Acórdão nº 01561/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução09 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1. “A……………, LDA.”, devidamente identificada nos autos, foi demandada como contrainteressada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [doravante TAFL] na presente ação administrativa especial deduzida pelo “MINISTÉRIO PÚBLICO” contra “MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL” [abreviadamente MDN] e na qual foi peticionado, pela motivação inserta na petição inicial de fls. 03/12, que fosse declarada nula ou anulada a deliberação de 02.07.2009 da Comissão de Análise das propostas no concurso para a atribuição do uso privativo no domínio público hídrico na área de intervenção do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de Burgau-Vilamoura e que atribuiu àquela contrainteressada, aqui recorrente, a licença de ocupação do domínio público hídrico para o apoio balnear da unidade balnear n.º 06 (UB06) da Praia da Rocha, Portimão.

1.2.

O TAFL, por sentença de 21.01.2011, julgou a ação procedente, considerando totalmente procedente a pretensão dada a verificação das ilegalidades consubstanciadas na violação dos arts. 12.º, n.º 3 e 21.º, n.ºs 3, als. a) e c) e 4 do DL n.º 226-A/07, de 31.05, do n.º 3 da Portaria n.º 1450/07, de 12.11, arts. 67.º do CCP, 24.º, n.º 4 e 44.º, n.º 1, al. d), 51.º do CPA.

1.3.

Aquela contrainteressada, inconformada, recorreu para o TCA Sul o qual, por acórdão de 21.02.2013, declarando nula a decisão daquele TAF, negou, ainda assim, provimento ao recurso jurisdicional e declarou nulo o ato administrativo impugnado, não aceitando a convalidação das ilegalidades pretendida pela recorrente com apelo ao princípio da boa fé.

1.4.

Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a mesma contrainteressada, inconformada com o acórdão proferido pelo TCA Sul, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 320 e segs.

- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]: “...

  1. A boa fé, enquanto princípio constitucional concretizador da ideia de Estado de Direito, protege a confiança na atuação dos poderes públicos, exigindo um mínimo de certeza e de segurança quanto aos direitos e expectativas legítimas de cada um em face das autoridades públicas, que, pelo próprio poder que podem exercer, tem de assegurar um mínimo de continuidade nas respetivas posições em face dos particulares; 2. Pelo que a Administração viola a boa fé quando falta à confiança que despertou num particular ao atuar em desconformidade com aquilo que fazia antever o seu comportamento anterior; 3. A exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao Estado de Direito, dado que este garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica; 4. «In casu», a Recorrente tinha sérias razões para acreditar na validade dos atos ou condutas anteriores da Administração aos quais ajustou a sua atuação; 5. Pelo que a Administração criou uma expectativa juridicamente tutelada de que a atribuição da licença por 10 anos era definitiva e inabalável, na medida em que se verifica uma clara previsibilidade da decisão administrativa, de molde a que a Recorrente visse garantida e assegurada a continuidade nas relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos atos que pratica, assistindo à Recorrente o direito de poder confiar nas decisões administrativas, claramente violado pelo douto Acórdão «a quo»; 6. Pelo que a situação de facto em análise é merecedora da melhor tutela jurídica, por aplicação conjugada do n.º 3 do art. 134.º e do art. 6.º-A CPA …”.

    Termina peticionando a revogação da decisão judicial recorrida com procedência do recurso e manutenção na ordem jurídica do ato administrativo impugnado.

    1.5.

    Devidamente notificado o MP, aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 341 e segs.], formulando o seguinte quadro conclusivo: “...

  2. O magistrado do MP junto do TAF de Loulé propôs a presente ação administrativa especial, pedindo a nulidade da deliberação de 2.7.2009, da Comissão de Análise das propostas do concurso para a atribuição do uso privativo no domínio público hídrico, na área de intervenção do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) de Burgau-Vila Moura, que concedeu à contrainteressada a licença de ocupação do domínio público hídrico para o apoio balnear da unidade balnear n.º 6 (UB06) da Praia da Rocha -Portimão.

  3. Por saneador/sentença de 21.1.2011, foi a referida ação julgada procedente, deferindo o pedido de declaração de nulidade do ato impugnado, vindo a contrainteressada, bem como a entidade demandada, da mesma interpor recurso jurisdicional para este TCAS, o qual, por acórdão de 21.2.2013 manteve, no essencial, a sentença da primeira instância.

  4. O presente recurso de revista vem interposto pela contrainteressada, A……………, Lda., do douto acórdão deste TCAS na parte em que negou provimento aos recursos interpostos pela contrainteressada e pela entidade demandada, Ministério da Defesa Nacional, e declarou nulo o ato impugnado pelo MP.

  5. Não existe «necessidade de melhor aplicação do direito», sendo as questões jurídica suscitadas de grande simplicidade, nomeadamente porque a recorrente não impugnou, neste recurso jurisdicional, qualquer dos fundamentos que levaram à declaração de nulidade do ato impugnado pelo acórdão recorrido, e o mais que vem por si alegado não cabe no âmbito da atuação da entidade demandada.

  6. As questões suscitadas, não têm qualquer relevância jurídica ou social que lhes confira importância fundamental, pelo que não se verificando qualquer dos requisitos contidos no n.º 1 do art. 150.º não deverá, salvo melhor opinião, o presente recurso ser recebido.

  7. Da sentença, proferida na ação cujo valor é de 30.001,00 euros, ao abrigo da alínea i) do n.º 2 do art. 27.º do CPTA, por juiz singular, cabia reclamação para a conferência e não imediatamente recurso jurisdicional, nos termos do n.º 2 do art. 27.º do CPT A.

  8. O douto acórdão recorrido, ao pronunciar-se sobre recurso jurisdicional para apreciação do qual não tinha competência imediata, e que assim deveria ter rejeitado, apreciou matéria de que não deveria conhecer, pelo que é nulo por excesso de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.

  9. A competência dos tribunais administrativos em qualquer das suas espécies é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, pelo que deverá a apreciação desta questão fugir à regra da subsidiariedade contida no art. 685.º-A do CPC.

  10. Em nenhuma parte do processo foi invocado o n.º 3 do art. 134.º do CPA como aplicável ao caso vertente, pelo que o acórdão recorrido, ao apreciar a questão da sua aplicabilidade, sem que nenhuma das partes processuais tenha sequer referido o citado preceito legal, é nulo por excesso de pronúncia, nulidade que deverá ser declarada ao abrigo do n.º 2 do art. 685.º-A do CPC.

  11. Está em causa, no presente recurso de revista, apenas a invocada violação, pela entidade que praticou o ato impugnado, do princípio da boa fé, da confiança e da certeza e segurança jurídicas, por terem sido goradas as expectativas da recorrente de ser a detentora, durante 10 anos, da atribuição da licença para instalação do apoio de praia.

  12. A entidade demandada não violou tais princípios pois não foi ela quem determinou a nulidade do ato de autorização, sendo que, com a prática deste, satisfez plenamente os interesses da recorrente.

  13. A lei, ao culminar com a nulidade o vício da incompetência em razão da matéria do autor do ato, teve em vista, pela sua gravidade, evitar a consolidação deste pelo decurso do tempo permitindo a sua impugnação a todo o tempo.

  14. Assim, o interesse privado da recorrente bem como os eventuais princípios gerais de direito que o sustenta, sempre teriam que ceder em face do interesse público que exige que o ato seja praticado pela entidade competente sob pena de nulidade.

  15. Os princípios gerais de direito apenas são postulados ou normas de atuação aplicáveis no exercício do poder discricionário da Administração e não já quando esse exercício é vinculado.

  16. Tendo sido violados, pelo ato impugnado, concretos preceitos legais, não poderia o tribunal deixar de aplicar tais preceitos, em nome de invocados princípios gerais de direito, pelo que as decisões judiciais em crise não violaram estes princípios ao declararem a nulidade do ato.

  17. A pretensão da recorrente carece de apoio legal, pelo menos nesta ação, por nada ter a ver com o pedido e a causa de pedir formulados (e fixados) na petição inicial e ainda porque na ação administrativa especial não é permitido invocar pedido reconvencional.

  18. O n.º 3 do art. 134.º do CPA é inaplicável ao caso vertente dado que o ato declarado nulo é de 2009, pelo que até ao momento presente decorreram apenas 4 anos, sendo de 5 anos o período máximo previsível até ao trânsito em julgado da decisão da primeira instância.

  19. O período de 10 anos concedido para a recorrente explorar o apoio de praia, dado que ainda não decorreu, não releva para efeitos de aplicabilidade do n.º 3 do art. 134.º do CPA.

  20. Não foram violados quer pela Administração, quer pelo Tribunal os princípios da boa fé, da confiança e da segurança e certeza do direito, bem como o n.º 3 do art. 134.º do CPA.

  21. Não pode o ato impugnado manter-se na ordem jurídica, com os fundamentos por invocados pela recorrente, não podendo, assim, ser revogado o acórdão recorrido …”.

    1.6.

    Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 31.10.2013, veio a ser admitido o recurso de revista.

    1.7.

    Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

  22. DAS QUESTÕES A DECIDIR No essencial, constituem...

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