Acórdão nº 0966/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução29 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., identificado nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAC de Coimbra que julgou improcedente a acção que ele movera ao B... e em que pedira a condenação do réu a pagar-lhe uma indemnização pelos danos materiais e morais que sofreu em virtude de se haver lançado de uma janela do bloco de psiquiatria do mesmo B....

O recorrente terminou a sua alegação de recurso enunciando as conclusões seguintes: 1. O acórdão recorrido não poderá manter-se porquanto não interpretou, nem aplicou correctamente aos factos dos autos as normas de direito que lhe eram aplicáveis, nem sequer interpretou devidamente tais factos.

  1. O tribunal «a quo» efectuou uma grosseira e errónea interpretação da prova produzida, dando como não provados os factos constantes dos pontos 18 e 36 da petição inicial quando da análise dos autos, e da demais matéria dada como provada, resulta, só por si, a verificação de circunstancialismo suficiente para que tais factos fossem dados como provados.

  2. Por outro lado, o tribunal «a quo» deveria ter dado como não provados, ao contrário do que fez, os factos constantes dos pontos 43 e 54 da contestação, porquanto no que toca ao primeiro dos dois bastaria atentar no relatório de enfermagem e no documento junto aos autos pelo réu aquando da audiência de discussão e julgamento da causa, para se verificar que o autor, antes de se projectar, manifestava já ansiedade e agitação, razão pela qual lhe havia sido ministrada medicação, nomeadamente S.O.S.

    Quanto ao segundo, se tal fosse verdade nem o autor nem outros indivíduos, no espaço de oito meses, se teriam projectado ou saído pelas janelas da secção de psiquiatria do réu.

  3. O acórdão recorrido interpretou de forma incorrecta o conceito de culpa que em casos de negligência hospitalar deve ter tratamento diverso.

  4. Com efeito, no entender do recorrente, a responsabilidade civil do réu é manifesta, estando preenchidos todos os seus pressupostos, nomeadamente o da culpa na sua forma de dolo eventual ou, pelo menos de negligência grosseira ou culpa do serviço, porquanto se provou que, não obstante o réu, por intermédio do seu pessoal administrativo, médico e auxiliar, deveria ter conhecimento que os doentes de psiquiatria têm comportamentos imprevisíveis, exigindo uma vigilância constante e tentam muitas vezes o suicídio e a fuga, promoveu o seu internamento, num primeiro andar, com janelas de parapeito à altura do abdómen de um homem médio, a cerca de 6,8 metros de altura, desprovidas de grades e com amplas superfícies vidradas, com cerca de 1,5 m de largo, por onde passava com facilidade um homem de estatura média, sendo tais vidros sem tratamento anti-choque e quebráveis.

  5. Esclareça-se, que, para além de terem sido dados como provados todos os factos atrás referidos, foram também dados como provados os factos de que em vários meses vários doentes já haviam feito o mesmo, não tendo o autor sido impedido nos seus intentos, em tudo iguais aos demais, por qualquer funcionário ou sistema de segurança.

  6. Aliás, a falta de vigilância é gritante ao verificar-se que o réu apenas dispunha de 4 funcionários para as 47 camas do serviço e que o único funcionário incumbido da vigilância do autor se encontrava no exterior da enfermaria, com a porta de acesso àquela apenas entreaberta e a tratar do processo de outro doente.

  7. Ao que acresce o facto de que a contenção química aplicada ao autor, por força do ocorrido, se manifestou verdadeiramente ineficaz.

  8. Pelo que é pacífico que o réu actuou com negligência grosseira, deriva de uma falta de vigilância e segurança evidente do serviço do B... réu, assim se impondo que o mesmo seja responsabilizado pelos danos causados ao doente, aqui recorrente, nesta acção reclamados.

  9. Julgando diferentemente, e mal, a decisão recorrida fundamentou a improcedência da acção no facto de, a seu ver, não ter ficado provada a negligência e os demais elementos integradores da responsabilidade civil.

  10. Sucede que face aos factos alegados e provados pelo autor, o tribunal «a quo», em vez de presumir que o réu não tinha meios ao seu alcance para actuar de maneira diversa, presunção essa sem o necessário suporte factual que permitisse tal conclusão, antes deveria ter presumido a negligência do réu, manifestamente evidente face aos factos alegados pelo autor que o mesmo logrou provar, do que nem sequer necessitava.

  11. Com efeito, sendo extremamente difícil, senão impossível, uma prova cabal da culpa nos casos de negligência médica, é lícito ao tribunal socorrer-se de presunções, retirando conclusões dos factos provados, baseados na lógica e experiência de vida.

  12. Face ao acima exposto, a falta errónea ou contraditória fundamentação do acórdão também acarreta a sua nulidade porquanto os fundamentos de facto estão em manifesta oposição com a decisão - nulidade que não deixa de ser invocada.

  13. Tal falta de serviço gera responsabilidade civil do B... réu que deve ser condenado, uma vez que omitiu o dever de vigilância, tratamento e segurança a que os utentes têm direito.

  14. Impõe-se assim a revogação do acórdão de fls., que devia ter julgado a acção procedente e, consequentemente, devia ter condenado o réu a indemnizar o autor pelos danos que lhe causou, substituindo-o por outro que acolha as pretensões do ora recorrente, conforme o peticionado.

  15. Acresce que a procedência da acção, quanto mais não fosse, sempre deveria ser declarada, pois é indiscutível a ilicitude da omissão e/ou culpa de serviço do réu, o que implica responsabilidade objectiva do B... réu.

  16. De referir que, no caso, não estará tanto em causa apurar se os erros ou omissões foram deste ou daquele agente do B... réu, mas sim considerar que manifestamente houve um erro de serviço onde o doente estava internado, erro esse que foi causa de graves danos a um cidadão.

  17. Isto posto, o acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação do artigo 2° do Decreto-Lei n.º 48.051 de 21 de Novembro de 1967 e violou as normas do Código Civil que regulam a responsabilidade civil (art. 483° e seg.) e o direito à indemnização (art. 562° e segs.), bem como o disposto no artigo 5° da Lei n.º 36/98, de 24 de Julho.

  18. Isto posto ainda, tem de dizer-se que...

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