Acórdão nº 0500/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelTERESA DE SOUSA
Data da Resolução26 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório Os Requerentes A………… e Outros vieram na presente providência cautelar referir que esta “tem como objecto a suspensão da eficácia: (i) da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25 de Janeiro, no seu conjunto, bem como, in specie, dos números 1, 3, 4 e 6 do mesmo diploma (cfr. documento n.º 1, que por conveniência se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido); (ii) das normas constantes da Nota Informativa do Ministério da Educação de Fevereiro de 2011, para informação sobre utilização do AO90 e utilização do logótipo e marca, designadamente no que concerne aos manuais escolares (cfr.

documento n.º 2), que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido); (iii) das normas constantes da informação do Ministério da Educação de 13 de Setembro de 2011, que calendarizam e definem programas escolares conformes ao Acordo Ortográfico de 1990 aos exames nacionais do 6.º ano de escolaridade (cfr.

documento n.º 3, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido); (iv) das normas constantes da informação do IAVE de Dezembro de 2013 (cfr.

documento n. 4, que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido)” -cfr. art. 1º do requerimento inicial (r.i.)”.

Formularam as seguintes conclusões: “1.ª A presente providência tem como objecto a declaração de nulidade: (i) da RCM 8/2011, de 25 de Janeiro, no seu conjunto, bem como, in specie, dos números 1, 3, 4 e 6 do mesmo diploma; (ii) das normas constantes da Nota Informativa do Ministério da Educação de Fevereiro de 2011, para informação sobre utilização do AO90 e utilização do logótipo e marca, designadamente no que concerne aos manuais escolares; (iii) das normas constantes da Informação do Ministério da Educação de 13 de Setembro de 2011, que calendarizam e definem programas escolares conformes ao Acordo Ortográfico de 1990 aos exames nacionais do 6.º ano de escolaridade; (iv) das normas constantes da Informação do Ministério da Educação de Dezembro de 2013, que confirma a Informação do Ministério da Educação de 13 de Setembro de 2011.

  1. Os Autores da presente providência popular de suspensão de normas são partes legítimas, uma vez que, além de se tratar da defesa, promoção e preservação do património cultural português (artigo 52.º, n.º 3, da CRP), não obriga a lei a que tenham interesse directo na demanda (artigo 2.º, n.º 1, da LAP e artigos 9.º, n.º 2, do CPTA).

  2. Assiste legitimidade passiva ao Estado enquanto Entidade Demandada, na medida em que o Conselho de Ministros não é um Ministério, antes parte do Governo e, por isso, do Estado, conforme tem sido entendimento dos nossos Tribunais Superiores (Ac. STA 25.1.2006 e Ac. TCAS 18.X.2012.

  3. O Supremo Tribunal Administrativo, na medida em que a RCM 8/2011, que ora se impugna, é uma “acção do Conselho de Ministros”, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 24.º, n.º 1, al.

    a), iii), do ETAF, é o Tribunal competente para decretar a presente providência cautelar.

  4. Na medida em que as Informações Ministeriais de Fevereiro e Setembro de 2011, e Dezembro de 2013, que calendarizaram os exames, definiram programas de ensino e manuais conformes ao AO90 foram emitidas pelo Ministério da Educação, tem este também legitimidade passiva no presente procedimento, por força do artigo 10.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPTA.

  5. Uma vez que a função jurisdicional encerra também a de fiscalização da constitucionalidade por parte de todos os Tribunais (artigo 204.º da CRP e artigo 1.º, n.º 2, do ETAF), pode ser arguida junto da Jurisdição Administrativa – neste caso da Mais Alta Instância Administrativa – a inconstitucionalidade das normas constantes dos números 1, 3 e 4 da RCM 8/2011, bem como das Informações Ministeriais de Fevereiro e Setembro de 2011, e Dezembro de 2013, do Ministério da Educação, com efeitos circunscritos ao caso concreto, sem que com isso se verifique qualquer conflito de jurisdição com o Tribunal Constitucional.

  6. A presente providência é tempestiva, nos termos do artigo 74.º do CPTA, dado que a declaração de ilegalidade lato sensu, abrangendo a inconstitucionalidade, embora circunscrita ao caso concreto, pode ser arguida a todo o tempo.

  7. A RCM 8/2011, in specie, no que concerne às normas constantes dos n.

    os 1 e 3, é qualificada como regulamento administrativo, pois contém normas jurídicas dotadas de generalidade e abstracção.

  8. A RCM 8/2011 ou qualquer uma das suas normas traduzem normas jurídicas, e não actos políticos, sendo, por isso, sindicáveis em juízo.

  9. A RCM 8/2011 é um regulamento administrativo independente, uma vez que regula ex novo a implementação do AO90 em Portugal, antecipando o prazo de transição em 5 anos para sistema de ensino, público, particular e cooperativo, atentos os n.

    os 1 e 3 daquele diploma.

  10. A RCM 8/2011 é um regulamento imediatamente operativo, uma vez que impõe a “aplicação” do AO90 a toda a Administração, incluindo as escolas públicas (n.º 1 da RCM), bem como a todo o restante sistema educativo, abrangendo inclusive as escolas particulares e cooperativas (n.º 3 da RCM). Esta qualificação em nada é toldada pela existência das Informações Ministeriais de 2011 e 2013, emitidas pelo Ministério da Educação, dado terem âmbito diverso, na medida em que apenas definem calendário, programas escolares e manuais adoptados, resultando a imposição do AO90 já da 1.ª parte do n.º 3 da RCM 8/2011.

  11. As normas constantes das Informações Ministeriais de 2011 e 2013 do Ministério da Educação têm natureza regulamentar, porquanto, ao definirem datas de exames, programas e manuais, são dotadas de generalidade e abstracção e, por esse motivo, são também elas sindicáveis em juízo, até porque também imediatamente operativos dentro do seu restrito âmbito.

  12. A causa de pedir da presente providência consiste: (i) nas inconstitucionalidades totais da RCM 8/2011; (ii) na ilegalidade total da mesma Resolução; (iii) nas inconstitucionalidades parciais, de que as normas constantes dos números 1, 3 e 4 enfermam; (iv) nos vícios paralelos que ocorrem nas normas constantes das Informações do Ministério da Educação de Fevereiro e Setembro de 2011 e Dezembro de 2013; (v) como nas inconstitucionalidades parciais das normas constantes destas Informações, na medida em que aplicáveis aos exames nacionais do 6.º ano.

  13. A RCM 8/2011 no seu todo e, portanto, também os n.

    os 1, 3 e 4, no que ao presente caso concerne, é orgânica e formalmente inconstitucional por violação de citação e fundamento em lei habilitante prévia de fixação de competência objectiva e subjectiva para a sua emissão.

  14. A RCM 8/2011 padece também de inconstitucionalidade total em termos formais, em virtude de não assumir a forma de decreto regulamentar, por força do artigo 112.º, n.º 6, 2.ª parte, da CRP.

  15. A RCM 8/2011 padece de inconstitucionalidade total, por invocação de base habilitante inidónea para fundar a própria RCM, um regulamento administrativo independente portanto, uma vez que não cabe no âmbito nem na ratio do artigo 199.º, al.

    g), da CRP.

  16. Mesmo que assim não se entendesse, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre seria totalmente inconstitucional por falta de forma de decreto regulamentar, nos termos do artigo 112.º, n.º 6, da CRP.

  17. A RCM 8/2011 padece de ilegalidade total por vício de procedimento por violação dos artigos 117.º e 118.º do CPA, dado que não houve fase de participação dos interessados.

  18. A RCM 8/2011 padece de ilegalidade total por preterição de formalidade essencial por falta de consulta da Academia das Ciências de Lisboa, em violação do artigo 5.º dos Estatutos da Academia das Ciências de Lisboa, aprovados por Decreto-Lei n.º 5/78, de 12 de Janeiro.

  19. As Informações Ministeriais de Fevereiro e Setembro de 2011, e Dezembro de 2013, são também elas inconstitucionais in totum por preterição de citação de válida e correcta lei prévia habilitante, por força do artigo 112.º, n.º 7, 1.ª parte, da CRP.

  20. As referidas Informações Ministeriais padecem também elas de inconstitucionalidade consequente por se fundarem num regulamento administrativo independente inconstitucional, a RCM 8/2011.

  21. Quanto às nulidades parciais, a RCM 8/2011 é também parcialmente inconstitucional, quer em termos formais, quer orgânicos, no que concerne aos n.

    os 1 e 3 daquele diploma, dado que regulamenta aspectos principais de direitos, liberdades e garantias, a regulamentação integral (incluindo as restrições) deveria ter sido realizada ou por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado (artigos 165.º, n.º 1, 198.º, n.º 1, al.

    b), 18.º, n.

    os 2 e 3, da CRP).

  22. As normas constantes do n.º 3 da RCM 8/2011, bem como as que resultam das Informações do Ministério da Educação de Fevereiro e Setembro de 2011 e Dezembro de 2013 enfermam ainda de ilegalidade, no que respeita às escolas particulares e cooperativas, na medida em que violam o artigo 4.º, n.º 1, 2.ª parte, do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de Novembro.

  23. As normas constantes das Informações Ministeriais acima referidas enfermam ainda de ineficácia, na medida em que, sendo regulamentos do Governo, são objecto de publicação obrigatória no Diário da República (artigo 119.º, n.º 1, al.

    h), da CRP, e artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 74/98).

  24. Subsidiariamente, as mencionadas Informações Ministeriais são, não obstante, sindicáveis em juízo, pois a sua impugnabilidade não depende da respectiva forma, uma vez que não deixam por isso de ser qualificadas como regulamentos.

  25. Subsidiariamente, a própria RCM 8/2011 e as Informações Ministeriais de 2011 e 2013, relativas à calendarização, programas de ensino e manuais escolares, são inconstitucionais, na medida em que o próprio AO90 é ele próprio inconstitucional: (i) é-o in toto, por violação do artigo 43.º, n.º 2, da CRP (programação da cultura e educação segundo directrizes políticas, ideológicas e...

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