Acórdão nº 0281/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelJORGE LINO
Data da Resolução12 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1 "A..." vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que decidiu «negar provimento ao recurso, mantendo o acto impugnado» no «recurso contencioso do despacho de 23 de Setembro de 2003, do Exmo. Senhor Subdirector-Geral dos Impostos, alegadamente proferido por subdelegação, que indeferiu a prova apresentada pela recorrente, ao abrigo do art. 57°-C do Cód. do IRC, actual art. 61º do mesmo diploma legal».

1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.

a) O requerimento previsto no art. 57º-C, nº 7, do CIRC, que devia ser apresentado por entidade relativamente à qual se verificassem os pressupostos de aplicação daquela norma, devia ser apresentado no prazo de 30 dias do termo do período de tributação em causa; b) A apresentação daquele requerimento tinha por objectivo facultar ao contribuinte o conhecimento da posição da Administração Fiscal relativamente à situação exposta, para que a declaração de rendimentos do contribuinte seja apresentada em conformidade; c) Esta situação pressupõe o respeito pela Administração Fiscal pelo princípio da celeridade, hoje previsto no art. 55º da LGT, e 10º do CPA, ambos vinculativos da acção da Administração Fiscal; impõe ainda, e acima de tudo, que a Administração Fiscal respeite o prazo de dez dias estipulado no n.º 2 do art. 57º da LGT e no art. 71º do CPA para se pronunciar sobre o requerimento em questão, disposições que não foram respeitadas e que, por conseguinte, foram violadas; d) O cumprimento desta obrigação legal na apreciação do requerimento previsto no art. 57º-C, nº 7º do CIRC permite que no prazo limite de apresentação da declaração de rendimentos mod. 22 (último dia útil do mês de Maio), o contribuinte conheça a posição da Administração Fiscal relativamente à situação, e adeqúe aquela declaração à apreciação que a Administração Fiscal faça da situação; e) Uma tomada de posição por parte da Administração Fiscal aquando da apresentação dos requerimentos sucessivamente apresentados, teria possibilitado à recorrente adequar os seus procedimentos ao entendimento da administração, ou, pelo menos, ter conhecimento do facto de que a Administração Fiscal não aceitaria a prova feita no requerimento anual, elaborado para os efeitos do citado art. 57º-C do CIRC; f) A actuação da Administração Fiscal no caso configura um claro abuso de direito do Estado face ao contribuinte; g) O interesse por trás do poder tributário é a satisfação das necessidades colectivas, estabelecendo o artigo 103º da CRP que "o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza".

h) No entanto, tal poder não é absoluto, estando limitado pelo princípio da legalidade e pelos princípios materiais que constitucionalizam os pontos essenciais da lei fiscal, estabelecidos pela necessidade de encontrar na lei o fundamento directo da decisão administrativa, para assegurar a racionalidade dos comportamentos privados, que tem como condição a previsibilidade da lei fiscal e das decisões administrativas que a vão aplicar, e a calculabilidade dos encargos tributários; i) É exigível que a Administração Fiscal cumpra os prazos legais de resposta aos requerimentos do contribuinte, dado que essa é uma obrigação legal dos serviços; j) A resposta ao requerimento em questão é dada no limite do prazo de caducidade da liquidação ao exercício de 1999 (por só neste ano, em que a unidade produtiva ficou concluída e entrou em funcionamento, ter havido a capitalização dos custos dos juros dos empréstimos), permitindo ao Estado arrecadar uma receita relativa, não só ao imposto alegadamente devido no exercício de 1999, mas aos respectivos juros que seriam, de acordo com a tese agora apresentada pela Administração Fiscal, devidos pelo "atraso" na entrega daquela prestação tributária; l) Estabelece o art. 2º da CRP que a República Portuguesa é um Estado de Direito democrático, cuja Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, encontrando-se os órgãos e agentes administrativos subordinados à Constituição e à lei, actuando, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (art. 266º da CRP); m) A actividade da Administração Fiscal em particular, são ainda aplicáveis os princípios da prossecução do interesse público, da celeridade e colaboração com o contribuinte (arts. , e 10º do CPA, e 55º e 59º da LGT); n) A vinculação do Estado à sua actuação na situação em análise é evidente, dado o conhecimento da situação e as oportunidades que a Administração Fiscal foi tendo de decidir a situação; o) A Administração Fiscal não actua dentro dos limites da equidade e da boa fé quando, sabendo quais os procedimentos adoptados pelo contribuinte colocado na hipotética situação de subcapitalização aguarda seis longos anos para se pronunciar depois exigir, não só o imposto, entretanto acumulado, relativo aos juros não aceites, mas também os respectivos juros compensatórios; p) A longa passividade da administração foi de molde a produzir no contribuinte a convicção de que cumprira o disposto no art. 57º-C, nº 7 e que por isso não teria repercussões na sua situação contributiva; q) O abuso de direito em referência é caracterizado pela doutrina como venire contra factum proprium princípio consagrado no artigo 334º do cód. civ.: é ilegítimo o exercício de um direito "quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé", isto é, quando existem condutas contraditórias do titular do direito a frustrar a confiança criada pela contraparte em relação à situação futura; r) A aplicação da figura do abuso de direito ao Estado e do venire contra factum proprium é unanimemente admitida pela Doutrina e consagrada em abundante Jurisprudência, de que se destaca a expressa no acórdão do STJ de 11.11.1999, in BMJ n.º 491, pág. 214), numa situação em que a questão colocada era, exactamente, o venire contra factum proprium; s) As normas do art. 57º-C do CIRC, violam o direito comunitário; t) De acordo com o artigo 8º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, "As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português"; u) Quer a Doutrina, quer a Jurisprudência nacional vem reconhecendo, de forma constante, o primado do direito comunitário ou do direito convencional sobre o direito interno (neste sentido, Ac. do S.T.A. de 5-7-1995 (R. 18 904) in Bol. da D.G.C.I. (Ciência e Técnica Fiscal), 381, 301); v) O Tratado de Roma que instituiu a Comunidade Europeia, cujas disposições são directamente aplicáveis na ordem jurídica interna, estabelece que o TJCE é competente para decidir a título prejudicial da interpretação das normas do Tratado; x) Decidiu já, aliás, o STA, que o dever de acatamento do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias é imposto pelo artigo 5º, do Tratado de Roma. (Acs. Dout. do STA, 447, 378 Ac. do S.T.A. (T.P.) de 11-11-1998); z) O STA proferiu igualmente decisão no sentido de o reenvio prejudicial ao abrigo do artigo 177º, actual artigo 234º, do Tratado de Roma não se justificar "se as dúvidas sobre a interpretação da norma de Direito Comunitário aplicável ao caso em análise foram solucionadas por uma jurisprudência firme do Tribunal de Justiça, seja qual for a natureza do processo que deu lugar a essa jurisprudência". Decisão de 03.05.00, in Acs. Dout. do STA, 476-477, 1114); aa) A questão coloca-se, no caso em análise, com a apreciação da proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, contida no art. 6º do Tratado de Roma que instituiu a Comunidade Europeia (actual art. 12º, por força do Tratado de Amsterdão), face ao art. 61º do CIRC; bb) O mesmo Tratado estabelece que as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede social na Comunidade são nacionais desse Estado-Membro. (Cfr. artigo 58º do Tratado de Roma, actual artigo 48º por força do Tratado de Amsterdão); cc) O art. 73º-B do Tratado proíbe todas as restrições aos movimentos de capital entre Estados-membros e entre estes e terceiros Estados; dd) O Tribunal Europeu de Justiça tem vindo a considerar que leis internas de um Estado-Membro, discriminatórias entre sociedades residentes e não residentes violam o direito de estabelecimento consagrado no artigo 52º do Tratado de Roma (Actual artigo 48º por força do Tratado de Amsterdão); ee) São exemplos do entendimento do Tribunal Europeu de Justiça, relativos à proibição de tratamento não discriminatório em matéria de direito de estabelecimento o caso Sotgiu vs. Deutsche Bundespost (Ac. de 12.02.74, Proc. C-152/73, Rec. P. I-153), o caso Comissão vs. França (Ac. de 28.01.86, proc. 178/83, Comissão/França, Rec. P. 1-273), o caso Commerzbank, de 1993 e o caso Haliburton Serilces BV vs. Administração Fiscal Holandesa, de 1994; ff) As considerações que vêm sido feitas ao princípio da não discriminação, à interpretação feita deste princípio pelo TJCE, e à sua aplicabilidade na ordem jurídica dos Estados-membro têm inteira aplicação no caso do actual artigo 61º do CIRC, norma que incide unicamente sobre entidades não residentes, descriminando, designadamente, entre sócios nacionais e estrangeiros de pessoas colectivas residentes em território português; gg) A norma nacional sobre subcapitalização distingue, para efeitos de dedução de juros de empréstimos concedidos pelos sócios de sociedades "residentes" em território português, entre sócios residentes e sócios não residentes em território português; distingue, igualmente, para efeitos da dedução de juros de empréstimos celebrados pela sociedade, entre entidades residentes e entidades não...

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