Acórdão nº 0299/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução25 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório O ESTADO PORTUGUÊS vem recorrer da sentença do TAC de Lisboa que, em sede de acção declarativa de condenação com processo ordinário, o condenou a pagar à B..., SA, a quantia de Esc. 624.479.506$20, no correspondente contravalor de 3.114.890,65 Euros, acrescida de juros moratórios. Esta, por sua vez, notificada da admissão do recurso interposto pelo Estado Português, deduziu um recurso subordinado, limitado às questões cuja decisão lhe foi desfavorável.

O Estado Português alegou, concluindo como segue: 1. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 277.° do Código Civil e 2.° e 6.° do Decreto-Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967; 2. O Tribunal a quo apreciou e valorou mal a prova, existindo, por conseguinte, erro no julgamento; 3. Ainda que assim se não entenda, sempre se dirá que a matéria de facto é insuficiente para o Tribunal considerar verificados os requisitos de responsabilidade civil do Estado; 4. Não tem cabimento o pagamento de qualquer indemnização por parte do Réu Estado Português, uma vez que não ficou demonstrada, na sentença, a existência de qualquer dano; 5. O pressuposto da existência do dever de indemnizar, resultante do exercício deficiente do dever de informar, assenta na existência efectiva de vício de informação, o que não se acha provado; 6. Já que apenas são indemnizáveis os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido, se não fosse a lesão; 7. A sentença violou, por isso, o disposto no artigo 563.° do Código Civil.” A Recorrida B...

contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: 1ª. A sentença recorrida não padece de vício de violação de lei - artigo 227° do CC e artigos 2° e 6° do Decreto-Lei n.° 48051 de 21 de Novembro de 1967, pelo que improcede a conclusão 1 do recorrente; 2ª. Não tendo o Tribunal a quo apreciado e valorado mal a prova dos autos, a decisão proferida não padece de vício de “erro de julgamento”, nem enferma a prova de “insuficiência”, conforme invocado na conclusão 2ª; 3ª. Pelo contrário, a factualidade assente é cabal e suficiente ao julgamento da responsabilidade do Estado ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pela B..., quer os reconhecidos no aresto recorrido, quer, ainda, os reclamados no recurso subordinado interposto pela recorrida; 4ª. Ficou provado que o Estado disponibilizou, na fase de concurso de privatização da C..., um conjunto de documentos confidenciais, no qual se incluía um Relatório de avaliação do Fundo de Pensões - fls. 29 a 33 dos autos - que continha avaliação das responsabilidades do Fundo à data de 31 de Dezembro de 1993, cfr. alíneas i) e j) de fls. 1000 da factualidade assente; 5ª. Nesse Relatório continha-se avaliação actuarial em dois cenários, sendo que o denominado “Cenário 1”, revelava um défice de financiamento das responsabilidades do Fundo no montante de 368.560 contos. cfr. alíneas m) e n) de fls. 1001; 6ª. A C... e o Estado adoptaram como bom e tomaram em consideração o “Cenário 1”, ao elaborar e aprovar, respectivamente, o Relatório de Gestão e as Contas da C... relativas ao exercício de 1993, cfr. alíneas) de fls. 1001; 7ª. Desse Relatório da Gestão e dos Pareceres, Relatórios e Deliberações que o aprovaram, ficou a constar que “para cobertura da diferença existente entre as responsabilidades por Serviços Passados e o valor global do Fundo, foi constituída uma Provisão de 368.560 contos”. cfr. alínea q) de fls. 1002 da factualidade assente; 8ª. O agrupamento D..., apresentou a sua proposta no concurso de privatização da C... e ofereceu o preço de 2.912$00 por acção (12$00 acima do preço fixado pelo Estado), cfr. alínea s) e v) de fls. 1002 e alínea g) de fls. 1000; 9ª. Através da Resolução do Conselho de Ministros n.° 52/94 de 16 de Junho, o Estado confirmou o agrupamento D... como adquirente do bloco de acções constituído por 10.928.000 acções da C..., cfr. alínea u) de fls. 1002; 10ª. A S..., ora recorrida, sucedeu à D... no capital da C..., nos termos provados nas alíneas x), y) e z) de fls. 1003; 11ª. Em resultado das aquisições de acções efectuadas pela D... esta ficou a deter 13.166.340 acções da C..., tendo pago por acção o mesmo preço que a D... (2.912$00), cfr. alíneas bb) de fls. 1002 e tt) de fls. 1007; 12ª. Após tais aquisições, a B... veio a ser confrontada com novo relatório da entidade gestora, E..., que lhe foi enviado em 27.07.1995, que por referência da 30.06.1995, o Fundo de Pensões apresentava um défice de activos para financiar as responsabilidades num montante 1.305.773 contos, cfr. alíneas cc) e dd) de fls. 1003; 13ª. Assim, só na referida data de 27 de Julho de 1995 é que a aqui recorrida tomou conhecimento da existência de excesso da situação deficitária do Fundo, nos termos que constam da na alínea vv) de fls. 1007; 14ª. Com vista à determinação exacta do passivo do Fundo, a recorrida, solicitou e obteve da empresa “F...” novo relatório de avaliação do Fundo (fls. 52 a 63 dos autos) que veio a revelar que o valor das responsabilidades do Fundo de Pensões excediam em 1.530.678, à data de 31 de Dezembro de 1993, as que haviam sido informadas pelo Estado aos adquirentes das acções, cfr. alínea cc) de fls. 1004; 15ª. No âmbito dos contactos desenvolvidos entre o recorrente e a recorrida, esta, a pedido daquele, formalizou por escrito os danos cujo ressarcimento pretendia nos termos que constam da carta de 15 de Janeiro de 1997, cfr. alíneas nn) e oo) de fls. 1005 e 1006; 16ª. É manifesto, então, que dos factos provados resulta que o Estado, na fase de concurso de privatização da C... disponibilizou à interessada D..., informação que continha errada avaliação do Fundo de Pensões - a contida no Relatório da E... de fls. 29 a 33.

17ª. Tal informação errada induziu a referida interessada na convicção de que não havia quaisquer outras contingências deficitárias, para além do défice de 368.560 contos do Fundo de Pensões 18ª. Tendo ainda a provisão constituída no Relatório de Gestão e Contas da C..., no valor do referido défice de 368.560 contos, reforçado tal convicção, pelo que na proposta apresentada e preço oferecido não foi tomada em consideração qualquer excesso de défice para além daquele, pois nada fazia supor que o mesmo existisse; 19ª. De referir que ficou provado na alínea ggg) de fls. 1009 da sentença que a formação da vontade de contratar e o cálculo do preço das acções a oferecer por qualquer potencial comprador dependia da consulta do acervo de “documentos confidenciais” relativos à avaliação da C..., designadamente, os respeitantes à avaliação do Fundo de Pensões 20ª. Do mesmo modo, ficou ainda assente na alínea jjj) de fls. 1010, que foi com base na consulta e análise do conjunto de documentos, e por confiar na correcção da avaliação das empresas feita por ordem do Estado, que a D... apresentou a sua proposta; 21ª. Tal confiança saiu ainda reforçada pelo facto de a C..., ter sido avaliada por duas entidades financeiras independentes, G... e consórcio H... e, ainda, pelos organismos do Estado, “Secção Especializada de Apoio às Privatizações” e “Comissão de Acompanhamento das Privatizações, nos termos referidos nas alíneas lll) de fls. 1010 e qq) e rr) de fls. 1006; 22ª. E, ainda, pelo facto de todas as fases do processo de alienação das acções da C..., bem como os próprios relatórios de avaliação da empresa patenteados no concurso, terem sido objecto de análise e verificação por um serviço do Estado, a atrás referida “Secção Especializada”, cfr. provado na alínea fff) de fls. 1009; 23ª. Pelo que foi a interessada D... induzida na convicção de que todos os pressupostos e procedimentos previstos na Lei n° 11/90, de 5 de Abril tinham sido adequadamente cumpridos; 24ª. Desta factualidade retira-se que o Estado ao disponibilizar na fase Concurso a informação contida no Relatório do Fundo de Pensões de fls. 29 a 33 dos autos, que continha avaliação errada do Fundo, violou o “dever de informação” que está subjacente ao cumprimento das regras da boa fé na fase pré-contratual, incorrendo assim na responsabilidade de reparar os danos causados à ora recorrente, face ao disposto no artigo 227° do CC; 25ª. No caso vertente, impunha-se ao Estado que fornecesse informação completa e correcta, o que pressupõe a verificação prévia da veracidade da mesma, pelo que aquele violou culposamente, o dever de informação que sobre ele impendia com vista ao rigoroso cumprimento das regras da boa fé, na fase formativa do contrato.

26ª. O “dever de informação” relevante em processos de aquisição de empresas, mormente o da privatização dos autos, é o que respeita à situação económico-financeira da empresa que, no caso, a interessada D... não pode avaliar adequadamente porque lhe foi omitida a real e efectiva situação deficitária do Fundo de Pensões; 27ª. É com base na análise da referida situação económico-financeira da empresa que os interessados apuram a “valia” daquela para, nessa conformidade, apurarem e proporem o preço por acção, correspondente ao “valor de mercado”; 28ª. Pelo que como bem referido na sentença a fls. 1035, penúltimo parágrafo, “se os elementos relativos ao défice do Fundo fossem conhecidos o preço dessas acções sofreria o efeito da sua desvalorização financeira; por isso, ... seria expectável que o preço das acções reflectisse o esforço monetário global que a sociedade teria de efectuar para colmatar as insuficiências do Fundo” 29ª. Ora no caso dos autos ficou provado que a C..., quando já era detida pela ora recorrente, para fazer face à deficiência de meios financeiros do Fundo, entregou à E..., entre 1994 e 1998 importâncias que atingiram um total de 2.437.285 contos e, no decurso de 1999 uma contribuição extraordinária de 160.9311 contos, cfr. provado nas alíneas ddd) e eee) de fls. 1008 e 1009; 30ª. E ficou, ainda, provado que se em 31.12.1993 os cálculos do Fundo estivessem correctos, e se tal Fundo estivesse provisionado com os activos necessários, a ora recorrente...

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