-se que o critério da melhor aplicação do direito encontra-se preenchido, mormente quando ocorre uma errada aplicação de uma norma legal, quer porque existem duas decisões em sentido contrário (dado que o tribunal de segunda instância não confirmou a decisão do tribunal de primeira instância) quer porque a solução dada pelo tribunal de segunda instância não é clara e inequívoca, fugindo à interpretação jurisprudencial consolidada de determinada norma legal; D) Contrariando o tribunal de primeira instância e sem que se vislumbre qualquer razão para tal, o Tribunal a quo ignora a necessidade de uma interpretação teleológica e sistemática do critério da “inexistência de uma ligação efectiva à comunidade nacional”, bem como desconsidera a jurisprudência constante quanto à aplicação deste critério legal; E) Ora, tendo sido dado como provado que a Recorrente está plenamente integrada numa comunidade portuguesa, ainda que não seja em território nacional, torna-se incompreensível o modo com o Tribunal a quo procedeu à aplicação do direito ao caso concreto; F) Acresce ainda que não só há divergência de soluções entre a primeira e segunda instância, como a decisão do Tribunal a quo contraria o sentido decisional de jurisprudência perfeitamente consolidada quanto à aplicação do critério legal da efectiva ligação à comunidade nacional; G) Nestes termos, é de considerar que o Tribunal a quo errou no modo como aplicou o direito, interpretando e aplicando, em especial, de forma errónea, por ser redutora, o artigo 9.°, alínea a), da Lei da Nacionalidade, bem como o art.º 56.°, n.º 2, al.ª a), do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, referentes ao critério legal da “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”; H) Pelo que se torna premente a intervenção do STA, para que a mais alta instância jurisdicional em matéria jurídico-administrativa garanta uma melhor aplicação do direito; I) É igualmente evidente, como se demonstrou acima nestas alegações, a importância jurídica e social da questão que a Recorrente apresenta junto deste Venerando Tribunal; J) A nacionalidade afirma-se como o vínculo jurídico-público primordial na relação estabelecida entre o Estado e os cidadãos que o compõem; K) Logo, a centralidade da nacionalidade enquanto vínculo fundamental em qualquer Estado de Direito determina que a indefinição jurídica nesta matéria deve ser especialmente afastada; L) Visto que a decisão do TCA Sul aqui recorrida assenta numa interpretação desacertada do critério legal em causa, e é contrária à corrente jurisprudencial sobre o tema, caberá ao Supremo Tribunal afastar a insegurança jurídica que o referido aresto, naturalmente, provoca; M) A incerteza quanto ao modo de aquisição da nacionalidade tem necessariamente consequências do ponto de vista social, visto que a relação entre o Estado e os cidadãos está dependente da nacionalidade enquanto vínculo jurídico, pelo que se há indefinição quanto aos motivos que determinam a constituição desse vínculo, a estabilidade social fica, mais do que previsivelmente, afectada; N) Tornando-se necessária uma melhor aplicação do direito substantivo, e sendo evidente a relevância jurídica e social da questão levantada pela Recorrente, torna-se inadiável e impreterível que o STA admita o presente recurso, de forma a se pronunciar e esclarecer a questão trazida pela ora Recorrente; Quanto ao mérito do recurso O) O presente recurso jurisdicional vem interposto do Acórdão do TCA Sul, de 10/10/2013, que julgou procedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa intentada pelo Ministério Público; P) Ao contrário do que a lei impunha, o Tribunal a quo concluiu perfunctoriamente que a Recorrente não tinha ligação efectiva à comunidade nacional; Q) Tal conclusão adveio de uma interpretação e aplicação erróneas do critério legal da “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, presente no artigo 9.°, alínea a), da Lei n.º 37/81, bem como no artigo 56.°, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 237-A/2006; R) Desde logo, tem sido pacífico na jurisprudência que a oposição à aquisição da nacionalidade com fundamento na inexistência de ligação à comunidade nacional só deve ser dada como procedente na medida em que se esteja perante um indivíduo indesejável para ser integrado na comunidade nacional, sendo por demais evidente que não é este o caso da Recorrente; S) Ora, a aquisição da nacionalidade pela Recorrente não se apresenta, de modo algum, como um elemento indesejável, não merecendo a sua integração enquanto nacional portuguesa qualquer tipo de juízo de censura; T) Veja-se que o Tribunal a quo não ponderou este elemento, considerado como essencial pela jurisprudência para uma correcta aplicação do critério do artigo 9.°, alínea a), da Lei da Nacionalidade, nos termos demonstrados supra; U) Ora, a decisão contraria um dos elementos teleológicos que domina o direito da nacionalidade no ordenamento jurídico português: a aquisição da nacionalidade por força da vontade só deve ser afastada caso seja previsível que essa aquisição, à luz de um juízo de prognose, se venha a revelar indesejável; V) Pelo que, nestes termos, o Tribunal a quo procedeu a uma aplicação errada do direito ao caso concreto, incorrendo em erro de julgamento; W) Quanto ao artigo 3.° n.º 1, da Lei da Nacionalidade, veja-se que sua base axiológico valorativa gira em torno do princípio da unidade de nacionalidade no seio da família; X) Nestes termos, sendo este um dos fins primordiais do direito da nacionalidade, e sendo a aquisição da nacionalidade promovida pelo interessado, a unidade de nacionalidade da família não pode ser descurada na aplicação conjugada do artigo 3 .° com o artigo 9.°, alínea a), da Lei da Nacionalidade; Y) Ao contrário do tribunal de primeira instância, que teve a preocupação que se exige, no respeito por um dos principais fundamentos do Direito da Nacionalidade, o Tribunal a quo não realizou esta ponderação que lhe era devida; Z) Com efeito, o Tribunal Central Administrativo Sul...
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