Acórdão nº 0707/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | JORGE DE SOUSA |
Data da Resolução | 07 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... interpôs recurso contencioso da Resolução n.º 463/03 do Governo Regional da Madeira que declarou a utilidade pública, com processo urgente e posse administrativa imediata, de um prédio indicado na lista anexa àquela Resolução com o n.º 118, pertencente à Recorrente.
O Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso.
A Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional em que concluiu: 1 - O Acórdão recorrido omitiu factos que se acham consagrados no processo administrativo e estavam admitidos por acordo das partes e que se consideram serem essenciais para a boa apreciação das questões que tinham sido colocadas pela recorrente.
2 - Face ao disposto aos arts. 712 e 722 do C.P.C, deverá ser reconhecido que "a planta parcelar das parcelas a expropriação a expropriar" estava em poder do recorrido em Setembro de 2001; o programa do concurso para esta obra foi publicitado em 14/03/2002, em 7/3/2002 já tinha sido aprovado, em 22/11/2002 foi adjudicada a obra, em 5/11/2002, foi aprovado o caderno de encargos com a obra e em 26/09/2002 já a entidade recorrida efectuava o pagamento de indemnizações a expropriados por esta obra.
3 - Sendo ainda de realçar que em todo o procedimento administrativo referente à declaração de utilidade pública existiu apenas uma única notificação à recorrente, na qual, em simultâneo, se comunicava a intenção de requerer a utilidade pública e a decisão que já tinha sido tomada a esse respeito.
4 - Resultando da matéria provada que não existiu qualquer contacto prévio com a recorrente, nem existiu qualquer prévia avaliação.
5 - E, portanto, também não existiu a notificação exigida pelo art. 10, n.º 5 do Código das Expropriações, nem aquela que está prevista no art. 17, n.º 1 do mesmo Código.
6 - Como única justificação para preterição dessas regras, a entidade recorrida apenas invoca a existência do processo urgente.
7 - Sem que da respectiva "resolução" se retire qualquer fundamento que legitime a necessidade dessa "urgência".
8 - Aliás, dificilmente a entidade recorrida poderia invocar "urgência" para um procedimento que tinha iniciado quase dois anos antes, momento em que já se tornara clara a necessidade de proceder à aquisição do prédio da recorrente.
9 - Tendo existido um verdadeiro tratamento discriminatório da recorrente face a outros expropriados e sendo óbvio que a invocada "urgência" resultava de um comportamento da própria entidade recorrida que por esta tinha sido previsto e desejado, encontrando-nos, além do mais, perante um autêntico "venire contra factum proprium".
10 - Tendo a decisão recorrida feito errada aplicação do disposto nos arts. 10.º, n.º 1, al. c), 10.º, n.º 5, arts. 11.º, 15.º, n.ºs e 17.º, n.º 1, do Código das Expropriações e art. 100 do C.P.A., para além do desvio de poder atrás apontado.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, Como é de Justiça.
A Autoridade Recorrida contra-alegou, defendendo que o recurso jurisdicional deve ser julgado improcedente.
A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer nos seguintes termos: Parece-nos, salvo melhor opinião, ser de conceder provimento a presente recurso jurisdicional.
Não subscrevemos o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido de que não se impunha, neste caso, o cumprimento do art. 10º, nº 5, do Código das Expropriações (CE).
É certo que nos termos do art. 11º, nº 2, do CE, a notificação é uma só: para cumprimento do disposto no art. 10º, nº 5 e para dar a conhecer a proposta de aquisição por via de direito privado.
Trata-se de uma única notificação com duas funções.
Ora, se é certo que nos casos de expropriações urgentes não se impõe a notificação de uma proposta de aquisição por via de direito privado (nos termos do art. 11º, nº 1), já nenhuma razão existe para que não se mantenha a notificação apenas destinada a dar a conhecer ao expropriado e aos demais interessados o requerimento de declaração de utilidade pública.
Neste sentido se pronunciou o acórdão do T. Pleno deste STA de 2007.03.06, no processo nº 1595/03, tendo, a propósito dessa notificação, ponderada o seguinte: Esta notificação é um dos instrumentos de concretização do direito constitucional de "participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito" (art. 267º/5 da CRP). E é um dos elementos de grande relevo no estatuto procedimental do particular, uma vez que a publicização do procedimento é o ponto de partida de toda a dialéctica que o procedimento pressupõe e requisito essencial para a materialização de uma participação efectiva. O conhecimento, com antecedência razoável, do objecto do procedimento é, sem dúvida, condição não só da susceptibilidade de intervenção, mas também de uma participação informada, substancial e eficiente. Quanto mais cedo o particular souber de uma ablação, mais tempo disporá para preparar adequadamente a defesa dos seus interesses.
Acontece que neste caso muito embora a particular interessada tenha sido notificada do requerimento da Secretaria Regional do Equipamento Social e Transportes para a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação, tal ocorreu por ofício expedido na própria data em que o Governo Regional decidiu no sentido do pedido formulado, pela Resolução nº 463/2003 (em 16.04.2003).
A comunicação a que alude o art. 10º, nº 5, não foi, assim, feita com qualquer antecedência relativamente à declaração de utilidade pública da expropriação, pelo que, neste caso, se terá de considerar não cumprida a formalidade a que alude esse preceito, o que determina a anulação do acto impugnado.
O acórdão recorrido, ao perfilhar entendimento diverso do ora exposto, incorreu, a nosso ver, em erro de julgamento.
Nestes termos, emitimos parecer no sentido de que deverá ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se o acórdão recorrido e anulando-se o acto impugnado.
As partes foram notificadas deste douto parecer, pronunciando-se nos termos que constam de fls. 230-237 e 239-240.
2 - No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto: I. A recorrente é dona e legítima proprietária do prédio rústico e urbano, ao Sítio da ..., inscrito sob o artigo 26º, Secção AR.
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Por deliberação de 164-2003, denominada "Resolução nº 463/03", publicada no Jornal Oficial da RAM, I Série, de 24-4-2003, foi decidida a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de parte do citado prédio pertencente à recorrente, necessária à construção da "Nova Ligação Rodoviária Caniço [Cancela] - Camacha [Nogueira] - 2.
ª Fase", e assumida a imediata posse administrativa da referida parcela de terreno [cfr. fls. 9/20 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
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Por carta datada de 16-4-2003, enviada pela Secretaria Regional do Equipamento Social e recebida pela recorrente em 8-5-2003, foi esta notificada da urgência da aquisição das parcelas de terreno constantes das plantas e relação anexas à referida carta e de que havia sido "requerida ao Conselho do Governo Regional, a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra em título, ao abrigo do nº 1 do artigo 11º e artigo 15º do Código das Expropriações, aprovado em anexo à Lei nº 168/99, de 18 de Setembro" [cfr. fls. 7/8 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
3 - A Recorrente defende que deve ser ampliada a matéria de facto.
Dos cinco pontos que refere, quatro consistem em publicações de Resoluções do Governo Regional da Madeira (n.º 239/2002, de 7-3-2002, n.º 1153/2002, de 26-9-2002, e n.º 1452/2002, de 22-11-2002) e de uma Portaria (n.º 194/2002, de 5-11-2002), efectuadas no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira.
Apenas a consideração do direito consuetudinário, local ou estrangeiro está dependente da sua prova, como decorre do preceituado no art. 348.º do CC.
O...
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