Acórdão nº 01014/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução26 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo A..., identificado nos autos, recorre do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que julgou improcedente o recurso contencioso interposto do despacho de 30-03-2001, do Ministro das Finanças, que aplicou ao recorrente a pena disciplinar de 120 dias de suspensão e determinou a cessação do exercício das funções de Director de Finanças da Região Autónoma da Madeira.

O recorrente formula as seguintes conclusões: 1. O recorrente tem uma carreira exemplar e durante 20 anos obteve sempre a máxima classificação de serviço, com a menção qualitativa de "Muito Bom", o que é, aliás, reconhecido no próprio Relatório final do processo disciplinar apenso, que refere ter sido o recorrente, mercê da confiança profissional, que mereceu, ser sempre chamado a desempenhar cargos dirigentes, questão que o Acórdão recorrido não pôs em causa.

  1. A hipotética falta do recorrente, foi ter mantido, transitória, e formalmente, em seu nome, por dolorosas razões familiares e na sequência do óbito de seu Pai, uma licença de táxi que, por lei, sob pena de caducar, só podia ficar em nome de herdeiro que estivesse habilitado com carta de condução profissional, como era o caso do recorrente. (art° 2° alíneas a) e b) e art° 12° do Dec-Lei n° 448/80, de 6 de Outubro).

  2. Com os constrangimentos familiares conhecidos e, não obstante, se tratar de uma situação meramente formal, não tendo o recorrente passado, de facto, a exercer a actividade em causa, que era prosseguida por sua irmã, a verdade é que não hesitou em requerer a necessária autorização ao Ministério das Finanças (art° 32, alínea b) do Dec-Lei n° 336/78, de 28/11).

  3. A formulação menos feliz ou menos rigorosa do requerimento do recorrente, terá levado a hierarquia a pensar que se trataria do efectivo exercício da actividade e daí o ter sido a autorização restrita, inicialmente, ao prazo de 1 ano, a ser exercida fora das horas de serviço e sob o acompanhamento do Director Distrital de Finanças.

  4. Antecedendo o termo do prazo concedido o recorrente apresentou novo pedido de autorização, o qual foi concedido, "nos termos requeridos", ou seja, já sem as subordinações ou condicionalismos a que fora sujeito o pedido anterior.

  5. Não tendo sido possível resolver o problema, como pretendia, por razões familiares graves, designadamente, de saúde de sua irmã (que veio a falecer), e na esperança de poder passar a licença para o nome de um seu sobrinho, o recorrente requereu novo pedido de autorização até que aquele seu sobrinho estivesse em situação de ficar titular da licença em causa.

  6. A Direcção de Finanças do Funchal, emitiu parecer favorável ao seu pedido, esclarecendo tratar-se de uma situação meramente formal, e não do efectivo exercício da actividade de industrial de táxi, tendo sido comunicado ao recorrente, em relação ao seu último pedido: «...que por despacho de sua Exa. o Subsecretário de Estado Adjunto da Secretaria de Estado Adjunta e do Orçamento, de 25 de mês findo, foi o mesmo deferido».

  7. Evidentemente que tal notificação foi, como não podia deixar de ser, interpretada, de boa fé, pelo recorrente, como deferimento da sua pretensão, sem subordinação a qualquer prazo fixo e a quaisquer outras condições, como se impunha presumir, nos termos do art° 68° n° 2 do CPA. (ofício n° 2228, de 08/04/92).

  8. Infelizmente não foi possível passar a licença para o seu sobrinho B..., que também veio a falecer, e admitiu-se que se o pudesse vir a fazer para outro sobrinho, C..., mais novo, tendo-se de aguardar que perfizesse 18 anos, para obter a carta de condução.

  9. Contudo a legislação relativa à actividade de industrial de táxi e da titularidade da respectiva licença foi alterada (Dec-Lei n° 252/98, de 11 de Agosto), tendo-se tornado necessário constituir uma sociedade comercial, o que foi feito por escritura publica de 20/12/99, (sociedade D..., Lda.), para a qual foi transferida a licença em causa, situação que o Acórdão recorrido ignorou, de todo.

  10. Acontece que, no decurso do processo disciplinar (e só nessa altura) o recorrente viria a saber que, contrariamente ao que lhe fora notificado, o despacho do Subsecretário de Estado, concedera a autorização apenas por um ano, sendo certo, porém, que no domínio dos princípios e da boa fé, só pode relevar o que lhe fora efectivamente notificado, sendo ineficaz tudo o mais de que não lhe foi dado conhecimento.

  11. É perante esta situação, salvo o devido respeito, que o acto impugnado ofende os mais elementares princípios, ao considerar que o recorrente exerceu a actividade de industrial de transportes, para além do prazo e fora das condições que lhe haviam sido fixadas, como se o recorrente fosse obrigado a conhecer o contrário do que lhe fora notificado, situação que o Acórdão recorrido não rejeita claramente.

  12. Enferma, assim, o despacho impugnado de manifesto erro, que conduz à violação de lei, ao entender que o recorrente ficou incurso em infracção disciplinar, por violação do dever de obediência, por falta de cumprimento das ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos (n° 7 do art° 3° do EDFAACRL), bem como ainda, teria o recorrente por força da acumulação da actividade privada com a função pública, violado os princípios da transparência e imparcialidade, (ignorou-se, de todo, os mecanismos legais do impedimento), situação que o Acórdão recorrido, ilegalmente, corroborou.

  13. O que está em causa é uma autorização nova, já que não é possível prorrogar o que, entretanto caducara e, de harmonia com o notificado ao recorrente, a última autorização foi-lhe concedida sem limite de tempo, subordinada a uma mera condição casual (a obtenção de carta profissional e exercício da actividade pelo sobrinho do recorrente), o que, além do mais, viria a ser impedido pelo Dec-Lei n° 252/98, de 11 de Agosto.

  14. Sucede que não tem sentido que, tendo o recorrente passado a exercer cargo dirigente, tal implicava nova autorização diferente da que já lhe fora concedida, tendo em atenção o conteúdo da notificação que lhe fora feita e o mecanismo de impedimento legalmente previsto.

  15. É descabido considerar que o comportamento do recorrente pôs em causa a isenção e transparência, pois, ao prosseguir, formalmente, em seu nome, a actividade de industrial de táxi, colocava em causa tal isenção e independência, como se tal questão não se pudesse em relação aos próprios rendimentos que aufere como funcionário.

  16. De todo o modo, até por violação do princípio da não retroactividade, e ainda por faltar um pressuposto essencial - reconhecimento, por despacho fundamentado, do dirigente do serviço, da incompatibilidade entre a função e a actividade privada prosseguida, não é possível, salvo de forma totalmente ilegal, aplicar, como aplicou o despacho impugnado, a pena de inactividade ao recorrente. (V. Ac. do S.T.A., de 09/04/92), questão que o Acórdão recorrido não conheceu, enfermando assim de nulidade por omissão de pronúncia. (alínea d), do n° 1, do art° 668° do CPCivil) 18. O despacho recorrido violou, manifestamente, a lei, quando aplica ao recorrente a pena de inactividade, invocando para tal o Dec-Lei n° 413/93, de 23 de Dezembro, que, além do mais, destina-se a situações de prosseguimento de actividades concorrenciais ou similares às funções exercidas, na função pública, como seria, por exemplo o caso, do recorrente ter um escritório de contabilidade e de informação fiscal, sendo que, em qualquer caso, sempre o recorrente estava coberto, por autorização, aquando da entrada em vigor do Dec-Lei n° 413/93 (art° 12°), enfermando o Acórdão recorrido de erro.

  17. Evidentemente que, não havendo lugar à aplicação da pena principal, não há lugar também à aplicação da pena acessória, de cessação da comissão de serviço, a qual, aliás, não seria aplicável, porquanto o recorrente já havia cessado a sua comissão como Director Distrital de Finanças, encontrando-se na situação de gestão no exercício do cargo, faltando assim um pressuposto essencial para a aplicação da pena acessória em causa, pelo que tal qual aconteceu com o despacho impugnado, o Acórdão recorrido violou também o art° 11° do Dec-Lei n° 413/93, de 23 de Dezembro, que sendo excepcional, não é passível de aplicação analógica, e sendo sancionatório também não é passível de aplicação extensiva.

  18. A aplicação do disposto no art° 28° n° 2 do EDFAACRL constitui violação manifesta do princípio da taxatividade das penas, pelo que, tanto o despacho impugnado, como o Acórdão recorrido, violaram, também, o art° 12° do EDFAACRL.

  19. É evidente a má fé e o abuso de direito quando se avança, imprudentemente, para um quadro em que se força a competência do Ministro das Finanças, para comprometer o recurso hierárquico, com efeito suspensivo, que caberia de despacho do Director Geral, impedindo nova nomeação do recorrente, por mais três anos, para Director Distrital de Finanças, fraude à lei e abuso de direito que o Acórdão recorrido não conheceu, como devia, enfermando de nulidade por omissão de pronúncia.

  20. Acrescenta-se, que nos termos do art° 30° do EDFAACRL, era possível e tinha todo o sentido ter descido dois escalões da pena, do que não se fez uso, com prejuízo do recorrente, o que está erradamente equacionado pelo Acórdão recorrido.

  21. Por sua vez, o nº 3 do art° 9° do Dec-Lei n° 323/89, de 26 de Setembro refere-se a "titulares" de cargos dirigentes, sendo assim, duvidoso, que o regime atribuído ao exercício de Director Geral das Finanças por parte do recorrente, integra o conceito de "titular" referido naquele diploma, disposição que, sendo restritiva de direito, não é passível de interpretação extensiva e, na dúvida, tem de aplicar-se a solução mais favorável.

  22. O despacho impugnado ignorou os mecanismos do instituto do impedimento, previstos nos art°s 123° do CPCivil, 20º do Dec-Lei n° 423/98, de 31 de Dezembro, e art°s 44° e 45° do C.P.A., que assegurariam jamais poder ser o recorrente fiscalizador de si próprio, o que o Acórdão...

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