Acórdão nº 0659/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução23 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório O MINISTÉRIO DA CULTURA apresentou recurso de REVISTA do Acórdão de 23/4/2009, proferido no TCA – sul que negou provimento ao recurso por interposto da sentença proferida no TAC de Lisboa que o condenou a emitir as certidões pedidas por A…, alegando em síntese:

  1. O presente recurso é interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 23 de Abril de 2009, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença que, em 15 de Janeiro de 2009, intimou o ora recorrente a emitir um conjunto de certidões requeridas por A…, documentos preparatórios do despacho, de autoria conjunta do Recorrente e de Sua Excelência o Secretário de Estado do Tesouro e Finanças, de 28 de Julho de 2008, através do qual foi determinada a dissolução do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II; b) A decisão recorrida consubstancia uma errada aplicação do direito e, bem assim, uma distorção e uma disfunção do meio processual estabelecido no artigo 104.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na medida em que admite a sua utilização, e o concomitante reconhecimento de um direito pensado e estabelecido para as relações regidas pelo direito público, por quem se encontra integrado numa relação de natureza jurídico-privada, de onde emergem conflitos de natureza jurídico-privada, a resolver perante os tribunais comuns.

    c) Esta disfunção, de que resulta o aparecimento de uma das partes em posição desigual em relação a outra, numa situação em que a igualdade das partes é um valor pressuposto e essencial, deriva de uma incorrecta apreciação da situação em apreço por parte do Tribunal recorrido e, assim, de uma errada aplicação do Direito que justifica, agora, a utilização deste recurso excepcional de revista.

    d) No caso em apreço, porquanto não existe uma actividade jurídico-pública ou um procedimento administrativo, não têm aplicação as disposições constitucionais e legais relativas ao direito de informação procedimental e acesso aos documentos e registos administrativos nem, bem assim, as normas processuais relativas à intimação para passagem de certidão; e) A decisão recorrida, contudo, ignorou a natureza do vinculo estabelecido e do “acto” que operou a respectiva cessação, ignorando, igualmente, que daí deveriam retirar-se consequências importantes para o julgamento da causa, abstendo-se de apreciar aquela questão fundamental, facto que conduziu a um resultado que distorce um dos fundamentos que se encontram na génese da consagração constitucional do princípio da administração aberta e da sua concretização legal; f) O entendimento que se perfilhe no que à natureza jurídica do vinculo que se estabelece entre uma empresa pública e os seus gestores e do acto através do qual se procede à respectiva dissolução mostra-se determinante para a conclusão a retirar sobre a aplicação das regras relativas ao direito de obtenção documentos; g) O Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E., é uma entidade pública empresarial que, não obstante a natureza jurídica de pessoa colectiva de direito público, rege-se, no que não estabelecido nos respectivos estatutos, regulamentos internos e legislação aplicável às empresas públicas, pelo direito privado, h) Consubstanciando, igualmente, soluções de direito privado, que prescindem das características e poderes inerentes à natureza pública da entidade, algumas das normas contidas nos respectivos estatutos. E o caso da norma estabelecida para a dissolução do respectivo órgão de administração; i) Aplica-se aos membros do conselho de administração do Teatro, nos termos do artigo 11º dos respectivos Estatutos, o Estatuto do Gestor Público, de cuja regulamentação se retira, tal como sucedia no âmbito do diploma que o antecedeu (cfr. jurisprudência citada no ponto 9., supra) consubstanciar o vinculo que se estabelece entre o gestor e a empresa uma relação de mandato, regido, no que ali não estivesse estabelecido, pela lei civil; j) Daí, por exemplo, a remissão para o Código das Sociedades Comerciais (artigo 40.°) e deste para as regras relativas ao contrato de sociedade e de mandato constantes do Código Civil; o reflexo do princípio da livre revogabilidade do mandato (cfr. artigo 1.170.° do Código Civil) nas formas de cessação elencadas nos seus artigos 24.° a 27.°, que admitem a demissão/dissolução por mera conveniência de serviço e, bem assim, a renúncia do gestor; e a não submissão do procedimento que antecede a revogação a regras típicas do procedimento administrativo, como aquelas que impõem a fundamentação de todos os actos ou a audiência prévia de todos os interessados; k) No âmbito do referido contrato de mandato estabelecido, o acto de dissolução do órgão de administração consubstancia mera declaração de base negocial submetida a um regime de direito privado, sem que nesta se manifeste, por parte da entidade de que emana, a manifestação de qualquer poder de autoridade, mas mero exercício de prerrogativa que resulta dos termos do contrato (de direito privado) celebrado por parte de quem (o accionista), dentro da empresa, tinha direito de o fazer; 1) Deve equiparar-se o “poder” conferido aos representantes estatutariamente designados do accionista único da empresa à competência da assembleia geral de sociedade comercial para destituir os membros do conselho de administração, prosseguindo aqueles, como órgãos da empresa, as atribuições do Teatro enquanto titular da relação de mandato; m) Da relação de mandato são apenas partes o Teatro e o gestor, não se estabelecendo qualquer relação entre o accionista (órgão estatutariamente competente para alguns efeitos) e este último; n) Neste sentido, ao não julgar verificada a excepção da ilegitimidade passiva do ora Recorrente nos presentes autos de intimação — competente para praticar os actos ou observar os comportamentos pretendidos é, não o accionista Estado, mas o titular da relação jurídica de mandato — , violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 10.0 e 104.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; o) Incorreu, contudo, igualmente em erro de julgamento ao considerar existir, in casu, e independentemente de em questão estar, ou não, a emanação de um acto administrativo, o dever de facultar os elementos pretendidos; p) Ora, estando em causa um acto regido pelo direito privado — e não uma estatuição autoritária, emanada no uso do ius imperii, ao abrigo de normas de direito público — praticado por ente público nos exactos termos em que o seria por entidade de direito privado no âmbito de idêntica relação contratual, não cabe aqui falar em procedimento administrativo (como sucessão de actos tendentes à emissão de acto administrativo) ou enquadrá-lo nas normas que regulam a formação e execução de actos administrativos, como aquelas que respeitam os direitos de informação procedimental; q) A consideração de que, independentemente da discussão sobre a natureza do acto de dissolução e do vinculo administrador/empresa, o disposto no artigo 268.° da Constituição e na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos impõe o deferimento do pedido de intimação do Recorrente, esquece que na génese dos direitos ali estabelecidos se encontra também a ideia de que Administração e administrados não se encontram em pé de igualdade, merecendo os últimos uma protecção especial, que lhes confere o direito de conhecer toda a documentação em que se baseia a Administração na respectiva tomada de decisão; r) Estabelecendo-se entre um ente público e um particular um contrato de mandato regido pelas normas de direito civil, as partes estão em absoluta igualdade de posições, não se conferindo ao ente público direitos diferentes daqueles que são conferidos a qualquer privado nas mesmas circunstâncias, pelo que deixa de se justificar a especial protecção conferida ao particular que, se mantida, levará, isso sim, a um absoluto desequilíbrio na relação mantida; s) O facto de estarem aqui em causa normas que constituem o desenvolvimento de princípios constitucionais não impõe, atenta as especiais características das empresas públicas e as exigências dos modelos de gestão (privada) naquelas instituídos, a aplicabilidade daquelas à actividade de gestão privada de pessoas colectivas públicas, tal como melhor refere a doutrina referida supra, no ponto 14; t) Violou, ademais, a decisão a quo o disposto no artigo 65.° do Código do Procedimento Administrativo e, bem assim, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos aprovada no seu desenvolvimento, na medida em que considerou que os documentos solicitados, analisados na fase preparatória de acto de gestão privada, se compreendem na definição, contida no artigo 3.° da LADA, de “documento administrativo”, quando a mesma norma expressamente exclui aqueles cuja elaboração não releve, como foi o caso, da actividade administrativa.

    u) Na medida em que, sem que se verificassem os pressupostos de que a lei faz depender o uso do meio processual estabelecido no artigo 104.° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos — designadamente, o direito de obtenção de documentos ao abrigo do disposto nos artigos 61.° a 65.° do Código do Procedimento Administrativo e da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos— , se concluiu pela intimação do Recorrente para obtenção de informações relativas a relação contratual de direito privado, violou o douto Acórdão recorrido, uma vez mais, o vertido no referido artigo 104°.

    O recorrido respondeu pugnando pela inadmissibilidade da revista e pela manutenção do acórdão do TCA Sul, formulando por seu turno as seguintes conclusões:

    1. Veio a entidade Requerida recorrer do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo do Sul, que acordou em negar provimento ao recurso jurisdicional e em confirmar a sentença recorrida, intimando, em consequência, o ora Recorrente a emitir, em 10 dias, as certidões solicitadas.

    2. No entanto, prevê o n° 1 do artigo 150º CPTA que das decisões...

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