Acórdão nº 0564/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução15 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) I. “A…, LDA”, com sede na …, em Algés, interpôs no TAC de Lisboa recurso contencioso para declaração de nulidade ou anulação do despacho do VEREADOR DO PELOURO DO URBANISMO da C.M. Cascais, de 27.10.2002, notificado à recorrente por ofício de 14.01.2003, pelo qual foi indeferido o pedido de aprovação do projecto de arquitectura relativo à construção de um armazém que pretende levar a cabo num prédio de que é proprietária, sito em Trajouce, município de Cascais.

Por sentença daquele Tribunal, de 27.02.2008 (fls. 112 e segs.), foi julgado improcedente o recurso.

É desta decisão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação a recorrente formula as seguintes conclusões: 1. Conforme se decidiu na douta sentença recorrida, o pedido de licenciamento apresentado em 2001.05.21 foi tacitamente deferido, pelo menos, em 2001.07.03, ex vi do disposto nos arts. 41°/2 e 61°/1 do DL 445/91, de 20 de Novembro (v. art. 108° do CPA) - cfr. texto n.°s 1 a 3; 2. Dos termos e circunstâncias em que o acto sub judice foi praticado, não resulta, de qualquer forma, o reconhecimento da existência de anteriores actos constitutivos de direitos e a voluntariedade da sua revogação, faltando um dos elementos essenciais do acto em análise, que é assim nulo (v. arts. 123°/1/e) e 133°/1 do CPA) - cfr. texto n.ºs 4 a 8; 3. O despacho sub judice revogou ilegal e intempestivamente anteriores actos constitutivos de direitos, tendo violado frontalmente os arts. 140º/1/b) e 141° do CPA, pois não foi demonstrada nem se verifica qualquer ilegalidade do acto revogado - cfr. texto n.ºs 9 e 10; 4. O despacho sub judice enferma de diversas violações de lei, pois:

  1. Violou frontalmente o disposto no art. 266° da CRP e nos arts. 17°, 41° e 63° do DL 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção dada pelo DL 250/94, de 15 de Outubro, na medida em que os fundamentos invocados não integram a previsão de qualquer das alíneas destes normativos legais, que contêm uma enumeração taxativa; b) As plantas do PDM de Cascais, publicadas no Diário da República, não permitem qualquer conclusão definitiva sobre a classificação e potencialidades urbanísticas do imóvel da ora recorrente (v. art 119° da CRP; cfr. fls. 2994 a 2999 do DR, I Série-B, de 1997/06/19), pelo que o referido instrumento de gestão territorial é claramente inaplicável in casu (v. art. 204° da CRP, art. 4°/3 do ETAF e art. 8° do C. Civil); c) O pedido de licenciamento apresentado pela ora recorrente respeita as normas regulamentares do PDM de Cascais, nomeadamente o disposto nos respectivos arts. 2°/3/g) e 25°, maxime no que se refere ao índice de construção aplicável (0,5); d) O art. 25° do regulamento do PDM de Cascais não impõe a elaboração de qualquer plano de pormenor, limitando-se a estabelecer, em termos programáticos e não vinculativos, a sua elaboração, pelo que nunca poderia fundamentar o indeferimento da pretensão da ora recorrente (v. arts. 41° e 63°do DL 445/91, de 20 de Novembro) - cfr. texto n.ºs 11 a 16; 5. O despacho sub judice enferma de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é obscura, contraditória, insuficiente e incongruente, pelo que foram frontalmente violados o art. 268°/3 da CRP e os arts. 124° e 125° do CPA, pois: a) Consubstancia-se num simples "Indeferido por delegação, de acordo com a informação dos serviços datada de 23/10/02", não contendo quaisquer fundamentos de facto e de direito do indeferimento da pretensão da ora recorrente, sendo certo que a informação que o antecede – "Concordo. É de indeferir" – também não contém quaisquer razões válidas daquele indeferimento e não concretiza a violação de quaisquer normas jurídicas; b) A entidade recorrida não indicou qualquer fundamento de ilegalidade dos anteriores actos constitutivos de direitos, nomeadamente do deferimento tácito da pretensão da ora recorrente (v. art. 63° do DL 445/91, de 20 de Novembro, art. 77° do DL 100/84, de 29 de Março e arts. 138° e segs. do CPA) - cfr. texto n.ºs 17 a 24; 6. A sentença recorrida, ao decidir que o despacho sub iudice não está ferido pelo vício de incompetência, enferma de manifesto erro de julgamento, pois: a) Nos termos dos arts. 2°/1 e 17°/1 do DL 445/91, de 20 de Novembro, na redacção introduzida pelo DL 250/94, de 15 de Outubro, pertencia à Câmara Municipal a competência para apreciar a pretensão apresentada pela ora recorrente; b) Esta competência era delegável no Presidente da Câmara Municipal, podendo este subdelegá-la em qualquer dos Vereadores (v. art. 52°/1 e 2 do DL 100/84, na redacção da Lei n.º 18/91; cfr. art. 65° da Lei 169/99, de 18 de Setembro); c) A entidade recorrida não provou minimamente que a CMC tenha delegado as competências em causa no seu Presidente e que, posteriormente, este tenha subdelegado aqueles poderes no referido Vereador, através de actos devidamente publicados no boletim municipal ou em edital afixado nos lugares de estilo (v. art. 91° da Lei 169/99, de 18 de Setembro, art. 84° do DL 100/84, de 29 de Março e art. 37°/2 do CPA) - cfr. texto n.ºs 25 a 28; 7. O despacho sub iudice ofendeu abertamente o conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade privada da ora recorrente, consagrado no art. 62° da CRP, pois revogou anteriores actos constitutivos de direitos e indeferiu a sua pretensão sem se basear ou invocar normativos válidos e eficazes, criando assim restrições ao referido direito mediante simples acto administrativo, pelo que a sua nulidade é inquestionável (v. art. 133°/2/d) do CPA) - cfr. texto n.ºs 29 e 30; 8. O acto em análise, ao indeferir a pretensão da ora recorrente, revogando anteriores actos constitutivos de direitos, violou os princípios da igualdade, justiça, boa-fé, confiança e respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos da ora recorrente, pois, perante o deferimento tácito da sua pretensão, impunha-se a respectiva aprovação – cfr. texto nºs 31 e 32; Nestes termos, Deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e declarando-se nulo ou anulando-se o acto sub judice, com as legais consequências II. Contra-alegou a entidade recorrida, concluindo: I. "Elementos essenciais" do acto administrativo no sentido do n.º 1 do art. 133.º do Código – cuja falta determina a sua nulidade – são apenas aqueles elementos que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos.

    1. No tocante ao acto recorrido, a menção ao deferimento tácito (ou à sua revogação implícita) não pode ser qualificada como elemento essencial daquele, à luz dos referidos critérios, e consequentemente, a alegada falta da referida menção jamais é susceptível de gerar a nulidade do mencionado acto.

    2. O acto recorrido não teve por objecto emitir pronúncia sobre o eventual deferimento tácito do projecto de arquitectura, revogando-o ou mantendo-o na ordem jurídica, nem a ora Recorrente solicitou à Câmara Municipal de Cascais e/ou ao Recorrido que se pronunciasse sobre tal questão.

    3. Constam do acto recorrido as menções previstas na al. e), do n.º 1 do art. 123.º do CPA, já que, por um lado a palavra "indefiro" nele aposta significa que o conteúdo/sentido da decisão tomada se consubstanciou na rejeição do pedido de aprovação do projecto de arquitectura apresentado pela Recorrente, e por outro lado dele também consta o respectivo objecto, uma vez que dúvidas não podem existir que tal acto versa sobre a pretensão de aprovação do projecto de arquitectura, para a realização de uma dada operação urbanística.

    4. A sentença recorrida fez correcta aplicação da lei ao decidir que ao acto em causa não falta qualquer elemento essencial que possa determinar a sua nulidade, por aplicação do art. 133.°, n.º 1, do CPA.

    5. O deferimento tácito do projecto de arquitectura é nulo e de nenhum efeito, e mesmo que dessa invalidade não padecesse, o certo é que tal acto era inexistente, por ter caducado, por força do disposto na segunda parte do n.º 4, do art.º 17.º - A do D.L. 445/91.

    6. Assim, o acto posto em crise tão pouco estava vinculado a fazer qualquer menção ao aludido deferimento tácito, ou determinar a revogação do mesmo, pela simples razão que os actos nulos ou inexistentes são insusceptíveis de revogação (art.º 139.°, n.º 1, al. a) do CPA).

    7. Resulta dos factos provados que a pretensão urbanística da Recorrente estava em clara desconformidade com o art. 25.º n.º 1, al. a), a.1 e b), e n.º 3 do Regulamento do PDM de Cascais, quer no que respeita às características morfológicas dominantes (parâmetros urbanísticos, tipologias arquitectónicas, índices de construção), quer no tocante à dotação para parqueamento e áreas de cedência, quer, ainda, no que respeitava ao uso proposto.

    8. Estatui o art.º 103 do Decreto-lei 380/99 que são nulos todos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável, sendo certo que o art.º 52, n.º 2, alínea h), do Decreto-Lei 455/91 igualmente determina que os actos administrativos que violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território são nulos.

    9. De acordo com o art.º 139°, n.º 1, do CPA, os actos nulos não são susceptíveis de revogação, pelo que o acto recorrido nunca poderia ter revogado o alegado acto de deferimento tácito do projecto de arquitectura, XI. Por força do art.º 134, n.º 1, do CPA, o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, pelo que o acto impugnado não revogou, nem poderia ter revogado, um acto constitutivo de direitos, na medida em que, por definição, um acto nulo não constitui direitos na esfera jurídica dos particulares.

    10. Mesmo a entender-se que o acto tácito invocado pela Recorrente seria válido – o que apenas se equaciona por dever de patrocínio – a verdade é que tal acto teria caducado por força do n.º 1 e do n.º 4 do art.º 17.º-A do D.L. 445/91, já que a Recorrente não solicitou a aprovação dos projectos de...

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