Acórdão nº 0211/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução04 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I RELATÓRIO A..., LDª, com sede no ... , Braga, intentou no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, recurso contencioso de anulação das deliberações do Conselho de Administração do Instituto Nacional de Farmácia e do Medicamento (INFARMED), a primeira datada de 15 de Maio de 2001, que determinou o encerramento das suas instalações e a segunda, datada de 31 de Maio de 2001 que, na sequência daquela, revogou as autorizações de introdução no mercado de todos os medicamentos de que fosse titular.

Por sentença de 17 de Setembro de 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto negou provimento ao recurso contencioso.

  1. Inconformada, a impugnante recorre da sentença para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões: I A sentença recorrida incorreu em nulidade (art. 668º, nº 1, d), primeira parte do CPC), pois, relativamente ao acto impugnado de 15/5/01, não conheceu nem decidiu do fundamento do recurso invocado pela recorrente nos nºs 15 e 16 da alegação final e levado à conclusão 5., sendo certo que lhe era consentida a invocação desta ilegalidade na alegação final do recurso contencioso e que o eventual erro de qualificação jurídica da mesma (incompetência em vez de violação de lei) não era factor impeditivo do conhecimento e julgamento dessa ilegalidade pelo Tribunal (art. 664º do C.P.C) - cfr. desenvolvimento em supra 1; II Como resulta dos nºs 9 e 10 da matéria de facto da sentença recorrida e do alegado (nºs 5 e 6 da petição de recurso; 15 e 16 da alegação de recurso contencioso e sua conclusão 5), a recorrente, porque só então e sem culpa sua teve acesso à deliberação de 15/5/2001, alegou que tal deliberação havia incorrido na violação do disposto no art. 12º do DL nº 495/99, de 23 de Outubro, porque, contra o permitido naquele preceito, delegara poderes nos funcionários da inspecção para encerrar as instalações da recorrente.

    Erradamente configurou, é certo, essa ilegalidade como vício de incompetência, mas essa errada qualificação jurídica da ilegalidade não é impeditiva do conhecimento e julgamento pelo tribunal da ilegalidade descrita pela recorrente, atento o disposto no art. 664° do C.P.C. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao negar provimento ao recurso por tal fundamento, pois o C.A. do INFARMED, por essa deliberação, transferiu para os funcionários da Inspecção o exercício do poder de decidir o encerramento dos Laboratórios da recorrente, ainda que como medida cautelar.

    Credenciou-os ou habilitou-os a aferir da necessidade do encerramento, como medida cautelar, e, no caso afirmativo, a proceder ao encerramento desses laboratórios o que significa que para eles transferiu o exercício do seu poder decisório de ordenar o encerramento dos laboratórios da recorrente como medida cautelar ou preventiva; ou seja, para eles transferiu o exercício do poder de decidir se tal encerramento era necessário para proteger os interesses da saúde pública; ou, dito doutro modo, para eles transferiu o exercício do poder de decidir que, sem tal encerramento, havia justo receio de se produzir lesão grave ou de difícil reparação dos interesses públicos em causa - a saúde pública - ou, se se quiser, para eles transferiu o exercício do poder de decidir que, sem tal encerramento, havia perigo para a saúde pública, como, aliás, foi genericamente invocado no auto de encerramento.

    Nesses agentes da Administração, que não são dirigentes do INFARMED ou membros do seu C.A, delegou, pois, tais poderes dispositivos e decisórios (artº 35° do C.P.A.).

    A lei não lho permitia (art. 12° do DL n° 495/99), pois o C.A. é que é o órgão competente para a decisão final nesse âmbito (art. 10°, nº alínea 1) do DL n° 495/99 e art. 84°, n° 1 do CPA e supra 4 da presente alegação) e aqueles funcionários não são membros do C.A., nem dirigentes do INFARMED.

    E a competência é inalienável, o que equivale a dizer que a delegação de poderes só é legítima quando a lei a consente.

    É o que resulta do n° 2 do art. 111º da CRP: «A técnica de redacção é defeituosa, sendo óbvio que o espírito da norma abrange igualmente a Administração directa e indirecta do Estado» - Cfr. Sérvulo Correia, in Noções de Dir. Administrativo, pág. 174, e do art. 29°, n° 2 do CPA, em consonância com o qual, «a delegação de poderes feita sem previsão legal é nula e de nenhum efeito...» - cfr. Mário Esteves de Oliveira e Outros, Código Procedim. Administrativo, anotado, 2ª Edição, pag.194.

    Negando provimento ao recurso por tal fundamento a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo ser revogada nessa parte e, em sua substituição, deve julgar-se procedente o recurso, declarando-se nula, ou anulando-se, a deliberação recorrida pela imputada violação do disposto no art. 12° do DL nº 495/99 - cfr. desenvolvimento em supra 2; III Quanto ao invocado vício de falta de audiência prévia, não estava a entidade recorrida dispensada de alegar e fundamentar as previsões contidas nas alíneas a) (urgência) e b) (comprometimento da execução ou utilidade da decisão), do nº 1, do art. 103.° do C.P.A.; IV.

    Na verdade, a deliberação de 15/01/2001 credenciou os funcionários para proceder ao encerramento das instalações tão somente em "caso de necessidade e como medida cautelar", não tendo tais funcionários (no auto de encerramento), nem o próprio INFARMED "a posteriori", nada tendo dito para justificar a falta de audiência prévia designadamente na vertente referida; Assim, a sentença recorrida, ao julgar improcedente - determinante da anulação da respectiva decisão de 15/05/01 (como, aliás, constava da douta sentença de 20/11/03) - o alegado vício de incumprimento, violou por erro de interpretação e aplicação as referidas normas, em conjugação com o art. 267.°, nº 5, do C.P.A.

    1. Quanto ao vício de erro sobre os pressupostos de facto e que a douta sentença recorrida julgou improcedente, por considerar provados factos que tinham sido impugnados pela recorrente, que também alegou outros opostos ou, pelo menos, com relevo descaracterizador da imputada ilicitude, devia ter sido dada possibilidade à recorrente de sobre eles fazer produção de prova; Assim, tendo a sentença recorrida impedido a produção de prova pela recorrente, sem a elaboração de despacho saneador e questionário, nos termos do artº 828º do Código Administrativo e com manifesta violação do princípio do contraditório (artº 2º do C.P.C.), com o argumento de que as fotografias dos autos eram elucidativas (entende-se quanto ao fabrico de medicamentos, o que se prende com a invocada causalidade adequada, o que também é uma questão de facto), foi violado o princípio da garantia jurisdicional do recurso contencioso - art. 20.° e 268º nº 1, nº 4, da CRP; VI Acresce que há factos invocados na deliberação recorrida - e que, como tal, foram aceites pela douta sentença recorrida - que são, pela sua incerteza e indefinição, ininteligíveis, não se assumindo essa decisão como acto administrativo, por falta de objecto, impedindo a recorrente de, cabalmente, se defender (cfr. M. Caetano "Manual", Vol. I, p. 438 e 481 e "Princípios Fundamentais de Direito Administrativo", pág. 151, quando faz referência a "efeitos indefinidos" e, entre outros, ac. do STA de 30/10/80 - in AD nº 228, p. 1429); VII Na verdade:

    a) Instalações degradadas - o que são e em que consiste essa degradação; b) "sujas" - em que local? c) "Infiltrações de humidade e fungos" - onde e de que tipo? d) "Fraccionamento de matérias primas" - qual o sentido e consequência desse facto? e) "Algum material de embalagem e matérias primas ensopadas em água" - que quantidade quer da "embalagem" quer das matérias primas? Qual a incidência disso na produção de medicamentos? VIII Assim, a deliberação de 31/05/2001, é, nessa medida, inexistente ou nula, nos termos do art. 133º nº 1, al. c) do CPA, o que é de conhecimento oficioso.

    IX Quanto aos vícios de incompetência da deliberação de 31/05/2001 (conclusão 11 da alegação, com suporte alegado no art. 43º do requerimento inicial e 30 a 33 da alegação do recurso contencioso), deve ser revogada a sentença recorrida enquanto negou provimento ao recurso por tal fundamento e substituída por outra que por esse fundamento anule a referida deliberação de 31/5/2001, pois fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 15º, nºs 1, 5 e 6 do DL nº 72/91, na redacção dada pelo DL nº 272/95, dos artigos 6º, nº 1, parte final, 10º, nº 2, alíneas h), i), j), k) e l) e nº 3, do DL nº 495/99 e 9º do C. Civil porque a competência para a revogação das autorizações, a favor da recorrente, de introdução no mercado dos medicamentos de uso humano (ainda quando tal revogação seja qualificada de "revogação-sanção") é apenas do Ministro da Justiça, entidade competente para as conferir, e porque não houve delegação deste no C.A. do INFARMED, nesse âmbito (art. 10º, nº 3 do DL nº 495/99), nem sequer, alegação e invocação de que tal tenha ocorrido, nem os normativos do art. 15º, nºs 1, 5 e 6 do DL nº 72/91, na redacção dada pelo DL nº 272/95, foram derrogados pelo artigo 10º, alíneas i) e l) do DL nº 495/99, não conferindo tais preceitos ao C.A,. do INFARMED poderes para revogar as referidas autorizações de introdução no mercado de medicamentos de uso humano.

    Deve, pois, ser substituída...

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