Acórdão nº 0210/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução01 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A… intentou, no TAF do Funchal, contra o Município do Funchal e o contra interessado B…, acção para execução da sentença proferida no processo n.º 149/99 a qual, tendo sido julgada procedente, determinou a condenação do Director do Departamento de Urbanismo da CMF a reconstituir a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, o que passava (1) pela demolição da moradia que aquele construíra e, em caso de incumprimento, pela aplicação de uma sanção pecuniária compulsória e (2) pela nulidade e cassação da licença de utilização nº 344/99 passada a favor daquele Contra Interessado relativa àquela construção.

Inconformado, o Município do Funchal recorreu, com êxito, para o Tribunal Central Administrativo Sul já que este, concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida.

O Exequente interpôs, então – a coberto do disposto no art.º 150.º do CPTA - o presente recurso de revista o qual foi admitido por ter sido entendido que a matéria aqui controvertida tinha a relevância social e jurídica suficiente para justificar a intervenção deste Supremo Tribunal.

Nele se formulam as seguintes conclusões: 1. O acórdão recorrido revogou e substituiu a sentença que concretizara o conteúdo do dever da Administração de executar a sentença que declarara a nulidade do licenciamento de uma construção, por violação das (todas) prescrições de alvará de licenciamento em vigor; 2. A sentença revogada ordenara a demolição da moradia construída ao abrigo do licenciamento declarado nulo, com fundamento na total improdutividade de efeitos jurídicos dos actos administrativos nulos (artigo 134.º/1 do CPA); 3. Entendendo tal medida como excessiva, inadequada e desnecessária, com fundamento no artigo 106.º/2 do R.J.U.E., o acórdão recorrido limitou-se a dispor que deve proceder-se à “reintegração urbanística no sentido das notificações efectuadas pela C.M.F. ao contra-interessado”, sem identificar o responsável por tal reintegração, nem fixar prazo para a execução da mesma; 4. Assim, o acórdão recorrido suscita, em 1º lugar, a questão de saber se o cumprimento do dever da Administração de executar uma sentença que declarou a nulidade do licenciamento de uma construção, com fundamento na violação das restrições materiais impostas por alvará de loteamento em vigor (excesso, em mais do dobro, do índice de construção, do índice de ocupação, do número de pisos, da cércea e da cota de soleira), concretiza-se com a demolição do construído ao abrigo desse licenciamento ou pode esgotar-se com a notificação ao particular para apresentar projecto de legalização da obra executada; 5. E, em 2.º lugar, a questão de saber se tal acórdão enferma ou não de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668.º/1/d/1ª pte, do C.P.C., ex vi do art.º 1º, conjugado com o disposto no artigo 179.º/1 do C.P.T.A.; 6. A 1ª questão, implica a opção entre o regime previsto no artigo 134.º/1 do CPA, e o do invocado artigo 106.º/2 do R.J.E.U., cada qual conjugado com normas substantivas e processuais do C.P.T.A..

  1. Além disso, por respeitar a construções, não raras vezes feitas ao abrigo de licenciamentos inválidos, com reflexos directos no mundo das coisas, é susceptível de colocar-se num número indeterminado de processos, assumindo assim relevância jurídica que lhe confere importância fundamental; 8. E decorrendo dessa opção consequências práticas mais ou menos significativas no mundo das coisas físicas, e na vida da comunidade, assume também elevada relevância social; 9. A 2.ª questão, versando sobre a omissão de pronúncia acerca de elementos típicos da definição do dever de executar, indispensáveis à execução, traduz-se em manifesto erro de julgamento, a reclamar uma melhor aplicação do direito.

  2. Pelo que crê-se justificarem a revista.

  3. A sentença da 1.ª Instância não violou as normas e princípio apontados no Acórdão recorrido.

  4. Este é que violou designadamente a norma do art.º 134.º/1 do CPA.

    O Município do Funchal e o Contra Interessado contra alegaram.

    O Município do Funchal concluiu as suas alegações do seguinte modo: 1. O recurso de revista, previsto no n.

    º 1 do art.

    150.º do CPTA, apenas é admissível quando "esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".

  5. Interpretando aquela norma, tem o STA entendido que uma questão assume uma importância jurídica ou social fundamental pela capacidade de expansão da controvérsia para além dos limites da situação singular e ainda nos casos em que a questão pode contender com interesses especialmente importantes da comunidade.

  6. Sucede, porém, que, no caso dos autos, o Acórdão recorrido decidiu em conformidade com a jurisprudência dominante, no sentido de que a demolição é a última das medidas que deve ser tomada e, só deve sê-lo, quando for evidente que a legalização da obra não é possível (arts.

    106, n.º 2 do RJUE e 266.º, n.º 2, da CRP).

  7. Não há, ao contrário do que afirma o ora Recorrente, qualquer contradição - ou opção a fazer - entre a disciplina do art. 134, n.

    º 1 do CPA e do art. 106, n.º 2, do RJUE: o art. 134.º n.º 1 do CPA estabelece o regime (substantivo) da nulidade dos actos administrativos, determinando que "o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos"; já em sede executiva, a Administração tem o dever de reconstituir a situação actual hipotética (cfr. art.

    173, n.

    º 1 do CPTA) e de adoptar as medidas que impliquem menor sacrifício para o particular (cfr. art.

    266, n.º 2, da CRP), sendo a demolição a última medida a ser tomada, por ser a medida mais grave e ser uma medida irreversível.

  8. A questão dos autos é juridicamente pacífica e a menos gravosa para os interesses gerais da comunidade, não assumindo uma importância jurídica ou social fundamental, não deve ser admitido o presente recurso de revista (cfr.

    n.

    º 1 do art.

    150 do CPTA).

  9. A decisão do Tribunal a quo - de que se deveria proceder "à reintegração de acordo com o sentido das notificações efectua das pela CMF ao contra-interessado B…" - é totalmente perceptível e completa, tendo em conta o disposto nos art.ºs 173.º a 175.º do CPTA e a matéria de facto dada como provada nos pontos 7 e 8 da Parte II do acórdão.

  10. Estando em causa o cumprimento voluntário da sentença pelo ora Recorrido (art.ºs 173.º a 175.º do CPTA) - e não o seu incumprimento (art.

    179.º do CPTA) - não tinha o Tribunal recorrido que concretizar, com maior pormenor, o conteúdo dispositivo da sentença.

  11. O acórdão recorrido não padece, pois, do alegado vício de omissão de pronúncia, como invocado pelo ora Recorrente, uma vez que não está em causa a aplicação do art.

    179.º, n.

    º 1, do CPTA, mas sim a improcedência do pedido executivo, por não verificação dos pressupostos legais dos art.ºs 173 a 175 do CPTA (que pressupunham um incumprimento que não houve - da sentença pelo ora Recorrido).

  12. O princípio do pedido é um princípio estruturante do direito processual civil, que se aplica, com a mesma força, em processo administrativo, nos termos previstos no art.

    1.º do CPTA e, por isso, também ao caso dos autos: o âmbito da acção (que é identificado através dos sujeitos, do objecto e da causa de pedir) constitui um verdadeiro limite da sentença (como se retira da máxima: ne eat judex ultra vel extra petita partium), conduzindo o vício da extra petição à nulidade da sentença - art.

    668, n.º 1, d) e e) do CPC.

  13. O pedido formulado pelo aqui Recorrente em primeira instância foi o de "rebaixar a cota soleira da moradia (. . .); demolir tudo quanto exceda (.

    . .); demolir no perímetro da moradia o necessário para reduzir a área de ocupação ou de implantação (. . .); e demolir a volumetria do edifício o necessário...

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