Acórdão nº 0159/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução24 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I. RELATÓRIO A...

, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF), que negou provimento ao recurso contencioso de anulação, que ali interpôs contra o acto do Conselho Directivo da Ordem dos Médicos Dentistas (ER) de 6 de Março de 2002, que indeferiu o pedido de atribuição do título de especialista em ortodontia.

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões: CONCLUSÕES: "1.ª A decisão recorrida é nula, nos termos do disposto no n° 1, al. d) do art. 668° do C.P.C., ex vi do art. 1° e 102° da LPTA, pois não se pronunciou sobre matéria alegada pelo recorrente, designadamente: • Violação da natureza de Associação Pública da Ordem dos Médicos Dentistas e dos princípios da excepcionalidade, da especificidade e da democracia interna; • Violação dos princípios da prossecução do interesse público, da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa-fé e da participação, e do princípio da igualdade; • Vício de incompetência e violação do Estatuto da Ordem (art. 14.°, n.° 2); • Vício de incompatibilidade (n.° 3 do art. 16.° dos Estatuto da Ordem).

  1. Por outro lado, a tese do Exmo. Sr. Juiz a quo relativamente aos actos (!?) de criação de especialidades, de titulação dos primeiros especialistas e de criação do Colégio de Especialidades, não pode colher, sob pena de clara e grosseira violação do principio constitucional da tutela jurisdicional efectiva e plena.

  2. Efectivamente, no caso sub judice não pode, sob pena de violação deste princípio constitucional, entender-se que o suposto decurso do prazo de impugnação consolidou aqueles "actos" na ordem jurídica, pelo que "há muito se encontra esgotado o prazo estabelecido para a apresentação do competente recurso" (pág. 8 da sentença recorrida).

  3. Em primeiro lugar, porque, desde logo, está em causa neste entendimento uma ilegitimidade activa e falta de interesse em agir: os "actos" em questão não eram, até à decisão do Conselho Directivo da Ordem Dos Médicos Dentistas, de 6 de Março de 2002, prejudiciais e lesivos dos interesses individuais e concretos do aqui recorrente. Aliás, nem sequer está em questão qualquer situação individual...

  4. A decisão do Conselho Directivo da Ordem Dos Médicos Dentistas, de 6 de Março de 2002, é que é o acto administrativo definitivo e executório, nos termos do disposto no art. 25º. da LPTA.

  5. Os actos (!?) de criação de especialidades, de titulação dos primeiros especialistas e de criação do Colégio de Especialidades só se tornaram lesivos na esfera individual do Recorrente aquando da decisão de indeferimento da atribuição do título de especialidade (acto recorrido, de 6 de Março de 2002), pois, até então, não há qualquer lesão de direitos... 7.ª Esta evidência é realçada pelo simples facto de estarmos perante o primeiro procedimento de titulação da especialidade em causa - daí o Regulamento o tratar e denominar, com estipulação de regras especiais, de "Processo Especial". É neste procedimento que se concretizam pela primeira vez, com efeitos lesivos, os "actos" em análise...

  6. Só neste Processo Especial de especialidade foi dada pela primeira vez concretização e aplicação, em termos de produção de efeitos na esfera jurídica do Recorrente, aos actos (?) de criação de especialidades, de titulação dos primeiros especialistas e de criação do Colégio de Especialidades.

  7. Assim, até à decisão impugnada pelo Recorrente no presente recurso contencioso, tais "actos" eram insusceptíveis de impugnação, por evidente irrecorribilidade: - falta de interesse em agir (não estamos perante qualquer situação individual e concreta); - ilegitimidade activa (não há qualquer relação jurídico-administrativa com o Recorrente); - falta de lesividade (tais actos não lesam qualquer interesse ou direito do recorrente).

  8. Desta forma, o eventual recurso contencioso seria totalmente inócuo, dando lugar à absolvição da instância por falta de pressupostos processuais...

  9. Seguindo a tese da sentença recorrida, e perante o exposto, tornavam-se tais actos completamente irrecorríveis, em violação das mais elementares regras de direito e princípios constitucionais!! 12.ª Os "actos" aqui em causa, a saber: • a criação de especialidades, • a titulação dos primeiros especialistas, • a criação do Colégio de Especialidades, não podem ser considerados como actos administrativos definitivos e executórios lesivos dos direitos e interesses individuais do recorrente, pelo que eram irrecorríveis.

  10. Tais actos só se tornaram impugnáveis contenciosamente a partir do momento da sua concretização e lesividade, o que, in casu, apenas ocorreu com o indeferimento da pretensão do aqui recorrente, ínsita no acto administrativo do Conselho Directivo da Ordem Dos Médicos Dentistas, de 6 de Março de 2002, de não concessão do título de especialista em ortodontia.

  11. Não considerando desta forma, a sentença recorrida viola os arts. 493°, nº 2 e 494.° do CPC.

  12. O art. 25.° da LPTA refere, no seu n.° 2, que a não impugnação de acto contido em diploma legislativo ou regulamentar não obsta à impugnação contenciosa de actos de execução ou de aplicação daquele acto.

  13. Esta determinação legal, interpretada extensivamente por força da evolução do contencioso administrativo e dos impulsos constitucionais, leva-nos, desde já, a qualificar aqueles "actos" aqui em análise, de forma a podermos traçar o respectivo regime jurídico de impugnação.

  14. Face à definição de "acto administrativo" consagrada no art. 120.° do CPA, temos de concluir que os actos em apreço, de criação de especialidades, de titulação dos primeiros especialistas e de criação do Colégio de Especialidades, são "actos administrativos gerais", pelo que não cabem na previsão daquele artigo do CPA, 18.ª Na verdade, tais actos não visam produzir "efeitos jurídicos numa situação individual e concreta", sendo certo que o legislador de 1991, ao instituir aquela definição, visou claramente "travar a tendência jurisprudencial que se vinha manifestando de considerar como actos administrativos as medidas ou comandos da Administração dirigidos a uma pluralidade determinada ou determinável de indivíduos (os comerciantes inscritos na Associação X ou os moradores na rua a propósito duma situação concreta. Sujeitas então, segundo a sua classificação jurisprudencial, com manifesto prejuízo dos destinatários, ao apertado regime de prazos de impugnação dos actos administrativos, essas medidas deixariam agora de poder considerar-se como tais (...) Foi tão longe o legislador do Código nesta matéria, que ligou a individualidade do destinatário do acto administrativo à sua própria identificação nele defendendo FREITAS DO AMARAL que é preciso individualizar o destinatário pelo seu nome e morada para que haja acto administrativo" (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES e J. PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2. edição, Actualizada, Revista e Aumentada, pág. 564).

  15. Perante tal, forçoso é concluir que não estamos perante actos administrativos e, como tal, perante decisões impugnáveis nos termos do art. 28.° da LPTA, conforme pretende a douta sentença recorrida, sendo de aplicar in casu o disposto no n.° 2 do art. 21° da LPTA.

  16. Concluindo, os actos (!?) de criação de especialidades, de titulação dos primeiros especialistas e de criação do Colégio de Especialidades, embora se referindo a uma situação concreta, destinam-se a uma pluralidade indeterminada de indivíduos, pelo que, não tendo em vista uma situação individual ou várias situações individualizadas, forçoso é admitir que, para efeitos procedimentais e contenciosos, não se tratam de "actos administrativos".

  17. Pelo que não podemos concordar com a sentença recorrida quando considera que o prazo de impugnação já decorreu há muito, com a consequência de consolidação de tais actos na ordem jurídica (pág. 8 da sentença recorrida).

  18. Os vícios assacados a tais actos pelo Recorrente poderiam e deveriam ter sido aquilatados pelo TAF de Coimbra, a propósito do acto recorrido, que surge como consequência e em aplicação daqueles, pelo que ao não se pronunciar, incorreu em violação das regas processuais aplicáveis, em detrimento do princípio constitucional da tutela jurisdicional plena e efectiva.

  19. Ao invés do judicialmente decidido, o Tribunal deveria pronunciar-se sobre os alegados vícios dos demais "actos", prévios e pressupostos do acto recorrido, alegados pelo Recorrente, a saber: • Violação da natureza de Associação Pública da Ordem dos Médicos Dentistas e dos princípios da excepcionalidade, da especificidade e da democracia interna; • Violação dos princípios da prossecução do interesse público, da legalidade, da justiça, da imparcialidade, da boa-fé e da participação, e do princípio da igualdade; • Vício de incompetência e violação do Estatuto da Ordem (art. 14.°, n.° 2); • Vício de incompatibilidade (n.° 3 do art. l6.° dos Estatuto da Ordem); 24.ª Normas jurídicas violadas: - art. 268°, n.° 4 da CRP e art, 2.° do CPTA.

    - arts. 493.°, n.° 2 e 494.° do CPC.

    - arts. 25.° e 28.° da LPTA.

  20. A sentença recorrida está, ainda, "viciada" porque o Exmo. Sr. Juiz a quo interpreta e aplica erradamente a lei, e aprecia erradamente os factos, desde logo porque o acto está ferido do vício de violação de lei, pois existe claramente uma incompatibilidade que inquina o acto em apreço.

  21. Na verdade, o Presidente do Conselho Directivo, órgão decisor do acto recorrido, era, também, à data da decisão, Secretário Geral da Ordem e Presidente do Colégio de Especialidade, para além de ter sido o mentor da criação, modo, funcionamento, regulamentação, colégio, critério de escolha dos seus membros, processo de candidatura, avaliação, critérios, etc.!!...

  22. Significa isto que o Sr. Secretário Geral da Ordem, Presidente do Conselho Directivo e Presidente do Colégio de Especialidade são cargos e funções exercidos pela mesma pessoa, em...

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