Acórdão nº 0971/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…, ex-soldado NIM 08003070, veio interpor recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 19.6.08, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho da autoria do Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, que não o qualificou como deficiente das Forças Armadas (DFA), por não se mostrarem reunidos os requisitos estabelecidos no art. 1, nº 2, e art. 2, nº1, al. b), do DL 43/76, de 20, de Janeiro.

Apresentou a seguinte alegação: Por douto acórdão, datado de 19 de Junho de 2008, o Tribunal Central Administrativo Sul, julgou improcedente o recurso contencioso de anulação interposto pelo recorrente, por considerar que o despacho recorrido não violou o disposto nos artigos 1 ° e 2° do DL 43/76, de 20 de Janeiro.

No entanto, e no entender do recorrente, o douto acórdão recorrido, sofre de erros de julgamento e do vício de violação de lei, concretamente das normas constantes nos artigos 1° e 2° do DL 43/76, de 20 de Janeiro.

A fim de evitar repetições desnecessárias, e dando por integralmente reproduzido tudo quanto se alegou no Tribunal "a quo", retiram-se as seguintes conclusões:

  1. O recorrente foi incorporado no serviço militar em 13 de Janeiro de 1970, no BCAÇ de Elvas, como recrutado, tendo tirado a especialidade de comando no Centro de Instrução de Operações Especiais em Lamego e cumprido uma comissão de serviço na Guiné para onde embarcou em 11 de Julho de 1970, com o posto de 1° Cabo Comando, integrado na 273 Companhia de Comandos.

  2. Durante o cumprimento da comissão de serviço, em condições extremamente adversas, quando se encontrava aquartelado com a sua Companhia em Masanbá (numa zona considerada das mais perigosas de todas as frentes da Guerra Colonial), na noite de 31 de Dezembro de 1971, o recorrente sofreu um acidente na sequência de uma explosão acidental de uma granada que lhe provocou ferimentos graves no ombro e braço esquerdo, na face e no couro cabeludo, no pavilhão auricular, resultando igualmente diminuição auditiva e traumas psicológicos.

  3. Em consequência do acidente sofrido, o recorrente foi evacuado para o Hospital Militar de Bissau (HMB), onde permaneceu internado cerca de um mês, após o que foi transferido para o Hospital Militar Principal em Lisboa (HMP), onde foi submetido a duas intervenções cirúrgicas.

  4. Foi presente à JHI que, reunida em sessão de 02 de Junho de 1972, considerou o recorrente pronto para todo o serviço militar.

  5. Durante a instrução de processo sumário por acidente em serviço (revisão do processo solicitada em 10 de Novembro de 1998), o recorrente foi presente a JHI, que, em sessão de 07 de Maio de 2002 o considerou "Incapaz de todo o serviço militar com a incapacidade parcial permanente para o trabalho de 6,9% "por "deformidade do pavilhão auricular esquerdo e hipoacúsia".

  6. A Comissão Permanente para Informações e Pareceres da Direcção do Serviço de Saúde (CPIP/DSS), no parecer n° 401/02, de 26 de Dezembro de 2002, considerou que "os motivos pelos quais a JHI/HMR2 julgou este ex-militar incapaz de todo o serviço militar, com 6,9% de desvalorização global... resultaram das lesões sofridas no acidente ocorrido em 31 DEZ.71, algures na Guiné, conforme está descrito no processo".

  7. Este parecer foi homologado, por despacho de 18 de Fevereiro de 2003 do Senhor Director de Justiça e Disciplina, por Subdelegação do General Comandante do Pessoal, delegação recebida por este do General Chefe do Estado-Maior do Exército.

  8. Enviado o processo ao Ministério da Defesa Nacional para eventual qualificação como DFA, nos termos do art. 2° do DL 43/88, de 8 de Fevereiro, foi proferido despacho de S. Exª. o Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, que não qualificou o recorrente DFA.

  9. O acidente do recorrente ocorreu em zona de plena actividade operacional, no teatro de operações, onde se verificavam acções de guerra, guerrilha, em circunstâncias de contacto possível com o inimigo (IN) a qualquer momento.

  10. Com efeito, o acidente deu-se numa pequena tabanca, na zona de Mansabá, no interior da Guiné, em pleno mato, numa das zonas consideradas mais perigosas de todas as frentes da Guerra Colonial, a qual era constantemente bombardeada pelo IN.

  11. O acidente deu-se na noite da passagem de ano quando alguns militares se encontravam no "café", mas dentro do perímetro do aquartelamento e armados com armamento vário, nomeadamente com granadas, sendo a noite de passagem de ano uma noite de maior prevenção, por ser maior o risco de ataque IN.

    1) As causas do acidente sofrido pelo recorrente são incidíveis da actividade operacional. O mero estar em "zona operacional” em que o perigo de ataque do IN é constante, ao ponto dos militares terem de andar permanentemente armados até para satisfazer as suas necessidades básicas, condiciona a acção e actuação de todos os elementos e determina a produção de eventos que, a ser de outro modo, ocorreriam de forma substancialmente diversa ou nem sequer se produziriam.

  12. Todo o acidente ocorrido em zona operacional, independentemente da sua causa próxima e específica é abrangido pelo legislador, pois que o "risco agravado” patente no DL 43/76, de 20 de Janeiro é definido por este padrão de referência e não por qualquer outro.

  13. O serviço de campanha é, assim, o aferidor padrão do risco elevado, superior ao normal próprio da actividade militar. Isto mesmo é depois explicitado nos nºs 2 e 3, do mo 2°, do DL 43/76 e na situação especial do n° 4 do mesmo artigo terá de avaliar-se da perigos idade da actividade desenvolvida comparando-a com a referência de risco padrão ínsita no artº 1º, n° 2 e 2., nºs 2 e 3., do mesmo diploma.

  14. Tendo o acidente do recorrente ocorrido em 1971, dever-se-ia aplicar à sua situação o disposto no DL 210/73, de 09 de Maio, por ser a legislação aplicável à data da verificação dos factos, devendo por isso o recorrente ser qualificado automaticamente DFA, nos termos do mo 18°, n° 1, c) do DL 43/76, de 20JAN.

  15. Ao não ter valorado o elevado risco da zona em que o acidente do ora recorrente ocorreu, e ter adoptado o critério da causa concreta ou eficiente na verificação do nexo causal do acidente com o serviço de campanha, o douto acórdão recorrido padece de erro de julgamento, tendo igualmente violado os artigos 1°, n° 2., artº 2°, nºs 2 e 3 e 4 e artº 18°, n° 1., c) do DL 43/76., de 20JAN, e artigos 13° e 266° da CRP, pelo que deve ser revogado.

    Nestes termos e nos demais de direito, invocando-se o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto acórdão recorrido, com o que se fará JUSTIÇA! A entidade recorrida apresentou contra-alegação, na qual formulou as seguintes conclusões: O despacho de não qualificação do recorrente, exarado pelo Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, é plenamente válido e eficaz, uma vez que: 1. O despacho em crise indeferiu o pedido do ora recorrente de ser qualificado como deficiente das Forças Armadas, uma vez que o acidente em causa não ocorreu em serviço de campanha ou em circunstâncias relacionadas, nem em condições de risco agravado, conforme exigido pelo n.º 2 do artigo 1.0 do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro; 2. O despacho recorrido sustentou-se na informação do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério da Defesa Nacional, que procedeu à análise do requerimento, em função do processo organizado no Estado-Maior do Exército que inclui, nomeadamente, um processo por desastre instaurado em 1972, em que se concluiu que este acidente não tem relação com o serviço, tendo sido ocasionado pelo rebentamento de uma granada manuseada por um camarada do recorrente, num café, durante o festejo da passagem de ano.

    1. Nunca o despacho em crise poderia, portanto, ter decidido qualificar o recorrente como deficiente das Forças Armadas, uma vez que não se encontra preenchido o requisito da qualificação do acidente ocorrido em "campanha", "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" ou "risco agravado", sob pena de incorrer em violação de lei, por falta de preenchimento de um dos requisitos, de verificação cumulativa, previstos no artigo 1.0 do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro; 4. Com efeito, e conforme entendimento já expresso pelo STA, deve proceder-se à leitura do n.º 2 do artigo 2.0 do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, tendo em atenção a intenção pelo legislador quanto ao n.º 3, ou seja, são subsumíveis ao acidente ocorrido em campanha os eventos determinados no decurso de qualquer actividade operacional, desde que conectados com a actividade directa ou indirecta do inimigo, a ameaça de ataque das forças inimigas ou decorrentes da perigosidade do mesmo, da missão ou da zona onde ocorreram.

      Sufragar-se o entendimento de que qualquer acidente ocorrido no decurso de actividade de natureza operacional é um acidente ocorrido em "campanha" equivale a esvaziar de conteúdo e utilidade a 1ª parte do nº 2 do artigo 2º; 5. E, conforme ficou claramente demonstrado no processo instruído, concernente ao ora recorrente, contrariando o alegado pelo mesmo, Q acidente não ocorreu em serviço de campanha, pois a granada deflagrou num estabelecimento civil (café) e não envolveu qualquer acção directa ou indirecta do inimigo; 6. O facto de o acidente ter ocorrido numa "zona de plena actividade operacional" revelou-se, na prática, totalmente indiferente para a produção do evento, tendo o mesmo sido consequência de outras circunstâncias; 7. Também não poderá o acidente ser considerado como ocorrido em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, na medida em que não se localizou no teatro de operações, não envolveu eventos directamente relacionados com a actividade operacional, nem especial actividade relacionada, havendo assim perigosidade não decorrente das características dessa actividade; 8. Ora, o manuseamento de granada por um dos militares que se...

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