Acórdão nº 0449/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução10 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório 1.1. A... , Procurador-Adjunto, na 7ª Secção do ... de ..., intenta a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, pedindo a anulação do acto que o puniu disciplinarmente com a pena de "dez dias de multa", imputando-lhe os vícios de (i) falta de fundamentação; (ii) violação de lei por referir deveres profissionais sem concretizar as normas ou o quadro jurídico que os consagra; (iii) violação dos princípios da proporcionalidade, por não terem sido devidamente sopesadas todas as circunstâncias atenuantes que militam a seu favor; (iv) prescrição do procedimento disciplinar por terem decorrido mais de três desde que foi encerrado o inquérito visando o apuramento da responsabilidade disciplinar e a decisão que deliberou converter tal inquérito em processo disciplinar.

1.2. O Conselho Superior do Ministério Público contestou a acção, começando por arguir a excepção da impugnabilidade da deliberação recorrida. Em seu entender o acto que constitui objecto da presente acção está sujeito a reclamação necessária para o Plenário do Conselho. Quanto ao mérito da acção sustenta a validade da deliberação recorrida.

1.3. Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção arguida pelo réu.

Inconformado com tal despacho o réu reclamou para a conferência.

Por despacho do Relator proferido a fls. 54 vº e 55º determinou-se que a reclamação fosse julgada pela conferência quando fosse apreciado o mérito da causa.

1.4. Não houve alegações.

1.5. Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência.

  1. Fundamentação 2.1. Matéria de facto Com interesse para o julgamento da reclamação para a conferência e do mérito da causa, consideram-se relevantes os seguintes factos e ocorrências processuais: a) Em 15 de Setembro de 2005 o Ex.mo Inspector do Ministério Público propôs "que seja instaurado procedimento disciplinar ao Lic. A... , enquanto Procurador-Adjunto na comarca de ..., à data dos factos investigados e actualmente colocado no ...de .... e bem assim, por estarem reunidos os necessários pressupostos, que o presente inquérito constitua parte instrutória do respectivo processo" - fls. 139 do apenso; b) O procedimento foi recebido no Procuradoria-geral da República em 17-3-2006; c) Pelo Ex.mo Conselheiro Procurador-geral da República foi proferido, em 23-3-2006, o seguinte despacho: "Designo relator o Ex.mo Sr. Dr. B... ".

    1. Em 11 de Julho de 2006 o Conselho Superior do Ministério Público deliberou "converter o inquérito realizado em processo disciplinar, nos termos do art. 214º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público".

    2. o arguido respondeu por escrito, nos termos constantes de folhas 166 e seguintes, alegando além do mais: "aceita que, no caso concreto, não cumpriu com o zelo exigível as suas funções, pois durante o período em que o processo esteve na sua posse é possível que tenha havido lapsos de tempo em que poderia e deveria tê-lo despachado...". " Mas se a acusação por falta de zelo é inquestionável, apesar das condicionantes em que tudo se passou e que muito atenuam o seu comportamento o arguido não perspectivou e muito menos aceitou a violação do dever de lealdade". (...) "A lealdade é algo que muito preza. Um princípio intrínseco que sempre o acompanha.

      Não fora o facto de vir acusado pela violação deste dever e nem sequer se pronunciaria quanto à acusação prescindindo de todo e qualquer prazo para tanto"; e) Em 21-10-2006, o Ex.mo Sr. Instrutor do Processo elaborou o relatório final, de onde consta: "(...) Pelo exposto, com a sua inércia, votando ao esquecimento e não despachando o processo de inquérito n.º ... , da comarca de ... que ficou paralisado, por sua única e exclusiva responsabilidade, durante mais de 59 meses (desde 14-12-199 até 9-11-2004) incorreu em responsabilidade disciplinar, já que agiu com negligência, com desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais, "maxime" os de aperfeiçoamento de métodos de trabalho e da sua adequação a um exercício da função efectivo e responsável. Agrava a responsabilidade do arguido a ocorrida prescrição dos procedimentos criminais. Atenuam-na o seu bom comportamento anterior (não sofreu qualquer sanção disciplinar e obteve já duas classificações de BOM), as péssimas condições de trabalho na comarca, as suas condicionantes familiares (longe da mulher e dos filhos e a necessidade de apoiar a sua mãe) e bem assim o seu deficitário estado de saúde, durante largo período em que esteve na comarca de ..., decorrente de depressão e esgotamento. Atento a todo o circunstancialismo trazido e tendo presentes os vectores da medida da pena e os interesses a acautelar (defesa da capacidade funcional da Administração), propomos que ao Licº A... , enquanto Procurador - Adjunto na comarca de ..., seja aplicada a pena de dez dias de multa de acordo com a disciplina conjugada dos artigos 163º a 168º (alterado pela Lei 143/99, de 31 de Agosto - multa de 5 a 90 dias), 131º, 185º da Lei 60/98, de 27 de Agosto e art. 3º. n.º 4, al. b) e n.º 6 do Dec. Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, ex vi art. 108º daquela lei.

      (...)".

    3. Por acórdão de 8-2-2007 a "Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público" deliberou aplicar ao autor a pena de dez dias de multa: "(...) Aderindo à proposta do Ex.mo Sr. Inspector e respectivos fundamentos (art. 30º, n.º 7 da Lei 60/98, de 27/8) acordam neste Conselho Superior do Ministério Público em aplicar ao Sr. DrA... a pena de dez dias de multa, de acordo com a disciplina conjugada dos artigos 163º a 168º (alterado pela Lei 143/99, de 31 de Agosto - multa de 5 a 90 dias), 131º, 185º da Lei 60/98, de 27 de Agosto e art. 3º. n.º 4, al. b) e n.º 6 do Dec. Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, ex vi art. 108º daquela lei".

    4. Na referida deliberação destacou-se, além do mais: "(...) - Em 9/8/1999 foram registados na comarca de ... os autos de inquérito com o n.... por factos ocorridos dois dias antes, susceptíveis de integrar os crimes de ofensa à integridade física e furto; - as diligências de inquérito foram levadas a cabo pela GNR, por competência delegada; - em 22-9-1999 foram os autos conclusos ao magistrado titular Sr. Dr. A...; - a 30-9-1999, o magistrado ordenou algumas diligências complementares; - a 14-12-1999 os autos foram de novo conclusos ao magistrado; - desde aí, o processo manteve-se concluso sem qualquer despacho, sendo devolvidos pelo magistrado só em 9-11-2004, já decorrido o prazo da prescrição e volvidos dezoito meses desde a movimentação deste magistrado para o ... de ...; - os autos constam dos registos estatísticos como tendo merecido despacho de acusação a 30-6-2000, por ordem do magistrado ao técnico de justiça adjunto; - o Magistrado levou o inquérito para ... e só depois da intervenção do Sr. Procurador da República de ... o devolveu.

      Remetidos os autos ao Sr. Instrutor, foi deduzida acusação a fls. 153-160, cujo teor se dá por reproduzido.

      O arguido apresentou contestação, junta a fls. 166-168, no essencial impugnado a violação do dever de lealdade, afirmando que nunca foi sua intenção esconder do controlo hierárquico o inquérito em causa.

      Realçou ainda as difíceis circunstâncias em que exerceu funções na comarca, mormente com situações de grande conflitualidade entre oficiais de justiça, que chegou a traduzir-se em violência e disparos de arma de fogo na secção, para além do magistrado se ter visto perante a necessidade de dar apoio a sua mãe, de 83 anos, isolada numa aldeia transmontana e com problemas de saúde, estando também longe da sua esposa e filho, em Lisboa, tendo atingido um estado de depressão e esgotamento que o levou a receber tratamento médico.

      Em face da contestação, entendeu o Sr. Inspector retirar a acusação no tocante à ventilada violação do dever de lealdade por não se ter logrado demonstrar inequivocamente o elemento subjectivo da infracção, propondo, nesta parte, o arquivamento dos autos.

      No mais, considera provados os factos vertidos no relatório de fls. 173 a 178 e conclui propondo que ao arguido seja aplicada a pena de dez dias de multa" - cfr. fls. 183 e 184 do apenso.

      2.2.

      Matéria de direito 2.2.1.

      Reclamação para a conferência.

      O Conselho Superior do Ministério Público reclamou para a conferência do despacho saneador, na parte em que foi julgada improcedente a excepção da inimpugnabilidade da deliberação, objecto da presente acção.

      Por despacho do Relator, proferido em 31-1-2008, determinou-se que a "reclamação será decidida no acórdão que julgar a causa", pelo que se impõe apreciar, agora, a aludida reclamação.

      No despacho saneador decidiu-se que "a reclamação prevista no art. 20º, 5, do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público não tinha carácter necessário e que, portanto, o acto proferido pela Secção Disciplinar era, desde logo impugnável, à luz do critério do art. 51º, n.º 1 do CPTA, uma vez que produziu efeitos externos (aplicou uma pena de dez dias de multa)".

      Na reclamação para a conferência o Conselho Superior do Ministério Público sustenta o carácter necessário da aludida reclamação, a qual tem vindo a ser afirmada pela jurisprudência maioritária e recente deste Supremo Tribunal. Acrescenta ainda que a decisão vertida na deliberação da Secção do CSMP não é um acto imediatamente lesivo - pressuposto para o seu ataque contencioso - uma vez que o seu destinatário dispõe de um meio impugnatório (reclamação para o Plenário do CSMP, com efeito suspensivo do acto de que reclama).

      O autor nada disse.

      A decisão reclamada é do seguinte teor: "O art. 29 ºdo Estatuto do Ministério Público (Aprovado pela Lei nº 47/86, de 15 de Outubro com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 10/94, de 5 de Maio e 60/98, de 27 de Agosto) tem a seguinte redacção: "Artigo 29.° Secções 1 - Quando se trate de apreciar o mérito profissional, o Conselho Superior do Ministério Público pode...

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